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O que disse José Sócrates nas entrelinhas

Este artigo tem mais de 5 anos

Na faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Sócrates ia falar da sua experiência na resposta à crise e acabou a falar nos erros europeus e a elogiar o seu Governo. Por Rita Tavares.

José Sócrates deu uma palestra na Universidade de Coimbra
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José Sócrates deu uma palestra na Universidade de Coimbra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

José Sócrates deu uma palestra na Universidade de Coimbra

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O ex-primeiro-ministro apareceu esta quarta-feira numa conferência universitária onde lhe era pedido um contributo para o debate sobre o projeto europeu depois da crise, com base da sua experiência de governação. José Sócrates não faltou à chamada — mesmo entre toda a polémica que o convite suscitou nos últimos dias — e lá esteve a defender, mais do que a sua governação, uma tese anti-austeridade. Não falou da sua resposta (e das suas medidas de austeridade) inicial à crise de 2008, preferindo teorizar sobre o que falhou na Europa (e não no seu Governo) nesse tempo. Até guardou um elogio para o atual Governo, mas dois para os seus. E ainda deu uma resposta política à pergunta sobre um regresso à participação na política ativa. O Observador analisa aqui o que José Sócrates disse aos estudantes da Universidade de Coimbra.

Os extratos do discurso de José Sócrates estão em itálico e os comentários e interpretações estão a amarelo.

“Não me parece que isso seja matéria de política, mas de bruxaria. Vamos deixá-la entregue aos videntes que fazem disso profissão.”

José Sócrates chegou ao auditório da faculdade da Economia da Universidade de Coimbra entre grande atenção mediática e no meio dela a pergunta sobre se aquele era o seu regresso à política ou até mesmo se estava a preparar uma futura candidatura presidencial. O ex-primeiro-ministro está acusado de 31 crimes (entre a corrupção passiva para titular de cargo político, o branqueamento de capitais, a falsificação de documento e a fraude fiscal qualificada) mas nem por isso descarta a sua vida política. A aparição (não é, de resto a primeira vez) numa conferência onde se puxava pela sua experiência de governação já era prova suficiente disso, mas entrar sem descartar por completo qualquer interpretação nesse sentido afasta qualquer espécie de dúvida que pudesse restar. Aliás, a resposta que deu é de verdadeiro combate político, até porque a questão da candidatura presidencial foi suscitada por Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC há um mês e meio, quando disse que "Sócrates já teve essa tentação no passado e pode ter essa tentação no futuro. Se o PS não o apoiar, vai ter algumas divisões internas porque José Sócrates tem alguns apoios. Se o PS apoia, é um suicídio político, total e completo”. A reação de Sócrates vai direta ao mensageiro Mendes, dizendo tratar-se de "bruxaria": "Vamos deixá-la entregue aos videntes que fazem disso profissão". Quem esperava ouvir um "nem pensar" como resposta, enganou-se.

“Gabo-vos a coragem e o desassombro de não cederem ao politicamente correto e fazerem o que acham que melhor contribui para a perceção do projeto europeu.

Foi com este cumprimento aos estudantes que Sócrates abriu a sua intervenção inicial na conferência para a qual foi convidado e que, mal foi conhecida, depressa se tornou num alvo de críticas. A ideia do núcleo de estudantes da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra -- que convidaram o ex-primeiro-ministro -- foi que Sócrates pudesse fazer ali "uma retrospectiva do que foi a sua ação e o seu pensamento" nos primeiros anos da crise, "na sequência da falência do Lehman Brothers", tal como explicou Simão Carvalho, representante da organização. Mas não foi bem isso que aconteceu. Sócrates explicou a sua tese à distância de dez anos, sem se debruçar sobre a sua própria resposta a essa fase inicial da crise. Mas já chegaremos a essa parte, voltemos à frase que está em destaque: ao elogiar a "coragem" dos alunos, Sócrates estava na verdade a responder às muitas vozes críticas que questionaram o crédito de uma intervenção sua quando desde 2014 está no centro de uma das mais relevantes investigações judiciais dos últimos anos e do qual saiu acusado em outubro passado, incluindo por crimes que terão sido cometidos durante o exercício das funções de primeiro-ministro.

“A perspectiva dominante na Europa em 2010, na crise das dívidas soberanas, era que toda a crise devia ser responsabilidade do excesso de Estado, de políticas públicas, de proteção social e de regulamentação da área laboral. Isto teve uma consequência muito negativa para o projeto europeu(…). A austeridade não foi capaz de resolver nenhum problema de défice, nenhum problema da dívida, mas principalmente não trouxe nenhuma resposta efectiva à crise. A austeridade como ideia económica de resposta à crise falhou no défice, na dívida, no crescimento e no emprego. Esta é a minha perspectiva.”

