A decisão do coletivo de juízes do tribunal da Guarda foi a de condenar o arguido Pedro Dias a 25 anos de prisão. A soma das penas parcelares dos múltiplos crimes pelos quais foi condenado (homicídio, ofensa à integridade física, sequestro, furto) ultrapassava os 100 anos de pena, mas, graças ao cúmulo jurídico, a pena final é de 25 anos de prisão. Isto porque a lei explicita claramente que “quando alguém tiver praticado vários crimes”, é “condenado numa única pena” que não pode ultrapassar os 25 anos em caso de pena de prisão.

Cada vez que há um julgamento que envolve crimes violentos como o do fugitivo de Aguiar da Beira, abre-se o debate sobre se uma pena de 25 anos de prisão é ou não apropriada. Mas, independentemente da opinião que se possa ter sobre isso, certo é que nem sempre foi esta a pena máxima em Portugal. Foi só em 1995, durante o segundo mandato de Cavaco Silva como primeiro-ministro, que a reforma penal do ministro Laborinho Lúcio passou a pena máxima dos 20 anos de prisão (instituída em 1982) para os 25 que ainda vigoram.

As estatísticas revelam que o número de condenados a esta pena tem aumentado nos últimos anos, como revelava o jornal SOL em 2014: se em 2000 apenas 21 reclusos estavam a cumprir a pena máxima, em 2013 eram já 96 as pessoas a cumprir 25 anos de prisão. No entanto, como alertava o mesmo artigo, raramente os 25 anos são cumpridos até ao fim. “Quando estão em causa penas superiores a seis anos, a liberdade condicional é obrigatoriamente concedida quando cumpridos cinco sextos da pena, a menos que o recluso não consinta”, explicou à altura o juiz Carlos Lobo. Na prática, um recluso condenado a esta pena cumpre no máximo 20 anos e dez meses de pena efetiva. A maior parte das vezes, é libertado a meio da pena ou quando dois terços já foram servidos.

No entanto, há quem tenha estado preso mais de 25 anos consecutivos em Portugal no pós-25 de Abril. Foi o caso de Delfim Sousa, que cumpriu a mais longa pena de prisão do país — 34 anos. Tal foi possível porque, em 1983, foi condenado a 20 anos de prisão depois de ter sido considerado o “cérebro” de uma série de ataques a polícias, assaltos a ourivesarias e lojas de eletrodomésticos e de um afamado assalto a um comboio. Mais tarde, na prisão, acabou por ser condenado num novo processo a outros 20 anos de cadeia devido a crimes de tráfico de droga que praticou já atrás das grades. Tinha saída prevista para 2020, mas acabou por sair em liberdade em 2017.

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A discussão sobre a proporcionalidade de uma pena de 25 anos de prisão para determinado tipo de crimes tem atravessado a sociedade ao longo dos anos. Ainda recentemente, em agosto do ano passado, o presidente do sindicato do Ministério Público, António Ventinhas, defendia num artigo de opinião o aumento da moldura penal máxima para crimes de terrorismo — o que não se aplicaria a um condenado em primeira instância como Pedro Dias, por exemplo.

Se o terrorista tivesse cerca de 20 anos de idade sairia em liberdade perto dos 40 anos e dificilmente a comunidade aceitaria tal facto”, escrevia Ventinhas.

Isto apesar da “tradição humanista e vanguardista” portuguesa, escrevia Ventinhas, evidente no facto de Portugal “fazer parte do grupo de países que primeiro aboliu a pena de morte” em todo o mundo, no ano de 1867.

Do outro lado da barricada estão opiniões como a de Germano Marques da Silva, presidente da comissão da revisão do Código de Processo Penal de 1998, que em 2010 dizia ao Diário de Notícias considerar os 25 anos de pena como exagerados. “Um condenado não deixa de ser um cidadão e combater a criminalidade não é manter as pessoas na cadeia”, dizia à altura.

Em Portugal não há prisão perpétua. E no resto da Europa?

Estabelecido que está em Portugal o número máximo de anos de pena efetiva como 25, coloca-se outra questão: é este o padrão habitual no resto da Europa? Se a pena de morte foi totalmente afastada em território europeu (com exceção da Bielorrússia), qual é a pena mais grave a que se pode ser condenado?

Um estudo de 2005 do professor de Direito Penal comparativo Dirk van Zyl Smit traça o retrato em pinceladas largas das penas máximas nos países europeus e conclui que há apenas três países na Europa que têm as leis mais duras: os códigos penais de Inglaterra, País de Gales e Holanda prevêem a aplicação de uma pena de prisão perpétua irrevogável. São os únicos em toda a Europa mas, em cada um destes países, são poucos os condenados a este tipo de pena — em 2012, por exemplo, apenas 40 pessoas estavam a cumprir uma pena de prisão perpétua em Inglaterra e País de Gales, como explicava o Guardian.

Contudo, a grande maioria dos países tem um regime que não é igual ao português. Quase todos, explica Zyl Smit, permitem penas de prisão perpétuas mas incluem uma adenda para que todos os condenados possam sair em liberdade condicional depois de terem cumprido um número de anos de prisão efetiva. Alguns vão dos simples 10 anos de prisão (Bélgica) até aos 30 (Estónia).

O terrorista Anders Breivik foi condenado a 21 anos de prisão, na Noruega (LISE ASERUD/EPA)

Três países na Europa destacam-se por não terem oficialmente a figura da prisão perpétua: Portugal, acompanhado de Espanha e Noruega. Estes dois últimos, no entanto, têm particularidades no seu sistema de pena máxima.

Em 2015, o Partido Popular de Espanha aprovou sozinho uma revisão do Código Penal espanhol, que aumentou a pena máxima de 40 anos de prisão para uma possível pena perpétua “passível de revisão” (introduzindo um regime semelhante ao dos outros países europeus, com um cumprimento mínimo de pena dos 25 aos 35 anos de prisão). No entanto, como explica um artigo do El Mundo, desde então, esta pena máxima foi aplicada uma única vez: a David Oubel, condenado pela morte particularmente violenta das suas filhas de quatro e nove anos, com recurso a uma serra elétrica e a uma faca de cozinha.

O outro caso de exceção é o da Noruega, que prevê uma simples pena máxima de 21 anos de prisão. Essa pena máxima chegou inclusivamente a ser internacionalmente debatida aquando da condenação do terrorista Anders Breivik, que está a cumprir 21 anos de cadeia por ter morto 77 pessoas no ataque de Utoya. A matemática feita por uma revista americana explicava à altura que, dividindo a pena pelo número de mortos, Breivik estaria a cumprir apenas 100 dias de prisão por cada um dos homicídios.

Contudo, o sistema norueguês permite que ao fim dos 21 anos um recluso veja a sua pena estendida de cinco em cinco anos, se a avaliação dos serviços prisionais sobre a sua reabilitação for negativa. Isto significa que, na prática, Breivik pode nunca vir a sair da prisão de Bastoey, no sul de Oslo, onde está a cumprir pena. O mesmo não acontecerá a Pedro Dias, homicida condenado pela morte de três pessoas, que poderá um dia vir a sair da prisão.