Com um vestido vermelho, deu nas vistas na “blue carpet” do último domingo. Laura Rizzotto é a concorrente da Letónia na 63ª edição da Eurovisão e sobe ao palco da Altice Arena na semifinal desta quinta-feira com um tema cantado em inglês e que ela própria compôs, Funny Girl. O país onde nasceu e o que agora representa têm geografias praticamente opostas. Como é que aqui chegou? Foi tudo por causa de uma árvore genealógica, no mínimo, confusa.
Na verdade, a avó paterna é a raiz letã da família. Agora, aos 84 anos, 72 dos quais vividos no Brasil, regressou à terra natal. O pai, brasileiro, ficou com a dupla nacionalidade, um direito que Laura acabou também por reclamar. “Ainda estou a aprender o idioma. Mas houve outras pessoas com dupla cidadania a concorrer, uma menina sueca, por exemplo. Vou continuar, quero me tornar fluente. Para as pessoas, fui uma novidade legal. Os letões têm tendência para serem mais reservados e eu, comparada com os brasileiros, também sou bem mais reservada. Mas acho que também trouxe aquele jeito brasileiro mais soltinho, meio divertido, falando besteira de vez em quando”, conta a cantora de 23 anos ao Observador.
Então e o “Rizzotto”? Bem, para explicar o sobrenome da família é preciso ir ao avô paterno, nascido no Brasil, filho de um italiano e de uma austríaca (bem nos parecia que Itália estava aqui algures). Também do lado materno, Laura tem raízes europeias. Os quatro bisavós eram portugueses, uns dos arredores do Porto, os outros do Algarve.
Concorrer na Eurovisão não era um sonho, Laura só tentou a sua sorte enquanto planeava as férias do próximo verão. “A gente estava planeando uma viagem à Letónia, para ir ao Song and Dance Festival [festival de canto coral que reúne cerca de 20.000 cantores], que acontece a cada cinco anos. Aí, ouvi uma história sobre o ‘Supernova’, a competição nacional da Letónia para a Eurovisão. Estou nessa carreira, sou cantora e compositora. A Eurovisão ia ser incrível, em Portugal então, o máximo. Porque não? Estava trabalhando na música com o produtor e disse: ‘Acelera aí, vamos mandar uma demo’. E mandámos. Acabou sendo sim depois de sim, depois de sim. Quando fui ver, estava no ‘Supernova’ e ganhei. Foi muito louco”, relembra.
Sem nunca ter sido uma groopie da Eurovisão, Laura viu os letões darem-lhe acesso à final do concurso, em Lisboa. Do outro lado do Atlântico, longe da cultura eurovisiva, ouviu falar do festival pela primeira vez em 2010. “A minha primeira memória foi a Lena, da Alemanha, com Satellite. Foi aí que comecei a entender o que era a Eurovisão. Tem pessoas do meio que conhecem, mas não é tão grande assim no Brasil e nos Estados Unidos. Tem comunidades que curtem, até já conheci. O pessoal do Brasil então, eles me mandam mensagem no Instagram”, afirma. “Tive muita sorte também por crescer com muitas culturas diferentes. Moro em Nova Iorque agora, então tem gente do mundo inteiro. Berklee, a faculdade que frequentei, tinha pessoas de 60 países diferentes. Agora, é isso levado ao extremo. São 43 países, cada um trazendo uma produção super louca, música pop com influências diferentes, é muito especial”, acrescenta.
Teve sempre o apoio da família. No caso do pai, e como o próprio diz, “o caso é grave”, de tal maneira que até já registou o domínio www.paicoruja.com. Ter visto Sandy & Junior ao vivo desencadeou o tal clique. Depois disso, teve aulas de piano e foi para o ballet para ganhar consciências corporal. Aos 15 anos, ainda a viver no Rio de Janeiro, compôs a primeira música. “Tinha ido estudar para um colégio católico, super rigoroso, onde todo o mundo estava para se formar médico, advogado, e eu sem ter nada a ver com isso. Tinha um professor de Química que ficava implicando comigo. Aí, na véspera da prova, sem saber nada, escrevi uma música chamada “Fish Out Of Water”, porque eu era peixe fora de água mesmo, fazendo as coisas do meu jeito e um dia ele ia ver que ia dar tudo certo. Virou um dos meus singles, entrou para a ‘Malhação’ e logo depois disso, assinei pela Universal Music. A partir daí, ele me começou a chamar de Elis Regina da sala”.
Aos 17 anos, lançou o primeiro álbum de originais, Made in Rio. Mudou-se para Boston, onde estudou no Berklee College of Music. Dois anos depois, a viver nos Estados Unidos, chegou Reason to Stay, o segundo álbum. No ano passado, terminou o mestrado em Educação Musical, na Universidade de Columbia. “Funny Girl”, o tema que traz à Eurovisão, fará parte do segundo EP da série “Precious Stones”. Depois do pop puro e duro de Ruby, Amber terá influências jazz e blues.
“Não escrevi a música pensando na Eurovisão. Estava quase pronta e me apresenta muito como artista. Gosto da história que ela conta — quando você tem medo de contar para alguém que você gosta dessa pessoa e, às vezes, acaba demorando demais e entra para a friend zone, não é? Gosto do ponto de vista que escolhi para a letra. E escrevi sozinha, o que também era importante para mim. Foi uma história genuína, uma história que passei e que queria poder compartilhar”, explica ao referir-se ao tema que a trouxe à semifinal. No palco, vai voltar a usar vermelho — um vestido de renda assinado pelo atelier de alta-costura Baronessa. Da Letónia, claro.
Cruzar as vertentes de compositora e performer é o grande objetivo daqui para a frente. Questionada sobre duetos de sonho, solta imediatamente os nomes de Bruno Mars, Justin Timberlake e John Mayer. As reservas em nomear favoritos na competição é compreensível, mas ainda assim fala numa empatia musical com os temas português, lituano, irlandês e checo. “Vou estar tocando em alguns festivais na Letónia, no verão, e gravando música nova. Tenho andado a pensar no estúdio de novo. Sou apaixonada pelo processo criativo e, nessa correria, a gente não tem tempo para compor, para essa parte mais introspectiva”, conclui. E por falar em paixão, parece que as línguas são outra. Depois de cantar em inglês, em português e de já estar a aprender letão, tenciona aventurar-se no espanhol e no italiano.