Não iremos impugnar nada que não esteja a prejudicar as crianças. Se quisermos fazê-lo, seria a algo que fosse contrário aos interesses dos alunos. E  não é o caso dos serviços mínimos decretados.” Jorge Ascenção, presidente da Confap, confederação que representa associações de pais de todo o país, reage assim à ideia de os alunos poderem impugnar as notas saídas de conselhos de turma a funcionar em serviços mínimos.

Na quarta-feira à noite, Garcia Pereira, advogado especialista em direito de trabalho, defendeu que o acórdão saído do colégio arbitral, que decidiu no sentido de haver lugar a serviços mínimos durante a greve às avaliações, padece de três ilegalidade. E, por não estar de acordo com a lei, o acórdão abre caminho a dois cenários, na opinião do advogado.

  1. Os alunos que chumbem podem impugnar as notas “com fundamento na ilegalidade do procedimento administrativo que deu como resultado a sua avaliação”
  2. Os professores não são obrigados a respeitar os serviços mínimos porque “a atos e ordens ilegais não é devida obediência”

Garcia Pereira: Alunos que chumbem podem impugnar decisão dos conselhos de turma

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Pela parte que cabe aos alunos, Jorge Ascenção, questionado pelo Observador, afasta desde logo esse cenário, até porque a Confederação Nacional de Associações de Pais é favorável à requisição dos serviços mínimos.

“Claro que ficámos satisfeitos com os serviços mínimos, vêm garantir o direito à educação dos nossos jovens. Uma situação parecida já tinha acontecido em 2013, com a greve ao exame de Português. Como isso deixou de ser possível, os professores descobriram este subterfúgio — que é legítimo, não vou dizer que não —, mas que prejudica apenas os alunos”, argumenta o presidente da Confap.

O episódio de 2013, que obrigou a remarcar o exame de Português, levou o Governo a fazer uma alteração à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. Passou a estar previsto, no artigo referente aos serviços mínimos, que exames e provas nacionais têm de se realizar na mesma data em todo o território nacional.

“Esta greve não prejudica os professores, o único impacto que vai ter é que os docentes vão ter mais trabalho quando decidirem divulgar as notas. E como a greve não tem impacto significativo naquilo que é matéria salarial não sabemos quando haverá bom senso para terminar este protesto”, ressalva Jorge Ascenção.

Assumindo que poderá haver uma ou outra situação em que, de facto, o conselho de turma irá decidir se o aluno passa ou não de ano, argumenta que essas situações são uma minoria. “As avaliações já estão feitas. Toda a gente sabe que estas reuniões são só um pró-forma. Todos os anos letivos há vários conselhos de turma que funcionam sem todos os professores. Basta que um esteja de baixa para eles acontecerem à mesma. Até nisto, há falta de seriedade”, diz o presidente da Confap.

Quanto à qualidade da avaliação, não acredita que seja posta em causa por estarem menos professores presentes no conselho de turma.

O acórdão do colégio arbitral determina que estes encontros possam acontecer desde que haja maioria qualificada, ou seja, desde que esteja presente metade mais um dos professores da turma em causa. A letra da lei é diferente: os conselhos de turma só podem acontecer se estiverem presentes todos os professores. Em caso de ausência prolongada, como o de uma baixa, podem realizar-se desde que respeitem determinados critérios.

“Nós conhecemos bem o funcionamento dos conselhos de turma. A qualidade da avaliação não passa pelo conselho de turma, é uma responsabilidade autónoma do professor. Só quando há alguma dúvida —por exemplo, se o aluno deve ou não passar —, é que o conselho de turma diz que o aluno até deve poder passar porque tem possibilidade de recuperar. Mas isto é uma minoria das situações”, defende, acrescentando que não é por estarem 7 em vez de 12 docentes presentes que os professores vão tomar decisões erradas.

“Com seis ou sete professores já é possível tomarem uma decisão acertada porque está lá a maioria dos professores que conhece o aluno. Mesmo que estivessem todos presentes, se não estivessem de acordo, a decisão também seria tomada por maioria. Se houver ética, responsabilidade e seriedade, a qualidade das avaliações não será beliscada pelo facto de o conselho de turma ter menos um ou três professores”, conclui Jorge Ascenção.

E deixa um alerta para os pais dos alunos que não têm de fazer exames ou candidatar-se ao Ensino Superior: “Sei que há pais que acham que isto não é com eles, mas estão a ver mal, porque isto vai acontecer todos os anos. E um dia tocará aos seus filhos. Só olhamos para o nosso umbigo, estamos longe de ser uma sociedade democrática, onde reine o civismo.”

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O entendimento da Fenprof e da FNE é outro, como tem sido dito nas várias conferências de imprensa convocadas durante a greve à avaliação.

“Estes conselhos de turma são reuniões pedagógicas. As notas que chegam aos conselhos de turma são propostas, não são definitivas. E pode haver motivos pedagógicos que levem o professor a alterar determinada nota. Se o professor não está na reunião para defender a sua proposta, para ouvir os outros, como é que vão ser dadas as suas notas?”, interrogou Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, na quarta-feira. E continuou a colocar questões sobre a forma de proceder nos serviços mínimos: “Quem são esses 50%+1? E se o diretor de turma fizer greve? Há reunião sem ele? Isto não tem sentido”, sublinhou o sindicalista.

Também Filinto Lima, presidente da ANDAEP, associação que representa os diretores de agrupamentos e de escolas públicas de todo o país, já avisou que estes encontros finais dos professores são extremamente importantes: “Não nos podemos esquecer que os conselhos de turma de avaliação são muito importantes, têm de estar todos os professores presentes porque são momentos nobres de avaliação”, concluiu.

Embora não seja a única reivindicação dos professores, a recuperação do tempo em que as carreiras dos docentes estiveram congeladas já se tornou a principal bandeira da luta dos docentes. Os professores pretendem recuperar a totalidade dos 9 anos, 4 meses e 2 dias do congelamento, e a proposta do Ministério da Educação é de 2 anos, 9 meses e 18 dias. O impasse instalou-se e a negociação não voltou a avançar.

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