Rui Rio entrou na sala onde decorriam as jornadas parlamentares do PSD para fazer o discurso de encerramento e quase não se deu por ele. Não houve aplausos, tal como não houve quando Fernando Negrão anunciou o seu nome para discursar. Numa bancada parlamentar escolhida pela anterior direção do partido e maioritariamente pouco chegada ao atual líder, as primeiras palmas só viriam em fase avançada do discurso, a 10 minutos de terminar, quando Rui Rio teceu a sua crítica mais dura ao governo de António Costa: “O discurso do milagre económico é uma aldrabice política”, disse, apontando a “boleia” do pós-troika e a “conjuntura” económica mais favorável como os únicos fatores que têm motivado a recuperação da economia portuguesa. E não as políticas do atual governo. “E se isto começou por ser claro apenas para 1% da população, agora já começa a ser para 70 ou 80%”, disse.
Prova disso é o caso dos professores, onde o governo prometeu fazer a contagem integral do tempo de serviço que esteve congelado (mais de 9 anos) e agora diz que “não há dinheiro”; mas também o caso dos impostos sobre os combustíveis, onde, segundo Rio, o governo se comprometeu com o princípio da neutralidade fiscal e “faltou à verdade”. “Não cumprem o que prometeram porque não há milagre económico nenhum”, disse, dando especial enfoque ao caso da polémica com os professores onde o governo, “se já sabia de antemão que não podia cumprir, não se podia ter comprometido”.
Para Rui Rio, estes são apenas dois exemplos de matérias onde o dinheiro vai travar o “populismo” e a “irresponsabilidade” do governo do PS, apoiado pelas “esquerdas mais à esquerda”. “Mas haverá mais”. E quando houver mais, Rio garante que o Governo não vai poder contar com o PSD para caminhar para esse trilho da irresponsabilidade — para isso serve o PCP e o Bloco de Esquerda.
“A posição do PSD hoje em 2018, como ao longo de toda a sua história, é empurrar o governo para a irresponsabilidade? Não, isso é a função do PCP e BE. Nós não temos essa função. Nós temos a função de obrigar o governo a falar a verdade e a não mentir às pessoas, a não dizer que a economia está de uma dada maneira quando não está”, afirmou.
Sabendo que o principal ponto de discórdia entre uma certa ala do PSD e a atual direção do partido é precisamente a aproximação ao PS em determinadas matérias, Rui Rio começou por explicar aos deputados as vantagens e a necessidade de fazer “amplos consensos” em questões como a descentralização, a valorização do interior, a natalidade, a reforma da zona euro ou a reforma da justiça, porque “sabemos que há reformas que não conseguimos fazer sozinhos” e porque “não vale a pena fazer de uma maneira para depois chegar outro governo e fazer diferente”. Mas apressou-se depois a enumerar quatro pontos que considera terem sido vitórias recentes do PSD enquanto partido da oposição. Foi só aí que foi aplaudido.
Além da desmontagem da teoria do “milagre económico”, Rio considerou ainda como vitórias do PSD a chamada do ex-ministro socialista da economia Manuel Pinho ao Parlamento para explicar a acumulação de salário do BES com o de ministro, que motivou depois a criação de uma comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas na energia, assim como o recuo da Santa Casa da Misericórida em entrar no capital do Montepio — tema que Negrão não tem largado no Parlamento. Ou ainda a insistência do PSD para que o Governo revele os 50 maiores responsáveis pelas imparidades da Caixa Geral de Depósitos, que “o próprio BE e PCP não deixam conhecer”.
Tudo para dizer que o PSD de Rio não se limita a apontar “falhas pequeninas” ao Governo, que “são pequeninas mas depois fazem delas uma coisa muito grande para o governo parecer pior do que já é”, embora não tenha especificado a que é que se estava a referir. O PSD, diz Rio, aposta antes em apontar “falhas na governação do dia a dia”, que são “falhas mesmo”.
Se por um lado parece que Rio está a intensificar o ataque ao governo de António Costa, por outro, Rio não larga a ideia de que só com “consensos alargados” é que se fazem as grandes reformas. Rio, que já se sentou à mesa com o governo para assinar princípios de reformas para a descentralização e o novo quadro de fundos comunitários, explica que é importante o PSD, pela mão do Conselho Estratégico Nacional, começar a preparar já documentos “aprofundados” com o desenho de reformas para as várias áreas, que ficam depois “abertos a discussão e a sugestões”.
Foi o caso da Natalidade, já conhecido, e onde o próprio Rio diz ter novas sugestões a fazer, mas haverá mais: a valorização do interior é o próximo tema a ser objeto de um documento alargado, com Rui Rio a admitir, tal como Assunção Cristas já disse que ia fazer, que vai pegar nas propostas do Movimento pelo Interior (liderado pelo autarca da Guarda, o social-democrata Álvaro Amaro) e fazer delas uma base de trabalho. Outros temas que já estão a ser trabalhados nesse sentido são a reforma da zona euro, que está “praticamente pronto”, e a reforma da justiça, “que só falta ouvir uma entidade”. A ideia é que as propostas sejam, primeiro, vertidas no programa eleitoral do PSD e, depois, postas em prática, “quer ganhemos eleições, quer não ganhemos”. Ou seja, se o PSD for governo, procurará implementar as suas reformas, se não for, estará disponível para dialogar nesse sentido com o partido que estiver no governo, leia-se, o PS.
Foi a segunda vez que o presidente do PSD falou aos deputados sociais-democratas desde que foi eleito. A primeira tinha sido em março, no Parlamento, quando os ânimos ainda estavam exaltados na sequência da eleição frouxa de Fernando Negrão como líder parlamentar. Mas se nesse dia a receção foi difícil, hoje, quatro meses depois, a receção dos deputados ao líder não foi mais calorosa.
Antevendo o sentimento geral, Rui Rio ainda terminou a sua intervenção pondo os pontos nos is: “Vamos ser construtivos e colaborantes em tudo aquilo em que só estando juntos é que Portugal consegue. Vamos ser acutilantes nas críticas e nas falhas ao governo, e vamos ser sérios, corajosos e competentes nas nossas propostas. Esta foi a receita que eu, desde que estou na vida pública, sempre apliquei. Até à data deu resultado, pode haver um dia em que não dará. E fi-lo sempre contra ventos e mares”.
Que é como quem diz: eu sou assim, é assim que tenho ganho, mesmo contra a vontade de muita gente. Se não ganhar, será a primeira vez. As eleições são daqui a um ano.