Foi uma semana de contradições no PSD de Rui Rio. Começou com as jornadas parlamentares na Guarda, onde ficou claro que a animosidade entre o líder do partido e os deputados ainda não está sarada. Seguiram-se recuos e inflexões discursivas sobre a posição do PSD em relação à guerra do governo com os professores, e muita contra-informação sobre o que fará o PSD na votação do Orçamento do Estado. Terminou com a cereja no topo do bolo: uma desautorização de Rio à direção da bancada parlamentar sobre a votação da redução do imposto sobre combustíveis. O “raspanete” foi dado via jornais e Fernando Negrão nem telefonou a Rui Rio depois de ter visto a notícia. Foi preciso o secretário-geral José Silvano fazer de árbitro, dizendo que Rio e Negrão iriam almoçar juntos nos próximos dias para acertar estratégias.
O almoço deverá acontecer nesta segunda-feira, segundo o Diário de Notícias, com Fernando Negrão a deslocar-se ao Porto preparado para dar um murro na mesa em nome da defesa da autonomia da bancada parlamentar face à direção do partido. “Foi marcado um almoço nos próximos dias e todo este ambiente de alguma tensão vai ficar resolvido e articulado, não tenho qualquer dúvida”, disse na sexta-feira José Silvano à agência Lusa no rescaldo da polémica lançada. Ao que o Observador apurou, a bancada, incluindo a direção da bancada (mais afeta a Rui Rio), ficou revoltada com a desautorização pública dada pelo presidente do partido ao líder parlamentar. Ainda por cima porque foi um raspanete dado em praça pública, via jornais.
Tudo começou quando, esta sexta-feira, uma “fonte da direção” do PSD afirmou à agência Lusa que o partido não tinha gostado de ver a bancada parlamentar decidir, “completamente à revelia”, votar a favor do projeto de lei do CDS que previa a “eliminação do adicional do imposto sobre produtos petrolíferos”. Isto porque o PSD, na pessoa de Rui Rio, não concordava que o Parlamento aprovasse um diploma que viesse a diminuir a receita no Orçamento do Estado, achando que é ao Governo que cabe decidir se precisa de receita ou se pode abdicar dela. Ainda para mais depois de Rui Rio ter ido às jornadas parlamentares, na Guarda, dizer aos deputados que não cabe ao PSD “empurrar o Governo para a irresponsabilidade”, sendo essa a tarefa do PCP e do BE. Ao PSD, nas palavras de Rio, cabe antes apresentar propostas responsáveis e fazer ver que o suposto “milagre económico” do governo é apenas “aldrabice”.
Fonte parlamentar assegura ao Observador que o sentido de voto do PSD sobre as quatro iniciativas relativas à redução do imposto sobre os combustíveis foi decidido em reunião da direção da bancada, tendo sido perguntado explicitamente a Fernando Negrão se a questão estava articulada com o presidente do partido. Negrão terá respondido que tudo estava articulado. Mas algo correu mal pelo caminho. Acontece que Rio e Negrão tinham abordado o tema dos combustíveis há cerca de um mês, tendo decidido que a estratégia do PSD seria, não apresentar um projeto de lei (que tem força vinculativa, se for aprovado), mas sim um projeto de resolução (que se limita a recomendar uma ação ao governo). A ideia era que a recomendação pusesse o ónus no governo mas deixasse claro que o PSD queria garantir o princípio da neutralidade fiscal e não queria pôr em causa a norma-travão, que impede que os partidos legislem sobre qualquer aumento de despesa ou perda de receita a meio do ano orçamental em curso.
O projeto de resolução do PSD foi aprovado, com o voto favorável do CDS e a abstenção do PCP e BE. Mas para ter o voto favorável dos centristas, o PSD teve de dar também o seu voto favorável ao projeto de lei do CDS, mesmo fazendo ressalvas de que teria de ser melhorado na especialidade para não pôr em causa a norma-travão. O projeto de lei do CDS foi, assim, aprovado, não só com o voto a favor do PSD (porque só esse não chegava) mas com a abstenção dos partidos da esquerda mais à esquerda. E Rui Rio não gostou. Problema: os deputados também não gostaram que Rui Rio lhes tivesse mandado aquela alfinetada publicamente, deixando passar uma imagem de desautorização e de fraca autonomia da bancada.
Será com esta postura de “isto não pode voltar a acontecer” que Fernando Negrão se vai dirigir a Rui Rio no almoço de segunda-feira. O episódio desta sexta-feira foi a gota de água na já muito tensa relação entre Rio e a bancada parlamentar, depois de, no início da semana, o presidente do PSD ter sido recebido de forma muito pouco calorosa nas jornadas parlamentares da Guarda. Ao Observador, vários deputados queixaram-se da relação fria que o líder do partido mantém com a bancada, sabendo de antemão que aquela não foi uma bancada escolhida por si mas pelo anterior líder — e que, consequentemente, tem anticorpos. “Não faz nenhum esforço para cativar”, diz um deputado, lembrando que Rio apenas foi às jornadas para a sessão de encerramento e, quando chegou, foi aguardar para uma sala fechada, em vez de “fazer conversa” com os deputados.
