Já ninguém espera menos de um desfile de Nuno Gama e neste segundo dia de ModaLisboa, o criador fez com que valesse a pena usarmos um cliché daqueles — “fechar com chave de ouro”. Bastou espreitar os bastidores, momentos antes do desfile começar para perceber que vinha aí um espetáculo enraizado no folclore transmontano. Barulhentos e com a bizarria que lhes é própria, os caretos foram os primeiros a pisar a passerelle. Depois deles, modelos de pé nos assentos da primeiras fila sacudiram os seus casacos. Aqui e ali, a coleção outorno-inverno 2018/19 de Nuno Gama apropriou-se das cores destas figuras pagãs, mas também das capas de honras mirandesas e da figura do corvo, “símbolo e sentido desta viagem enquanto transformação espiritual individual”, como já tinha explicando designer previamente.
No final, os cerca de 70 manequins ocuparam a sala em muito mais do que uma simples volta final. Ergueram-se os antebraços cruzados e soaram os primeiros (e inconfundíveis) acordes do “Homem do Leme”, balada do Xutos e Pontapés, composta por Zé Pedro. Na voz do cantor Xande, a canção foi até ao fim enquanto o momento se ia multiplicando pelas dezenas de telemóveis em bicos de pés. Foi bonito e forte, como o final de um dia longo deve ser.
Antes disso, Luís Carvalho mostrou como é que, além de libertadores, os anos 60 também podem ser luxuosos. Luxo é, aliás, a primeira palavra que nos vem à cabeça quando olhamos para a paleta de cores que o criador selecionou para o próximo outono: azul imperial, vermelho, vários tons de roxo, dourado e preto. E espere só até ver os tecidos… sedas fluidas, veludos lustrosos, pele sintética, vinil e jacquards de ar confortável. Ao contrário da coleção anterior, a arquitetura das peças passou imediatamente para segundo plano. “Under Your Skin” é uma coleção que vive das texturas e das combinações de materiais — claramente, um hábito de inverno do criador — sempre ali a deambular entre o show de red carpet e um guarda-roupa de trabalho altamente sofisticado.
Como sempre, o designer soube simplificar e elaborar nos momentos certos. Tão depressa juntou veludo e couro numa única minissaia, como se cingiu a um único material para desenha um vestido longo, solto e decotado. Nas misturas mais inusitadas (como seda e vinil), o criador voltou a mostrar-se imbatível na sua confeção perfeita e perfecionista. Os vestidos curtos e as cinturas subidas fizeram-nos lembrar o quão leve e refrescante a moda conseguiu ser há 50 anos. Luís Carvalho é de hoje e do próximo inverno.
Surpreendentemente, o mesmo inverno de Ricardo Preto, que fez desfilar uma paleta de cores, no mínimo, primaveril. A partir de rosas, laranjas, vermelhos, verdes e azuis, e de um rol de materiais leves, ou o criador deposita todas as esperanças num outono-inverno ameno ou está a piscar o olho a um hemisfério que não este. Os estampados — uns inspirados na natureza, outros puramente geométricos — e a fluidez das silhuetas foram as principais cartadas do criadores.
Ao fim da tarde, foi a vez de Valentim Quaresma pisar a sala de desfiles do Pavilhão Carlos Lopes. O vestuário do criador não para de evoluir, desta vez com uma aposta forte nos brocados de acabamento brilhante. Roupa e peças de joalharia ficam quase em pé de igualdade, embora seja sobretudo nas segundas que designer dá forma ao mote da coleção. A partir de poema de Gilda Nunes Barata, trabalhou pedras, cobre e latão oxidado.
Já Patrick de Pádua encontrou decididamente o seu caminho. Se na última edição da ModaLisboa tinha arriscado apresentar várias peças de homem em manequins femininas, desta vez, deu o salto que faltava e criou uma pequena coleção para mulher. O unissexo continua a estar bem presente, sem que quase nenhuma peça nos diga quer quer ser usada exclusivamente por a ou por b. Patrick amadurece, já tem uma loja própria e isso nota-se à medida que vai cruzando o streetwear puro e duro que o trouxe até aqui com elementos clássicos do vestuário masculino. Mas há coisas que nunca mudam (ainda bem) e os bombers continuam a ser aquelas peças de Patrick de Pádua que cobiçamos do princípio ao fim do desfile. Da bombazine ao neoprene, o próximo inverno é a estação perfeita para abrir o leque de tecidos e nessa matéria, este designer da plataforma Lab já nos fez a papinha quase toda.
Cartagena de Índias, Colômbia, casas coradas ao sol, 27 graus — isto só para situar o cenário que inspirou Inês de Oliveira a desenhar “Suerte”, a coleção outono-inverno 2018/19 da Imauve. Um desfile com toda a coerência que esperávamos: silhuetas cintadas, cortes evasé e um duelo bem concretizado entre amarelos, laranja, roxo e fúcsia — cores quentes e forte, portanto — e a sobriedade de tons como o bege, o salmão e o terracota, este último, uma estrela do desfile. A estolas de pelo só serviram para nos distrair desta harmonia perfeita e das claras habilidades da jovem designer para o corte.
Se não é de nos entusiasmarmos por termos assistido a uma estreia nesta 50ª edição da ModaLisboa. Gonçalo Peixoto apresentou-se duplamente — à ModaLisboa e às passerelles portuguesas no geral — com uma coleção inspiradas nas auroras boreais. A referência é visível na escolha das cores, uma mistura de brancos e prateados gélidos, com os azuis, vermelhos e verdes electrizantes dos grandes clarões do Pólo Norte. O pacote final é descrito pelo criador de 21 anos como sendo “sport-chic”. Ora, ainda bem que o desfile pendeu mais para o primeiro do que para o segundo. Gonçalo tirou o melhor dos partidos da sobreposição de peças. Por vezes, a catwalk foi curta para decifrar as camadas e detalhes que o styling do desfile tão inteligentemente forneceu. Apesar de algumas repetições, saltaram à vista os corta-ventos e as malhas, estas últimas a fazerem lembrar Susana Bettencourt, mas no melhor dos sentidos. O designer aproveitou a oportunidade para apresentar também a sua primeira coleção de óculos de sol. Resumindo, são estes os looks que vamos querer juntar à wishlist para as próximas férias na neve, isso e voltar a ver Gonçalo Peixoto na ModaLisboa, em outubro.
A abrir o segundo dia de desfiles esteve a Away to Mars e bendita seja ela, que levou a moda dos quatro cantos do mundo para dentro da Estufa Fria. Fossem longos vestidos ou fatos, só houve olhos para o incrível quadro formado pelos padrões cheios de movimento e o verde tropical da estufa. A coleção funcionou em duas frentes: no impacto visual de peças fortes e coordenados ricos, mas também nos detalhes apenas visíveis ao perto, entre eles as pinceladas dos estampados e as diferentes camadas que vivem num mesmo vestido. No mesmo desfile, a Away to Mars apresentou o resultado da sua colaboração com a Melissa. Dela, resultaram três modelos bem arejados e que já estão à venda. A pergunta é: como resistir a este inverno de cor, peças leves, acabamentos de ar futurista e, ainda para mais, sem género? Se há frescura na ModaLisboa (que há), ela está aqui.