A nova produção do Teatro Nacional de S. Carlos (TNSC), em Lisboa, a ópera “Idomeneo”, de Mozart, é dirigida pelo maestro Christian Curnyn, encenada por Yaron Lifschitz, e conta com a participação da soprano Ana Quintans. “Idomeneo”, que estreia no sábado à noite no palco lisboeta, é uma ópera em três atos baseada no mito de Idomeneo, rei de Creta, narrado na “Odisseia”, de Homero, protagonizada pelo tenor Richard Croft, “uma espécie de guru de Mozart”, disse Ana Quintans que já contracenou com o cantor em Amesterdão, numa encenação da oratória “Jasper”, de Handel.
“Ele encarna muito bem, entrega-se ao papel, e para mim o Indomeneo de Mozart é ele. Ele respira a personagem”, afirmou. Em declarações à agência Lusa, Ana Quintans afirmou que a opção do encenador australiano Yaron Lifschitz foi por “algo muito despojado”.
“É uma cenografia muito despojada, mas muito bonita, não temos nenhuns adereços, a ação está muito centrada em nós enquanto atores/cantores”, afirmou Ana Quintans que desempenha o papel de Ilia, uma princesa troiana que está presa no palácio de Idomeneo, depois da derrota da sua cidade-Estado pelas forças helénicas. Ana Quintans estreou-se neste papel há dois anos, na Ópera da Flandres, tendo atuado em Gent e em Antuérpia, na Bélgica.
Referindo-se à produção do TNSC, a soprano afirmou: “o interessante nesta encenação do Yahon Lifschitz, é que nós, geralmente, estamos num plano de representação naturalista, e depois há muitas alturas em que passamos para um plano de representação mais abstrato”.
“Em palco estão quatro bailarinos connosco, que são uma espécie de pequenos/grandes deuses que andam ali pelo espaço, e que é uma abordagem interessante, pois não havendo nenhuma personagem mitológica, os deuses são aquelas entidades que estão em palco o tempo todo connosco, que habitam o espaço, que nos manipulam, que nos restringem, que riem de nós”, disse a cantora lírica, que qualificou a proposta de Lifschitz como “muito interessante”.
“Muitas vezes os encenadores quase que suprimem estas figuras da mitologia que nos parecem tão distantes dos dias de hoje, e nesta ópera onde eles não têm uma voz, é muito interessante a forma como o Yaron Lifschitz os integrou, como dividem o espaço connosco e como preenchem a cena, e como dão essa dimensão da mitologia grega, e dos seus deuses, que no fundo são feitos à imagem do homem”, acrescentou.
A ópera, com libreto italiano do abade Giambattista Varesco, parte da tragédia homónima do autor francês Antoine Danches, e foi uma encomenda da corte de Munique ao compositor austríaco, tendo estreado em 1781 naquela cidade germânica.
A soprano realçou à Lusa que “Idomeneo” constituiu “um ponto de viragem na obra do compositor”, que introduziu algumas novidades, como a utilização do “piccolo”, um instrumento de sopro idêntico ao flautim, e foi a primeira vez que se incluiu clarinetes na orquestração e quatro trompas, ao invés de duas.
“Esta é de facto a primeira grande ópera de Mozart, em que ele queria impressionar, e estava menos sob a alçada do pai, como grande influência na sua música, e dispunha da orquestra de topo da época, com músicos da de Mannheim, apesar de o libreto Napo estar talvez à altura da ópera que Mozart queria fazer. A ópera seguinte que compôs foi ‘Bodas de Fígaro'”, disse a soprano, que classificou “Idomeneo” como “uma ópera-charneira entre as que o Mozart já tinha produzido e as que se lhe seguiram, nomeadamente as colaborações com o libretista Lorenzo da Ponte”.
“Esta é uma ópera muito grandiosa, onde Mozart tira partido da orquestra e dos recitativos acompanhados, em que a força da palavra ganha muito e o ímpeto com que o cantor interpreta é muito diferente do recitativo seco, só acompanhado pelo baixo contínuo, até a forma como ele passa dos recitativos para as árias e as estruturas da árias, já se sente que é uma outra linguagem”.
Mozart, na opinião de Quintans, já procurava “uma certa veracidade no teatro” e daí a complexidade das árias e das personagens de “Indomeneo”.
A cantora lírica realçou as peças corais e o os quartetos vocais, que utilizou pela primeira vez, com “as vozes muito entrosadas em que não há uma linha vocal que sobressaia, mas o conjunto é um momento milagroso”. Ana Quintans, que tem tido uma agenda muito regular no estrangeiro, não pisava o palco do S. Carlos há cerca de dez anos, tendo elogiado “a acústica maravilhosa da sala, que aguenta os pianíssimos”.
Além de Ana Quintans e Richard Croft, o elenco é constituído por Caitlin Hulcup, com quem a soprano portuguesa também já contracenou, e ainda Sophie Gordeladze, Marco Alves dos Santos, Bruno Almeida e Rui Baeta. O britânico Christian Curnyn dirige o Coro do Teatro Nacional de S. Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a cenografia é de Fernando Ribeiro, os figurinos de José António Tenente e a luz de Cristina Piedade. A ópera sobe à cena no próximo sábado e nos ainda nos dias 12, 14, 16 e 18.