Rio não liga a “falhas pequeninas” do Governo, mas desmonta “aldrabice do milagre económico”
No discurso aos deputados, Rio quis evidenciar qual é a sua receita para os próximos meses, na oposição, quer os deputados gostem ou não: ser colaborante com o governo, acutilante nas críticas e sério nas propostas. “Esta foi a receita que eu, desde que estou na vida pública, sempre apliquei. Até à data deu resultado, pode haver um dia em que não dará. E fi-lo sempre contra ventos e mares”, disse. A ideia é passar uma imagem de político-sério — uma imagem de que, à partida, a classe política não goza, e os deputados, em particular, muito menos. Para isso, Rio obrigou Fernando Negrão a fazer marcha-atrás no seu discurso inicial sobre as reivindicações salariais dos professores, assumindo para este tema a mesma postura que tinha para o tema dos combustíveis: se o governo prometeu, deve cumprir, se não cumpre é porque não há milagre económico, e é isso que deve explicar aos portugueses, pedindo desculpa.
Em todo o caso, um dos highlights que ficou do discurso de Rio na Guarda, sublinhado por vários deputados, foi a admissão de um cenário de derrota eleitoral — disse-o duas vezes durante o discurso de quase 40 minutos. E isso foi outra coisa que os deputados não gostaram de ouvir.
PSD vai mesmo votar contra Orçamento do Estado
Outra contradição que marcou a semana social-democrata foi a postura do PSD no debate orçamental que vai arrancar depois do verão. A questão que se põe, perante a posição “colaborante” assumida por Rui Rio face ao governo de António Costa, é saber se o PSD admite dar a mão ao governo na aprovação do Orçamento do Estado para 2019 caso as negociações à esquerda falhem.
Fernando Negrão, justamente à margem das jornadas parlamentares, começou por admitir esse cenário ao Observador. O líder parlamentar disse que o mais provável era a geringonça manter-se unida na hora H, mas não deu como garantido o voto contra dos sociais-democratas por não conhecer ainda o documento. O passo seguinte surgiu pela voz de Silva Peneda, um dos ministros-sombra escolhidos por Rui Rio para o Conselho Estratégico nacional. Em entrevista ao Público e Renascença, Silva Peneda defendeu que o PSD devia negociar com Costa caso falhasse o entendimento à esquerda porque era a favor da “estabilidade dos mandatos”.
PSD pode dar a mão ao Governo no Orçamento do Estado? “Veremos”, diz Fernando Negrão
As declarações do ministro-sombra de Rio para a área da Solidariedade, contudo, não caíram bem no partido. Rui Rio, questionado sobre elas durante uma conferência de imprensa no Porto, começou por dizer que não estava “minimamente zangado com Silva Peneda” e que se recusava recusa a “liderar um partido em que as pessoas não possam falar com sinceridade”, mas acabaria a dizer que dificilmente o PS irá apresentar um orçamento que vá ao encontro dos interesses do PSD.
Também o vice-presidente do partido Salvador Malheiro afirmou na sexta-feira que a posição do PSD sobre o OE 2019 estava “longe de ser” a posição de José Silva Peneda. “Naturalmente que não representa a posição oficial do PSD, é a posição de uma referência da social-democracia, que falou a título individual. A posição do PSD está longe de ser essa veiculada pelo dr. Silva Peneda”, disse Salvador Malheiro em declarações à Lusa.
De acordo com o semanário Expresso, a ideia de Rio é, de facto, contrária à de Silva Peneda. “Seria suicídio político” aprovar um Orçamento do PS no atual quadro parlamentar, disse fonte da direção do PSD aquele jornal, garantindo que Rio prefere um cenário de eleições antecipadas caso a “geringonça” rompa durante a discussão orçamental — cenário em que não acredita verdadeiramente — do que dar a mão ao governo apenas para aguentar mais uns meses até às eleições de outubro de 2019. A verdade é que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, e inclusive o próprio António Costa, já fez saber que se o último Orçamento da legislatura não for aprovado por via da “geringonça”, a atual solução governativa cai por terra.
Para já, as questões do PSD são internas e Rui Rio tem de olhar para dentro. O almoço de segunda-feira com Fernando Negrão é o primeiro passo para, como disse José Silvano, “acertarem estratégias”. A hora de olhar para António Costa ainda não chegou.