Apresentou-se como um “soldado” de Rui Rio daqui para a frente, mas o discurso que fez na despedida não foi um discurso “simbólico”. Foram trinta minutos de um discurso em linha com o que Passos Coelho tem dito ao longo dos últimos anos, e muito centrado no ataque ao PS de António Costa, e à geringonça que tem de ser combatida.
No discurso da despedida, o agora ex-líder do PSD não quis falar do passado (pelo menos do seu passado), mas falou do passado do PS, que “deixou o país numa situação de quase bancarrota”, e que é hoje o mesmo PS que se vangloria do crescimento económico. O objetivo foi deixar dois avisos à nova liderança: o primeiro, que “não é fácil bater a geringonça, mas é preciso bater a geringonça”; o segundo, que há um partido à direita, o CDS, com o qual o PSD se entendeu bem e que ainda “vai ser importante no futuro”.
Depois de Rui Rio ter feito a campanha interna centrada numa lógica de aproximação ao PS, num cenário de vitória de Costa nas legislativas, a postura que o PSD de Rio vai adotar face ao PS é a grande pergunta do Congresso que decorre este fim de semana. E foi precisamente por aí que Passos quis começar. Disse que o atual Governo socialista tem muitos membros do Executivo socialista que conduziu “Portugal praticamente à bancarrota” e, nem assim, “houve um pedido de desculpa, um arrependimento”. Para Passos, aliás, o facto de o PS não se ter renovado, apostando nos mesmos quadros que que produziram aqueles resultados, legitima a pergunta: “Quem nos garante que isto [bancarrota] não volta a acontecer?”, perguntou.
Até José Sócrates mereceu uma menção. Passos lembrou que foi o ex-primeiro-ministro socialista que “duplicou a dívida pública” do país, e, mesmo assim, “não há vergonha” no PS. Mais: o nível de investimento hoje é mais baixo do que aquele que existia “quando não havia dinheiro”. Por isso, Passos não tem dúvidas: é preciso atacar o PS e, sobretudo, este PS da geringonça.
Como é que isso se faz? Passos não deixou nenhuma receita mas deu umas luzes: elogiou o CDS, anterior parceiro de coligação, que vai ainda “ser importante no futuro”. É o mesmo que dizer a Rui Rio, sem o dizer, para se virar para o lado direito e não para o lado esquerdo. “Vejam o que conseguimos fazer fizemos com o CDS”, lembrou Passos, fazendo questão de assinalar o facto de, “pela primeira vez”, um Governo de coligação ter conseguido levar uma legislatura até ao fim. “Fizemos um caminho que nos permitiu, com o CDS, dar estabilidade e confiança” ao país, insistiu.
“No passado desta liderança, fizemos sobretudo o que era essencial e importante e nisso não falhámos ao país. Isso era para mim muito importante dizer na minha saída”, disse.
Passos aproveitou ainda a ocasião para deixar mais uma alfinetada ao líder que se segue, e que se prepara para substituir a direção da bancada parlamentar do PSD: elogiou o atual líder parlamentar, Hugo Soares, duas vezes, sublinhando o combate que tem feito no Parlamento nos debates quinzenais contra António Costa. “Ainda esta semana Hugo Soares recordou no Parlamento que faz sentido termos em conta o que se passou nos outros países da zona euro para termos uma noção da espetacularidade do crescimento de 2,7%” que o atual Governo está a apregoar.
É que, segundo Passos, a política do Governo não é mais do que “propaganda”, já que há “13 países da zona euro que cresceram bem mais do que Portugal” há um ano.
No final, Passos pediu um aplauso a Pedro Santana Lopes, sentado na primeira fila ao lado de Rio, e elogiou a “promessa de união” de Rui Rio — que já tem os seus primeiros sinais à vista. Rio e Santana Lopes entraram juntos na sala do Centro de Congressos e sentaram-se lado a lado. É esperado que Santana, o derrotado, seja o cabeça de lista ao Conselho Nacional, num acordo de pacificação e união.
Ao fim de 30 minutos, Passos despediu-se. Foi mesmo a última vez que pisou o palco do PSD enquanto líder, ou ex-líder, sendo que não vai aparecer no Congresso no resto do fim de semana. O palco agora não é seu. “Rui, contas com todo o meu apoio, e também com a minha discrição. Porque quem sai tem o dever de saber o lugar que ocupa e a responsabilidade do cargo que ocupou”, disse.