Atribuir ao binómio sorte-azar o epílogo de um jogo costuma ser demasiado redutor, mas a verdade é que, quando estamos em vésperas de sexta-feira 13, pode ter a sua influência. Foi isso que fomos perceber esta tarde com a ajuda de livros e jornais antigos, mais concretamente de 1963, quando o Sporting virou uma derrota por 2-0 fora na primeira mão frente aos italianos da Atalanta, numa campanha que terminaria com a vitória na Taça dos Vencedores das Taças, a única prova europeia que o futebol verde e branco conseguiu na sua história.

Em Itália, no Municipal de Bergamo, os leões vacilaram no último quarto de hora, quando sofreram dois golos de Calvanese e Domenghini. Pormenor: numa altura em que não havia substituições, Fernando Mendes, aquele que foi um dos mais carismáticos capitães de equipa dos leões (e um dos quatro a sagrar-se campeão como jogador e técnico, como Juca, Mário Lino e Inácio), lesionou-se aos 40 minutos e andou a fazer mais figura de corpo presente do que outra coisa. Em Portugal, em Alvalade, os comandados de Gentil Cardoso ganharam por 3-1 (os golos marcados fora não contavam) com golos de Figueiredo, Mascarenhas e Bé. Pormenor: o guarda-redes Pizzaballa lesionou-se ainda no primeiro tempo e foi Calvanese a vestir outra camisola e ocupar a baliza. No terceiro jogo, o de desempate realizado em terreno neutro (Barcelona), o Sporting voltou a vencer por 3-1 e passou.

https://observador.pt/2018/04/12/sporting-atl-madrid-leoes-a-procura-de-uma-remontada-historica-como-em-1963/

Cinco décadas e meia depois, este era o desafio dos leões: fazer história e virar a seu favor um resultado desfavorável de 2-0 na primeira mão fora. E virar numa semana muito particular (e não, esta crónica não vai ter uma única linha a não ser sobre futebol, porque aquilo que se viu em Alvalade foi demasiado esmagador para dispensar atenções noutras direções) em que a Roma conseguiu uma fabulosa reviravolta na Champions frente ao Barcelona e a própria Juventus, mesmo sendo eliminada de forma cruel nos descontos, chegou aos 3-0 em Madrid depois de ter perdido com o Real pelo mesmo resultado no primeiro encontro de Turim. Sonhar era tudo menos impossível. Mas as análises feitas na antecâmara mostravam que só era possível encarar isso mesmo como um sonho.

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Ficha de jogo

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Sporting-Atl. Madrid, 1-0

2.ª mão dos quartos de final da Liga Europa

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Milorad Mazic (Sérvia)

Sporting: Rui Patrício; Coates, André Pinto, Mathieu (Petrovic, 25′); Ristovski (Doumbia, 79′), Battaglia, Bryan Ruíz (Rúben Ribeiro, 70′), Acuña; Gelson Martins, Bruno Fernandes e Montero

Suplentes não utilizados: Salin, Palhinha, Rafael Barbosa e Elves Baldé

Treinador: Jorge Jesus

Atl. Madrid: Oblak; Juanfran, Savic, Godín, Lucas Hernández (Vrsaljko, 46′); Vitolo (Correa, 60′), Saúl, Gabi, Koke; Griezmann e Diego Costa (Fernando Torres, 52′)

Suplentes não utilizados: Werner, Giménez, Thomas e Gameiro

Treinador: Diego Simeone

Golo: Montero (28′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Montero (66′), Fernando Torres (70′), Bruno Fernandes (76′) e Battaglia (90+1′)

Três problemas à cabeça: 1) o Atl. Madrid era provavelmente o pior adversário da Liga espanhola para tentar reverter uma desvantagem de 2-0, não só pela capacidade ofensiva de marcar tendo dois dos melhores avançados europeus (Griezmann e Diego Costa) mas sobretudo pela rigorosa organização defensiva que não permite grandes veleidades aos ataques contrários; 2) além dos castigados Fábio Coentrão e Bas Dost, William Carvalho e Piccini juntaram-se aos lesionados Bruno César, Podence e Rafael Leão, tirando não só a Jorge Jesus quatro titulares mas também a possibilidade de apresentar grandes surpresas (pelo menos à partida); 3) fisicamente, e esse não é um problema de agora mas das últimas semanas, o Sporting tem perdido gás no decorrer da época.

Por tudo isto e provavelmente outros pontos que só os treinadores conhecem, o Sporting mudou. Além desse “pormenor” de ter não ter sofrido um golo aos 22 segundos por um erro próprio como em Madrid, o que por si só era fundamental, mudou em termos táticos (entrou com três centrais, André Pinto, Coates e Mathieu, que passavam a três defesas com posse para soltar Acuña e Ristovski nas ações ofensivas apoiando Gelson Martins e Bryan Ruíz ou Bruno Fernandes), na atitude que permitia recuperar bolas a fio, na velocidade nas transições, na profundidade que conseguia roubar à estrutura defensiva contrária. Com isso, vulgarizou o Atl. Madrid nos primeiros 45 minutos. E se em vez de 1-0 estivesse a ganhar por 2-0, não era mais do que um justo prémio para a produção dos leões.

