Foram duas horas a desmontar uma acusação que senta no banco dos réus um procurador do Ministério Público, um advogado e um representante legal de um ex-vice-Presidente angolano. Em causa estão crimes de corrupção, falsificação de documento e violação do segredo de justiça numa “narrativa” que acusa Orlando Figueira de ter sido corrompido para arquivar dois processos que tinha em mãos contra Manuel Vicente. O advogado Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires teriam intermediado o crime. Mas para o advogado Rui Patrício, esta sexta-feira no Campus de Justiça para defender Armindo Pires e “simbolicamente” Vicente, esta acusação “não tem lógica” e chumbaria um qualquer “teste de inteligência”.

De pé, com uma apresentação em powerpoint dividida em três partes e uma ponteira a laser na mão, o advogado, que conseguiu que o processo relativo a Manuel Vicente fosse entregue às autoridades angolanas, desmontou a acusação ponto por ponto e foi dando recados à procuradora Leonor Machado — que no dia anterior pediu a condenação com penas suspensas até cinco anos para Figueira e Blanco. E considerou não haver indícios contra Armindo Pires, sem referir a palavra absolvição. No final, as alegações valeram-lhe uma resposta. A procuradora vai extrair certidões relativamente ao banqueiro Carlos Silva e ao advogado Proença de Carvalho.

Leonor Machado respondia a Rui Patrício, que em vários momentos das alegações finais a interpelou. “O depoimento que Carlos Silva fez aqui tem que ser valorado, sob pena de estarem a brincar connosco”, atirou o advogado Rui Patrício, para depois sublinhar que esta era uma mensagem para a procuradora do julgamento, e não para as procuradoras do inquérito — a quem também mandou recados.

“Evidentemente que até à leitura do acórdão vou pedir a extração de uma certidão contra pessoas que foram citadas neste julgamento e os senhores terão conhecimento dessa certidão”, respondeu-lhe, depois, Leonor Machado. Já durante uma pausa na sessão, a própria acabaria por confirmar aos jornalistas que entre essas certidões, que darão origem a uma investigação, estariam o banqueiro Carlos Silva e o advogado Proença de Carvalho. Só não especificou o que estará em causa, remetendo para o despacho que ainda irá fazer. Recorde-se que em julgamento os arguidos apontaram sempre os dedos ao banqueiro e ao advogado. A Carlos Silva como tendo sido ele a contratar Figueira, embora ele o recuse, e a Proença de Carvalho por ter conhecimento de todas essa relação contratual — embora o advogado diga que só interveio da cessação do contrato de trabalho, afastando Carlos Silva da contratação.

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Armindo Pires não participou, mas foi acusado

Enquanto chumbava a acusação, o advogado Rui Patrício fez questão de lembrar que só teria que defender o arguido Armindo Pires, que acabou “esquecido” ao longo do julgamento, mas como jurista não suportava não ir mais longe na sua análise. “O primeiro grande problema é que não há factualidade imputada. Nenhum dos factos da acusação integram estes tipos criminais [corrupção, branqueamento de capitais, falsificação de documentos]. Há um conjunto de factos que são falsos e não integram nenhum ilícito criminal”, começou por dizer, alegando que a acusação resume-se a dez páginas e que tudo o resto são “floreados”. “Não era preciso um grande e minucioso trabalho para concluir isto”, prosseguiu num tom caustico.

Rui Patrício considerou que Armindo Pires, com plenos poderes para representar Manuel Vicente em Portugal, apareceu no processo “um bocado à boca das urnas” porque era “preciso arranjar um intermediário”. No entanto, lembrou, para os crimes de que foi acusado é necessária uma intervenção direta no crime. E isso não existiu. “Nos acordos de corrupção quanto menos pessoas envolvidas melhor, só as envolvemos se precisarmos delas”, alegou. “Não me venham dizer que o subestabelecimento no Armindo Pires era para esconder, porque quando isto se faz tem que se juntar a procuração desse alguém… Portanto, quando o advogado Paulo Blanco intervém no processo, munido de um documento de Armindo Pires, invoca sempre o nome de Manuel de Vicente”, explicou.

O advogado criticou ainda o facto de a investigação ter partido do pressuposto que a empresa angolana que contratou Orlando Figueira, a Primagest, ter ligações à Sonangol liderada por Manuel Vicente. “Isto não está noutro sítio que não seja no Google”, como aliás confirmaram os inspetores da PJ que vieram ao julgamento, recordou. Lembrando que houve também testemunhas que confirmaram que, na altura, dava prestígio aos negócios haver ligações à Sonangol. “Mesmo que a Primagest tivesse ligação à Sonangol, não há outras hipóteses concebíveis além de Manuel Vicente? Esta questão não se aguenta nem um segundo”.

