Há uma “dimensão política e diplomática muito forte” no processo contra o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, que deveria fazer com que este caso controverso tivesse sido tratado “de uma outra maneira pelas autoridades portuguesas, incluindo pelas judiciárias”. Esta é a análise de António Marinho Pinto, eurodeputado português que defende que o ex-vice de José Eduardo dos Santos possa ser julgado em Luanda e não em Lisboa, porque “Manuel Vicente não é um angolano qualquer”.
Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, Marinho Pinto diz que não o “repugna a possibilidade de um determinado país julgar no seu território, na sua ordem jurídica, os nacionais do seu país que tenham cometido crimes no estrangeiro”. O jurista lembra que “o Código Penal português prevê essa possibilidade para cidadãos portugueses, pelo que deve aceitar que outros países queiram a mesma prerrogativa”.
Lembrando que o Ministério Público não é um organismo independente, é um “braço” dos órgãos políticos, Marinho Pinto defende que em alguns momentos tem que se articular o princípio da legalidade, ou seja, a subordinação total à lei, com princípios de oportunidade política — quando estão em causa interesses do próprio Estado que podem sobrepor-se ao interesse do Estado em punir determinados crimes”.
Na análise de Marinho Pinto, este é o caso do processo Manuel Vicente, já que “Portugal tem centenas de milhares de cidadãos que vivem e trabalham em Angola. E a primeira obrigação dos políticos é defender os interesses nacionais em qualquer parte do mundo em que estejam portugueses”.
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Questionado sobre outros temas, pelo Público e Rádio Renascença, Marinho Pinto elogia o mandato da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, mas concorda que o mandato não deve ser renovado, justamente porque foi com este “espírito” que se alargaram os mandatos para seis anos. Quanto ao seu próprio percurso, António Marinho Pinto diz que “como nos iogurtes”, o seu “prazo está a chegar ao fim”.
O advogado elogia, ainda, o governo socialista apoiado na maioria de esquerda, mas acusa que “continua a enganar-se o povo, dizendo que é possível distribuir sem produzir”.
Isto preocupa-me, eu que estou aqui na Europa e vejo o rigor com que determinados países atuam em relação às questões orçamentais. O Estado só pode distribuir se criar condições para produzir. Mas em Portugal vejo que se insiste: “Houve austeridade porque aqueles são maus, queriam o vosso mal; nós somos bons, cortamos a austeridade.” Como se houvesse um cofre sem fundo, com dinheiro para redistribuir”