Logo aos quatro minutos, o Sporting esteve perto de inaugurar o marcador. E numa jogada que funcionaria como exemplo paradigmático das dificuldades que a mobilidade no último terço conseguia trazer aos espanhóis: Battaglia foi dar o apoio à direita, puxou para o pé esquerdo, cruzou e Acuña, que tinha ido do flanco contrário para o meio, cabeceou na área pouco ao lado. Pouco depois, Oblak deu a razão a Jesus quando o seu ex-técnico disse que ele, a par de Rui Patrício, estava no top-5 dos melhores guarda-redes: canto marcado na esquerda, cabeceamento de Coates no coração da área e grande intervenção do ex-benfiquista com a mão direita (11′).

Os leões estavam melhor, bem melhor. Diego Costa, avançado que regressou a Madrid após passagem pelo Chelsea, tocou apenas quatro vezes na bola durante 45 minutos, o que diz bem do trabalho nulo que Patrício teve. Mais: o espanhol nascido no Brasil e o francês Griezmann não fizeram sequer um remate à baliza até ao intervalo. Nem aquele “azar” da lesão de Mathieu, a meio da primeira parte, quando entrou Petrovic para uma defesa ainda mais “estranha” e remendada mas que continuava 100% eficaz. Tanto como Montero, aos 28′, que aproveitou um centro traiçoeiro de Bruno Fernandes da direita para ficar sozinho ao segundo poste e cabecear cruzado para o golo. Voltando a 1963, o Sporting já tinha registado a dose de azar na lesão do francês e ia em busca de mais sorte.

Alvalade tornou-se um autêntico vulcão em ebulição ao som da música “Nós acreditamos em vocês”. A certa altura, parecia mesmo que se tinha entrado num daqueles jogos mais emocionantes de futsal onde se comemora cada finta, cada corte e cada iniciativa como se fosse um golo. Mas foi preciso esperar pelos derradeiros minutos do primeiro tempo para ver o Sporting de novo próximo do golo: Bryan Ruíz, que fez um jogo conseguido enquanto teve forças como ‘8’ (quando a gasolina começou a acabar, os passes foram deixando de sair), teve um remate forte de fora da área para defesa de Oblak para canto; Gelson Martins, sozinho ao segundo poste após cruzamento de Acuña que sobrevoou toda a área colchonera, cabeceou ao lado quando estava em excelente posição.

Em 56 jogos europeus em Alvalade, o Sporting nunca tinha perdido após sair a ganhar ao intervalo e somava apenas dois empates (Real Madrid em 2000, 2-2; Juventus esta temporada, 1-1). Mas o Atl. Madrid deve ter levado uma boa esfrega de Diego Simeone ao intervalo. O suficiente para mexer um pouco na equipa, não para voltar ao seu nível mas pelo menos, tendo as linhas mais subidas, evitar o acerco verde e branco à sua área. Assim, e apesar de boas iniciativas, foi Coates a dar sinal quando, pasme-se, tentou um remate de bicicleta ainda fora da área (57′)!

Griezmann, aos 58′, fez o primeiro remate dos espanhóis para defesa de Rui Patrício. E não foi propriamente numa jogada com cabeça, tronco e membros, mas sim aproveitando um ressalto de bola que deixou o francês em boa posição descaído sobre a esquerda. No entanto, essa foi mesmo uma exceção: parecia que os leões estavam a acusar o desgaste, parecia que tinham gasto as fichas todas, mas havia sempre mais um bocadinho para dar em cada zona de pressão, em cada bola dividida, em cada corrida com maior ou menor intensidade.

Montero, que saiu da zona de marcação de Godín e Savic, tentou o remate em jeito mas a bola acabou por sair fácil para defesa de Oblak (64′). Bruno Fernandes, cinco minutos depois, voltou a arriscar um daqueles golos de bandeira com um tiro de longe após progressão com bola, mas o esloveno defendeu para o lado numa boa estirada. Era um Sporting no risco, em termos defensivos porque o Atl. Madrid tinha a profundidade para explorar e matar o jogo e no plano atacante a tentar todas as soluções possíveis e imaginárias para visar o golo que empatava a eliminatória. A 11 minutos do final, Jesus tirou Ristovski, lançou Doumbia e preparou uma espécie de assalto final, que só o foi mesmo porque Patrício tirou o golo a Griezmann quando o francês estava isolado (81′) e, pouco depois, o número 7 conseguiu desviar do guarda-redes mas fez passar a bola a rasar o poste da baliza leonina (83′). Aqui, e só aqui, todos se recordaram de um ausente que vinha mesmo a calhar para os últimos minutos: Bas Dost.

Battaglia realizou uma exibição monstruosa; Gelson Martins e Bruno Fernandes foram o toque de classe que faz a diferença; Ristovski e Acuña estiveram inexcedíveis a fazer piscinas de um lado para o outro; André Pinto e Petrovic, que têm passado de forma muito discreta esta época em Alvalade, praticamente não tiveram falhas. Podíamos continuar a lista. De nomes e de elogios. Todavia, e apesar de merecer pelo menos o prolongamento, o Sporting foi mesmo eliminado nos quartos da Liga Europa. E “vitória moral” à parte, que devia ser bem mais do que moral pelo que se viu esta noite frente ao Atl. Madrid (e acabou por ser, porque a resposta da equipa a este momento mais conturbado no futebol leonino foi enorme), fica a questão: com esta exibição gigante a ser mais regular, estariam os leões apenas a lutar pela meia-final da Taça de Portugal como estão agora?