O advogado levantou ainda dúvidas relativamente ao alegado “pacto de corrupção” que o Ministério Público diz ter sido feiro em 2011, e para o qual Orlando Figueira recebeu 760 mil euros em várias tranches.  Fê-lo “a partir do mail do Procuradoria Geral da República e partilhou tudo com a [procuradora adjunta] Dra. Teresa Sanchez. Mandou lhe duas vezes o arquivamento, mandou à hierarquia [Cândida Almeida]. É o contrario de alguém que está num pacto de corrupção!” diz. Mais. “Só retira o nome de Manuel Vicente de algumas partes e até no Apenso, que faz referência ao despacho que manda apagar, está o nome de Manuel Vicente”, continua. “Depois faz outra coisa extraordinária: recebe em bancos em Portugal e transfere para a Caixa Geral de Depósitos!”. A procuradora Leonor Machado mostrava, por vezes, desconforto perante as afirmações.

No final, Rui Patrício não só pediu a absolvição do seu cliente, como dos restantes arguidos.

Advogada de procurador Orlando Figueira emociona-se

De manhã foi a advogada do procurador Orlando Figueira que, em alegações finais, garantiu que “nunca houve nenhum acordo entre os arguidos”, referindo-se ao ex-vice-presidente angolano, Manuel Vicente. Carla Marinho explicou que o magistrado, em 2011, pedira uma licença sem vencimento numa altura em que as condições profissionais que enfrentava coincidam com um processo de divórcio. E que a ideia era ir trabalhar para uma empresa angolana, de nome Primagest.Essa relação contratual “nasceu com o contacto com Carlos Silva, depois de um almoço no Hotel Ritz em maio de 2011”, reforçou. Para depois demonstrar como todos os pagamentos que recebeu — desde o crédito no Banco Privado Atlântico Europa, ao adiantamento do contrato de trabalho e à sua revogação — foram justificados.

Já no final das duas horas dispensadas pelo juiz para as alegações, a advogada emocionou-se quando falou nas consequências “pessoais e profissionais” que o processo teve na vida do magistrado Orlando Figueira. E pediu a absolvição sem quaisquer  “dúvidas”.

“Eu sou ingénuo”, disse Orlando Figueira

Depois das alegações, já ao final do dia, foi Orlando Figueira quem pediu a palavra. O arguido lembrou como, no início do julgamento, o juiz presidente Orlando Figueira o interpelou perguntando se não estava a ser “ingénuo” nas suas declarações. O juiz fez um sorriso tímido ao ouvi-lo. “Eu sou ingénuo, prefiro sê-lo do que ser desconfiado” disse na última sessão antes da sentença. ” A prova produzida corrobora as minhas declarações de 5 de dezembro 2017. Independentemente do que decidir sou um homem livre”, rematou.

Também o arguido Paulo Blanco tomou a palavra para reiterar que não corrompeu “ninguém”. Depois de ser chamado à atenção do juiz por não dever tecer “considerações jurídicas” relativas ao processo, agradeceu a todos os presentes na sala.

O juiz terminou a sessão com a data para a leitura da sentença: 8 de outubro, pelas 14h00.

Tribunal recusa carta anónima

Durante a manhã o coletivo de juízes rejeitou juntar ao processo a carta anónima que chegou quinta-feira e que aponta o dedo ao banqueiro Carlos Silva e ao advogado Proença de Carvalho na sequência de um processo de divórcio. “Não tem qualquer valor probatório para os autos”, afirmou esta sexta-feira o juiz presidente, Alfredo Costa, naquele que é o segundo dia de alegações finais do julgamento.

A decisão foi comunicada depois de a defesa do advogado Paulo Blanco, Rita Relógio, ter pedido ao coletivo para juntar ao processo uma assento de nascimento do banqueiro Carlos Silva, onde consta o divórcio litigioso que travou em Portugal e que, segundo a informação da carta anónima, teve o advogado Proença de Carvalho atrás. A carta anónima terá sido enviada de Angola e escrita por uma alegada testemunha do processo de divórcio.

“No entender do tribunal [o pedido de Paulo Blanco] teve a ver com a carta anónima que foi entregue ontem e que para os juízes não tem matéria probatória para os autos”, disse o presidente, depois de interromper o julgamento para decidir rejeitar o pedido de Blanco, por o mesmo não justificar reabrir a produção de prova em julgamento.

Procuradoria confirma envio de certidão digital do processo para Angola

A Procuradoria Geral da República confirmou esta sexta-feira em comunicado que a certidão digital do processo na parte relativa a Manuel Vicente já foi enviada às autoridades angolanas, depois da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. Na próxima semana será enviado à procuradoria angolana o processo em papel.

Dois pedidos de penas suspensas de cadeia até cinco anos, uma absolvição e uma carta anónima. O que se passou no tribunal