Em 25 anos, a Antártida perdeu quase três biliões de toneladas de gelo — o que implica uma subida média do nível do mar de 7,6 milímetros —, aponta um estudo publicado esta quarta-feira na revista Nature. Que futuro queremos para a Antártida e, consequentemente, para o planeta é a pergunta que se coloca? Uma equipa internacional, com um investigador português, apresenta dois cenários possíveis para o ajudar a decidir. Estes cenários foram também publicados na Nature.

Imagine que adormecia e acordava daqui a 50 anos. Ao olhar à sua volta, que planeta esperaria encontrar? Um em que a subida da temperatura global não chega a 1º Celsius ou um em que a temperatura média global é cerca de 3º C superior à que temos hoje em dia? Um em que a subida do nível do mar rondará os seis centímetros ou um em que o nível do mar subiu 27 centímetros? Estes são dois cenários em extremos opostos, mas não são os únicos. Podemos pensar que, no limite, se todo o gelo da Antártida derreter, o nível do mar poderá subir 58 metros.

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Mas não é preciso chegar tão longe. José Xavier, investigador na Universidade de Coimbra, explica que a equipa procurou “cenários extremos, mas plausíveis” e que estes foram baseados nos modelos de emissões de gases com efeito de estufa criados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas. Estes cenários estão muito dependentes das escolhas que fizermos na próxima década, das decisões políticas, científicas e sociais que forem tomadas tanto a nível local, como nacional, como mundial.

“O pior cenário assume que as emissões vão continuar a aumentar, devido a uma população mais numerosa, baixo crescimento económico, com modestas taxas de mudanças tecnológicas ou melhoramento do uso da energia, levando a uma elevada necessidade de energia na ausência de políticas aplicadas às alterações climáticas”, diz José Xavier, também investigador no British Antartic Survey. Mas mesmo no melhor cenário, num em que haja uma forte redução das emissões, vamos continuar a ter um impacto na Antártida (e no resto do planeta).

Os cenários estão apresentados, mas são apenas dois. “Outros observadores, interpretariam estas mudanças com uma visão diferente”, escrevem os autores do artigo. “O objetivo é dar início a uma discussão e à consideração de opções para o futuro da Antártida.” Da mesma forma, não é possível prever qual o cenário mais provável, porque o compromisso de cada país pode mudar a qualquer momento. José Xavier dá o exemplo dos Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases com efeito de estufa. Em Paris, Barack Obama, então Presidente dos Estados Unidos, assinou o Acordo de Paris, que resultou da Cimeira do Clima, mas Donald Trump não o retificou.

A equipa não consegue prever o que vai acontecer nos vários pontos do planeta consoante estes cenários, mas dá o exemplo do que pode acontecer nos Estados Unidos. No pior dos cenários, e se o nível do mar subisse 50 centímetros até 2070, os Estados Unidos podiam ter perdas económicas na ordem de um bilião de dólares devido às inundações nas cidades costeiras, explica José Xavier.

O futuro podemos não conhecer, mas o passado é cada vez melhor conhecido. Um trabalho que juntou 84 cientistas, de 44 instituições, combinou 24 registos de satélite para mostrar que a Antártida perdeu mais gelo nos últimos cinco anos do estudo (de 2012 a 2017) do que nos 20 anos anteriores — 219 mil milhões de toneladas por ano, nesses cinco anos, contra 76 mil milhões de toneladas por ano, nos anos anteriores. Isso significa que, entre 2012 e 2017, o nível do mar subiu 0,6 milímetros por ano — contra 0,2 milímetros por ano nos 20 anos anteriores.

“Há muito tempo que se suspeitava que as mudanças no clima da Terra ia afetar o gelo polar”, disse Andrew Shepherd, investigador na Universidade de Leeds (Reino Unido), em comunicado de imprensa. “Graças aos satélites, que as nossas agências espaciais lançaram, podemos seguir a contribuição das perdas de gelo e do nível do mar com confiança.” De lembrar, porém, que Donald Trump não está disposto a financiar a investigação sobre alterações climáticas feitas pela NASA. “[A perda de gelo e subida do nível do mar] tem de ser uma preocupação dos nossos governos para proteger as cidades e comunidades costeiras”, acrescentou Andrew Shepherd.

A zona oeste da Antártica e a península antártica são as regiões que mais gelo têm perdido nos últimos anos. A zona oeste passou de uma perda de 53 mil milhões de toneladas por ano nos anos 1990 para 159 mil milhões de toneladas por ano em 2012. Na península antártica, as perdas superaram as 25 mil milhões de toneladas por ano desde o ano 2000. Do lado este tem havido formação de gelo, mas não chega para compensar as perdas. Em média, nesta zona, têm-se formado cinco mil milhões de toneladas de gelo por ano.

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Um terceiro trabalho de investigação publicado na Nature, esta quarta-feira, analisou o gelo da Antártida chegando a amostras com 800 mil anos. “A mais importante mensagem das amostras de gelo talvez seja quão intenso tem sido o impacto do homem na composição da atmosfera no contexto da variabilidade natural de longo termo”, escrevem os autores. “Os níveis de gases com efeito de estufa primários, como CO2, CH4 e N2O [dióxido de carbono, metano e óxido nitroso], todos eles influenciados pelas emissões humanas, estão mais altos que em qualquer momento dos últimos 800 mil anos.”

Que história vamos poder contar daqui a 50 anos? “Uma coisa podemos ter a certeza: a narrativa que eventualmente acontecer vai depender substancialmente das escolhas feitas ao longo da próxima década.”