Os ratos de laboratório são o modelo animal mais comum para estudar os microorganismos do intestino. Por vezes, a alternativa são os porcos. Mas o que a equipa de Luís Pedro Coelho, investigador no Laboratório Europeu de Biologia Molecular, descobriu é que existe um modelo ainda melhor: o cão. Os resultados foram publicados na semana passada na revista científica Microbiome.
A principal conclusão é que homem e cão partilham mais de metade (63%) dos genes dos microorganismos presentes no intestino — contra 20% partilhados com os ratos e 33% partilhados com os porcos. Luís Pedro Coelho, especialista em biologia computacional, ressalva, no entanto, que “se trata de um microbioma com bactérias parecidas, mas não exatamente as mesmas”.
Esta conclusão pode ser importante porque levanta a hipótese de a comunidade científica começar a usar o cão como um modelo de investigação para depois extrapolar para humanos, refere Conceição Calhau, investigadora na área da Nutrição, que não participou neste estudo. Até porque cães e humanos vivem juntos há muito tempo, o que pode ter levado à passagem dos microorganismos intestinais de uma espécie para a outra.
“O artigo ganha dimensão também na área da nutrição veterinária”, graças ao aumento do número de animais obesos, continua a investigadora do Cintesis. “Não tardará teremos pré e probióticos nas rações animais.” Os prebióticos estimulam o crescimento das bactérias probióticas (ou bactérias boas), que ajudam o organismo a combater as bactérias nocivas.
“Os cães devem ser estudados para o seu próprio benefício. O potencial para se descobrir princípios que podem depois ser transpostos para humanos é mais um bónus”, diz Luís Pedro Coelho.
A investigação foi financiada pela Nestlé Research que pretendia perceber qual o impacto das dietas nos animais. “Foram eles que realizaram as experiências com os animais e também ajudaram com conhecimento da nutrição canina”, explica ao Observador Luís Pedro Coelho. Os 64 cães, das raças Labrador Retriever e Beagle, viviam num centro Purina com dietas controladas.
Ainda assim, nas quatro semanas que antecederam a experiência, todos os animais, fossem magros ou obesos, foram sujeitos à mesma dieta para que a flora intestinal de cada animal estivesse estabilizada. Nas quatro semanas seguintes, os animais foram alimentados com uma dieta rica em proteína e pobre em hidratos de carbono ou com uma dieta rica em hidratos de carbono e pobre em proteína (uma que é comercializada pela Nestlé).
Antes e depois das dietas específicas foram recolhidas amostras de fezes dos animias. Os investigadores analisaram o ADN destas amostras criando um catálogo dos genes do microbioma do intestino dos cães, num total de 1.247.405 genes. O catálogo resultante foi comparado com o catálogo existente para ratos, porcos e humanos.
A comparação entre o antes e o depois da dieta, em cães magros e obesos, permitiu verificar que os cães com excesso de peso eram os que apresentavam maior variação na comunidade de microorganismos, em especial quando a dieta era rica em proteínas. Estes resultados confirmam resultados anteriores que mostram que a flora intestinal de animais obesos é mais fácil de desestabilizar. Os resultados mostraram ser independentes da raça e do sexo do cão.
“Tal como nos humanos, estes animais de companhia, domesticados, sofrem atualmente de problemas metabólicos como obesidade e diabetes associados ao desiquilíbrio do microbiota”, diz Conceição Calhau.
É certo que foram usados apenas dois tipos de dietas e que haveria outras hipóteses, mas Luís Pedro Coelho explica que “o foco era na dieta de elevada proteína porque mostrava promessa para a perda de peso nos cães”. Para o investigador, haveria outras diferenças a considerar, como a origem ou o local onde os animais vivem. “Seria bom, no futuro, comparar com cães que vivam em casa de pessoas ou selvagens (ou mesmo lobos), mas neste momento não temos amostras deste tipo.”