Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos da América em Portugal no período do pós-25 de Abril, morreu este domingo, na sua casa em McLean, no estado da Virginia. Tinha 87 anos. A morte do também ex-vice-diretor da CIA e antigo conselheiro de segurança nacional, aconteceu na sequência de complicações provocadas pela doença de Parkinson e foi confirmada ao The Washington Post por uma amiga, Susan Davis.
Marcelo lembra “cumplicidade” com Soares, George Glass recorda “riscos pessoais”
Na reação à morte de Frank Carlucci, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que pôde “testemunhar a qualidade diplomática” e a coragem do ex-embaixador americano: “Chegado a Portugal no início de 1975, em plena revolução, teve de ir viver para Madrid durante algumas semanas por razões de segurança”. As declarações foram feitas numa conferência de discussão e promoção das relações económicas entre Portugal e EUA, que decorreu esta segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Durante o longo tempo em que esteve em Portugal, [Frank Carlucci] não só criou com o futuro presidente Mário Soares uma cumplicidade estratégica essencial, como demonstrou dotes particularmente relevantes na aproximação entre Estados Unidos da América e Portugal”, acrescentou Marcelo.
Já o atual embaixador norte-americano em Lisboa, George Glass, também presente na conferência, expressou as suas condolências e dirigiu-se a Marcelo Rebelo de Sousa: “Sei, senhor Presidente, que [Frank Carlucci] era seu amigo.” Dizendo que este era uma pessoa que “admirava muito” e sobre a qual “leu” bastante, George Glass lembrou que Carlucci fez em Portugal um trabalho “com grande profissionalismo e correndo riscos pessoais. Lamento muito a sua morte”, concluiu.
O trabalho com Kissinger e uma condecoração de Santana Lopes
Antigo oficial da Marinha e diplomata, Frank Charles Carlucci III (nascido a 18 de outubro de 1930) desempenhou um papel central ao longo de quatro administrações norte-americanas. Um dos republicanos mais influentes do Pentágono, Carlucci foi subindo dentro do governo de Richard Nixon através da sua associação com Donald Rumsfeld (que seria mais tarde secretário da Defesa de Gerald Ford e, muitos anos depois, de George W. Bush). Os dois tinham sido colegas de quarto na faculdade. Foi também durante a administração Nixon que Carlucci conheceu Caspar Weinberger (que viria também a ocupar o cargo de secretário da Defesa) e Ronald Reagan, então governador da Califórnia.
Carlucci, embaixador em Lisboa entre 1975 e 1978, esteve em Portugal durante os tempos decisivos do “Verão Quente”, dando apoio americano a Mário Soares. Foi escolhido pelo próprio Henry Kissinger para substituir o então embaixador (que tinha sido despedido) com a missão de impedir Portugal de se tornar no primeiro país comunista da Europa ocidental. Para que tal não acontecesse, Kissinger estava disposto a tomar medidas drásticas, como isolar Portugal dentro da NATO. Frank Carlucci, contudo, acreditava que a abordagem do secretário de Estado ia ter o efeito contrário e “empurrar Portugal para os braços dos comunistas”. Preferindo lidar com a situação à sua maneira — o que acabou por acontecer –, Carlucci viu a sua posição dentro do executivo norte-americano ser consolidada com a derrota dos comunistas.
Depois da temporada em Portugal, Carlucci ocupou o cargo de secretário de Estado da Defesa, entre 1987 e 1989, durante a administração de Ronald Reagan. Nos anos 80, o antigo embaixador foi um dos principais responsáveis pelo aumento no investimento no armamento que, em última instância, acabou por atrair Mikhail Gorbachev à mesa de negociação com Reagan.
Em 2004, Frank Carlucci foi condecorado com a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique pelo então primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, uma distinção que foi contestada na altura pelo PCP. Um ano depois, Carlucci foi novamente condecorado, dessa vez com uma medalha da Defesa Nacional. A cerimónia aconteceu apenas alguns dias antes de o Governo de Santana Lopes ser substituído pelo Executivo de José Sócrates.
Carlucci era presidente da Carlyle, um grande fundo de investimento norte-americano onde estão outros antigos políticos do Partido Republicano, como James Baker (que tinha sido colega de faculdade do ex-embaixador), e por onde passou também George W. Bush. A Carlyle tentou comprar a Petrogal em 2004, tendo-se na altura associado em consórcio ao Grupo Espírito Santo e a Americo Amorim.
O fundo Carlyle, através da Carlyle Europe Partners, tem atualmente no seu portefólio de negócios um investimento na empresa de embalagens Logoplaste. Frank Carlucci esteve também envolvido pessoalmente em negócios em Portugal, entre os quais a imobiliária Euroamer, que chegou a ser liderada por Artur Albarran e foi investigada pelo Ministério Público na década passada.