O dinheiro pago a colégios do grupo GPS, no âmbito dos contratos de associação com o Estado, serviu para pagar férias, carros, bilhetes para o mundial de futebol de 2006, jantares, vinhos e até seguros pessoais, segundo o Ministério Público.

O Ministério Público (MP) acusou dois ex-decisores públicos, o ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa José Manuel Canavarro e o ex-diretor regional de educação de Lisboa José Maria de Almeida e cinco administradores do grupo GPS por corrupção, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança no caso dos colégios privados/grupo GPS, informou a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) na sexta-feira

Na acusação do Ministério Público (MP), a que a Lusa teve acesso, são descritas várias situações de uso indevido de verbas provenientes dos contratos de associação com o Estado — celebrados para colmatar falhas da rede escolar pública e permitir a frequência escolar em colégios privados em zonas com carência pública. Segundo o MP, os arguidos terão alegadamente feito uso indevido de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões pagos pelo Estado no âmbito deste contrato.

A acusação diz que o dinheiro recebido por vários colégios do grupo GPS neste âmbito terá sido usado para benefício dos administradores arguidos no processo e seus familiares, que terão centralizado o fluxo do dinheiro em sociedades criadas pelo grupo empresarial, exteriores aos colégios e com atividades declaradas fora do âmbito da educação, mas as quais eram prestadores de serviços preferenciais destas escolas privadas.

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Parte das faturas das sociedades do grupo GPS eram emitidas sem que as mesmas correspondessem a serviços efetivamente prestados ou a bens efetivamente fornecidos aos colégios, refere a acusação do MP.

A Agência de Viagens D. João V e a GPS-Transportes — Transportes, Viagens e Estadias são duas das sociedades internas do grupo prestadoras de serviços dos colégios às quais são imputadas faturas pagas pelos estabelecimentos de ensino, sendo o caso, por exemplo, do Instituto D. João V (IDJV) com “conteúdo genérico, sem qualquer referência a itinerários ou número de alunos, referentes a viagens e alojamento que beneficiaram os administradores arguidos e seus familiares”.

Entre os serviços pagos por este colégio à agência está uma viagem de cruzeiro entre 29 de julho e 05 de agosto de 2005 e alojamento em Barcelona com pequeno-almoço, num total de 3.777,50 euros; uma passagem de ano em Vigo entre 29 de dezembro de 2006 e 01 de janeiro de 2007 no valor de 5.338,39 euros; uma viagem ao Brasil (São Paulo) ao jogador de futsal Nino no valor de 2.982,68 euros, entre outros.

Entre 2005 e 2012 este colégio pagou faturas no valor global de 1.157.850,45 euros emitidas pela agência de viagens do grupo GPS e mais de 1,360 milhões de euros, entre 2007 e 2013, à GPS Transportes, por faturas relativas a “transportes escolares” emitidas apenas com este descritivo genérico.

Os administradores arguidos compraram ainda diversos carros de luxo, “a expensas do IDJV”, entre 2005 e 2013, “posteriormente revendidos, por preço inferior, a familiares ou pessoas da sua confiança”.

Em 2006 o IDJV adquiriu um BMW X3 por 53.605,41 euros, pagos pelo instituto, tendo depois, em 2010, o carro sido “alienado a favor de Rui Jorge Calvete, familiar do arguido António Calvete, pelo preço de 10.750 euros, valor que nunca foi pago ao IDJV, e que veio a ser registado a título de perda por imparidade”. Também em 2006 o mesmo instituto comprou um Audi A6 por 53.198,70 euros, revendido em 2010 a Ana Maria Tilde Soares, ex-mulher de António Calvete, por 11.500 euros, um valor que “nunca foi pago ao IDJV”.

Ainda o mesmo colégio comprou em 2007 um Porsche Cayenne por 104 mil euros, revendido um ano depois por menos de metade do valor (50 mil euros) a Maria Daniela Moço Rodrigues Calvete, que, segundo a acusação, apenas pagou 22 mil euros ao IDJV, tendo o valor remanescente sido registado como “perda por imparidade” em 2012.

Outros colégios do grupo GPS pagaram ainda outros benefícios a administradores e familiares, segundo a acusação, estando entre a lista mais carros de gama alta, três bilhetes para o Mundial de Futebol de 2006, na Alemanha, com um custo de 2.070 euros, um seguro “em proveito pessoal” de António Calvete com um custo à escola em causa de mais de 54 mil euros, e outras viagens e cruzeiros familiares.

A acusação refere ainda a criação de sociedades ou utilização de sociedades já existentes das quais os arguidos eram donos para apresentação de faturas aos colégios ou empresas do grupo, “destinadas a justificar saídas de dinheiro para as suas esferas patrimoniais pessoais”. O Ministério Público sumaria ainda os valores imputados pelos arguidos administradores às empresas do grupo, tendo recolhido informação de faturas em restauração, entre 2015 e 2012, no valor total de mais de 44 mil euros, mais de 130 mil euros em viagens e estadias no mesmo período, e quase 79 mil euros em artigos diversos, que vão desde telemóveis e vinhos a cortinados e utensílios e mobiliário para casa.

A título de exemplo, a acusação refere que em 2006, as faturas de restauração do arguido António Calvete discriminavam o consumo de vinho com um preço por garrafa entre os 75 e 120 euros, e que o restaurante Manjar do Marquês faturou, “numa refeição para três pessoas, 36 garrafas de vinho pelo preço total de 1.440 euros”.