O programa indicava que a sessão de abertura das jornadas parlamentares do PSD começava ao meio-dia, mas só às 12h34 é que foi dado o tiro de partida. São as primeiras jornadas desde que Rui Rio foi eleito líder do PSD e desde que Fernando Negrão foi eleito líder parlamentar, com apenas 39% dos votos, mas a afluência deixou a desejar. Pelo meio-dia a sala do hotel Lusitânia, na Guarda, ainda estava a meio gás, com apenas cerca de 40 deputados presentes, de um total de 89, e assim ficou até ao fim das intervenções de Álvaro Amaro, Carlos Peixoto e de Fernando Negrão. Hugo Soares, o ex-líder parlamentar afastado por Rui Rio e o rosto da oposição interna, foi uma das ausências notadas.
No arranque de dois dias dedicados à “Afirmação e Valorização do Interior”, o líder parlamentar do PSD optou por ler um discurso de 14 páginas, onde passou em revista vários dossiês em que “o Governo falhou, e continua a falhar”, desde o défice de políticas para o interior ao “desinvestimento” na saúde, culminando no caso da guerra com os professores. E foi aqui que Fernando Negrão admitiu uma nuance face ao discurso pró-professores que o PSD tem adotado: depois de, esta semana, Fernando Negrão ter afirmado que o governo prometeu pagar todo o tempo de serviço não contabilizado dos professores e, como tal, tinha de cumprir, agora já admitiu a existência de “circunstâncias extraordinárias”.
“O governo prometeu e agora vem dizer que não pode cumprir. O prometido é devido (…) e só circunstâncias extraordinárias podem justificar que assim não seja”, disse aos deputados, admitindo dessa forma que o tempo de serviço das carreiras docentes possa não ser contabilizado na íntegra se o governo admitir a existências dessas circunstâncias. “Se o governo considera que existem de facto essas circunstâncias extraordinárias, devia, no mínimo, começar por reconhecer a sua continuada política de austeridade e pedir desculpa aos professores e com eles recomeçar, de boa fé, as negociações centradas no essencial, que é a revisão dos respetivos estatutos”, acrescentou, iniciando uma narrativa na qual o PSD se poderá escudar para não ter de estar ao lado do Bloco de Esquerda e do PCP na guerra do governo com os professores.
“As promessas são para cumprir”, diz Negrão sobre guerra entre Governo e professores
Com cerca de metade da bancada ausente, Fernando Negrão lembrou ainda que Rui Rio — e o Conselho Estratégico do PSD –apresentou um conjunto de medidas de promoção da natalidade, onde propunha a gratuitidade das creches e uma espécie de abono de 10 mil euros por filho até aos 18 anos, pacote esse que o PSD vai continuar a promover. Fernando Negrão anunciou, nesse contexto, que o PSD marcou para o próximo dia 27 de junho um debate na Assembleia da República sobre o tema, para mostrar que “o PSD está a liderar a discussão”, o que não quer dizer que os sociais-democratas concretizem iniciativas legislativas sobre aquela matéria.
Ainda assim, o líder parlamentar do PSD deixa o desafio ao PS: “Esperamos que os restantes partidos, a começar pelo PS, tenham a mesma abertura de espírito para o diálogo e o mesmo sentido de responsabilidade do PSD, e possam assim pôr o desenvolvimento e a sustentabilidade do país à frente das suas próprias agendas e interesses”.
Incêndios. O “país está melhor preparado” ou o “Governo continua a falhar”?
Dedicadas ao tema da “valorização do interior”, e numa altura em que se assinala precisamente um ano desde a tragédia de Pedrógão Grande, que vitimou 66 pessoas, as jornadas parlamentares do PSD arrancaram desde logo com uma contradição sobre a atuação do Governo no capítulo dos fogos.
O convidado da sessão de abertura era Álvaro Amaro, aqui na qualidade de presidente da câmara da Guarda. Mas é também um dos nomes mais próximos de Rui Rio, que tem assento no núcleo duro do presidente do partido por ter sido designado coordenador do PSD para a área da descentralização. Álvaro Amaro falou antes de Fernando Negrão e, embora imputando responsabilidades ao Governo em funções pelas falhas de segurança ocorridas aquando das tragédias que marcaram o ano passado, deixou claro que “o país está melhor preparado” para o verão.
“Oxalá que este ano não arda nada, mas todos sabemos que vai arder. Mas também sabemos vai arder menos, porque o país está melhor preparado. O Presidente da República tem razão“, disse o autarca da Guarda perante a plateia de deputados sociais-democratas.
Acontece que não foi isso que, minutos depois, Fernando Negrão tinha escrito para ler. “O governo falhou aos portugueses no ano passado, e o governo continua hoje a falhar aos portugueses”, disse, apontando o dedo ao “desinvestimento” do Governo, ao “défice de políticas para o interior”, bem como a falhas concretas de reabilitação e apoio às famílias e empresas dos concelhos mais afetados pelos fogos. “Ainda na semana passada ficamos a saber que os GIPS continuam com falta de material de proteção individual e sem uma única viatura média e pesada para intervirem no combate ampliado. O primeiro-ministro prometeu que por esta altura já estaria tudo pronto, e falhou”, disse Fernando Negrão, lembrando também a nova lei orgânica da Autoridade Nacional da Proteção Civil, “que já deveria estar pronta no final de março, e que continua por fazer”.
Numa lógica de exemplificar todos os pontos em que o “governo falhou” no capítulo dos incêndios, Fernando Negrão acusou ainda o Governo de ter apenas reconstruído “pouco mais de um décimo” do total de casas destruídas na região centro, e de se ter atrasado no apoio às empresas e atividades económicas afetadas.
Resumindo: “O governo mostrou total incapacidade na forma como lidou com os grandes incêndios do ano passado e continua a mostrar a sua incapacidade agora, na forma lenta como gere a resposta às necessidades das famílias e das empresas”, disse Negrão. “O governo parece não ter aprendido a lição do ano passado e não tem atuado com a diligência e a competência exigidas“, reforçou Negrão. Bem diferente do que tinha dito Álvaro Amaro minutos antes, onde tinha sublinhado inclusive que o PSD não tem feito — “e bem” — “política com o fogo”.