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Boa parte da sua intervenção inicial perante os estudantes universitários foi a tentar descrever -- quase como se de um teórico com total distanciamento face aos acontecimentos se tratasse -- o caminho que a Europa escolheu para responder à crise e o quanto ele se revelou errado. Isto à distância de dez anos porque em 2010 foi o mesmo José Sócrates que, como primeiro-ministro acabou por avançar com as primeiras medidas de austeridade, em pacotes de medidas adicionais ao Orçamento do Estado (os famosos PEC) que pretendiam conter despesa. Exigências dos parceiros europeus e dos mercados (que então colocavam restrições ao crédito do país), é certo, mas que Sócrates acabou por defender politicamente. Se não, recorde-se o que disse o então primeiro-ministro quando, em 2010, avançou com o primeiro pacote de austeridade: "Estas medidas só são tomadas quando um político entende em consciência que não há nenhuma outra alternativa. Foi essa a conclusão a que cheguei agora". Nesse pacote de medidas estavam a redução dos salários da função pública, do pagamento de ajudas de custo, das horas extraordinárias para esses funcionários. Uma carga violenta sobre o trabalho público que, nessa altura, Sócrates justificou com a necessidade de "defender o emprego". Dez anos depois conclui que essa resposta "falhou" em tudo, incluindo no emprego. Em julho desse ano, numa entrevista ao Financial Times, o primeiro-ministro defendia mesmo que as "dificuldades financeiras" que Portugal enfrentava teriam "um impacto muito mais negativo na economia do que as medidas de austeridade" que estava a tomar.  Anos mais tarde, depois de sair do Governo e antes do processo judicial rebentar, havia de acusar Passos Coelho de ter "duplicado a carga de austeridade" que constava no Memorando de Entendimento que assinou com a troika, mesmo antes de sair do Governo. O que nos leva à frase seguinte.

“E os que aplicaram uma receita desastrosa de acordo com uma ideologia dominante na Europa venham dizer que as coisas estão melhores agora porque essa receita existiu — não, essa história está mal contada. Portugal começou a recuperar por abandonar uma política catastrófica, a política da austeridade. É como se alguém estivesse num buraco e, para sair do buraco, escava mais, afundando-se ainda mais. O que aconteceu foi que este Governo deixou de escavar, abandonou a austeridade, e só aí é que se começou a verificar recuperação.”

De uma assentada, o ajuste de contas com Passos Coelho e o elogio a António Costa -- que na verdade tem na base uma ideia sua. Sócrates sustenta a tese que “a recuperação económica portuguesa não está a acontecer porque houve austeridade, mas sim porque se abandonou a austeridade", apontando a intervenção do Banco Central Europeu, e a sua política de harmonização financeira quantitativa, como decisiva para que esse trajeto fosse alterado. A Passos não perdoa o chumbo do PEC IV (mais um pacote de medidas adicionais que o PSD não acompanhou fazendo cair o Governo) que acredita até hoje ter sido o detonador do pedido de resgate. A capacidade de o país se financiar nos mercados estava então longe de recuperar e não era claro que esse pacote de medidas chegasse para reabilitar essa confiança. Mas na altura, Sócrates tinha por objetivo um programa de austeridade que permitisse convencer parceiros europeus e no qual teria o BCE como parte integrante, financiando a dívida portuguesa. A aposta já não chegou no seu tempo como primeiro-ministro. Agora sublinha os créditos dessa intervenção (que chegou em 2012) para aquele que é o atual contexto económico. Isso além do fim da austeridade que atribuiu ao Executivo socialista em funções.

“Portugal há muito que precisa de um projeto de desenvolvimento, de modernização, de crescimento. A questão é saber como é que isso se consegue. Perdoem-me o elogio, mas as últimas vezes em que ouviram falar de um projeto de modernização foi no governo que eu liderei quando apostamos na construção das escolas públicas, quando demos mais investimento para a ciência, apostamos nas tecnologias de informação, na modernização de infraestruturas (…) A ideia da rede de alta velocidade parar em Badajoz por uma decisão política que nos condena ao atraso é das ideias mais reacionárias que tenho ouvido no nosso país, não permite ambição, parece que devemos aceitar tudo isto e não devemos ter mais visão para a modernização e crescimento.”

A dada altura, saltou o auto-elogio e em catadupa. Como alternativa à austeridade, Sócrates coloca a necessidade de projetos de investimento para desenvolver o país e atirou a pergunta: "Quando é que foi a última vez que ouviram falar num verdadeiro projeto de modernização para o país?". A resposta era o seu Governo, numa das únicas referências diretas que fez ao seu período de governação -- e depois de ter saltado por cima da sua própria resposta à crise. Falou no investimento e num em concreto, que continua a defender com afinco. A desistência do projeto de Alta Velocidade (do troço Lisboa-Poceirão) surgiu em 2010, num despacho do Governo que justificava a suspensão do projeto -- que era uma espécie de menina dos olhos daqueles tempos de governação socialista -- com a "significativa e progressiva degradação da conjuntura económica e financeira". Agora volta à carga, assumindo que manter o país fora dessa rede é "das ideias mais reacionárias" que tem ouvido. A verdade é que, em 2011, quando depois da demissão tentou a recandidatura ao Governo contra Passos, Sócrates já não levava a Alta Velocidade no programa eleitoral para os quatro anos seguintes. Na altura recusava ter abandonado esse plano: "Não posso estar de acordo que tivéssemos abandonado isso. O que digo é que essa é uma prioridade que permanece,  mas devemos agora adaptá-la às novas condições financeiras", recusando-se nessa altura com um calendário para esse grande investimento.
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