“Burnout significa que a pessoa esgotou. Colapsou-se.” Raquel Varela, coordenadora do estudo sobre desgaste emocional dos professores, pedido pela Fenprof à Universidade Nova, não avança os valores finais, mas garante, desde já, citada pela agência Lusa, que o número de professores em burnout é altíssimo.
Esta sexta-feira, a Fenprof, sindicato de professores liderado por Mário Nogueira, organiza o Encontro Internacional sobre o Desgaste na Profissão Docente. E é durante esse encontro que o estudo coordenado pela professora da Universidade Nova e coordenadora do Grupo de Estudos do Trabalho e dos Conflitos Sociais será apresentado.
“Não posso revelar os dados antes do dia 6 de julho, mas, neste momento, os dados provisórios apontam para uma taxa de burnout altíssima. Ou seja, nós temos um número de professores estatisticamente muito relevante que está a trabalhar em condições de adoecimento grave”, explicou Raquel Varela, citada pela Lusa.
Para o estudo, foram inquiridos 19 mil professores portugueses. Inicalmente, previa-se chegar a 40 mil docentes, de um universo de 120 mil, mas os inquéritos acabaram por ser metade dos anunciados. O questionário tinha 100 perguntas relacionadas com questões de trabalho e modo de vida, explicou em janeiro a investigadora.
“Queremos saber se os professores se sentem cansados e desanimados ou, pelo contrário, motivados e alegres. Queremos saber se conseguem resolver os problemas dos alunos, em que condições estão a trabalhar, quanto tempo, por exemplo, levam a chegar ao trabalho, se vivem perto ou longe do local de trabalho, quantas disciplinas lecionam, se há indisciplina na respetiva sala de aula. Tudo isso será avaliado ao longo de quase 100 perguntas”, disse Raquel Varela, no início do ano, em entrevista ao Expresso.
Os inquéritos foram distribuídos e recolhidos nas escolas pelas estruturas sindicais, que depois os entregaram à Universidade Nova. A equipa, coordenada por Raquel Varela, historiadora do Trabalho, é composta por cinco investigadores.
Estudo para “tirar teimas” ao Ministério da Educação
Na altura em que o protocolo entre a Universidade Nova e a Fenprof foi assinado, Mário Nogueira esclareceu que o objetivo era “tirar teimas” ao Ministério da Educação.
“O estudo vai retirar dúvidas, tirar teimas, se é que alguém ainda as tem, de que de facto têm de ser tomadas rapidamente medidas” para combater o desgaste na profissão docente, disse o sindicalista em janeiro. E esclareceu que a estrutura sindical pretende com o resultado do estudo pressionar o governo a adotar um regime de aposentação específico para os professores.
“O desgaste está há muito está identificado, está há muito reconhecido, incluindo por governantes. Não há aqui nada que vamos descobrir de novo”, disse Mário Nogueira na conferência de imprensa em que anunciou o protocolo assinado com a Universidade Nova, lembrando que há vários estudos internacionais que mostram que o desgaste existe.
No entanto, e depois de não se ter avançado na negociação destas matérias, Mário Nogueira considerou que já não basta ter estudos feitos por terceiros. “Desta vez, decidimos que em vez de apenas alegar a existência de estudos que comprovam este desgaste, fazer um estudo de fundo. Até porque numa iniciativa internacional, na Escócia, um dos compromissos que o governo assumiu foi fazer um estudo sobre a situação do desgaste, mas não apresentou nenhuma proposta. Então a Fenprof decidiu fazê-lo”, explicou.
O timing da iniciativa da Fenprof não surge por acaso. O gabinete de ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, concordou em colocar o desgaste profissional e o envelhecimento da profissão em cima da mesa de negociação. É, aliás, um dos pontos que consta do compromisso assinado entre sindicatos e tutela a 18 de novembro de 2017, o mesmo documento de que ambas as partes falam quando a discussão é sobre o tempo de serviço a recuperar na sequência do congelamento das carreiras.
“Defendemos que os professores possam reformar-se aos 36 anos de serviço como acontecia há 12 anos, sem penalizações. E de imediato, já no início do próximo ano, que todos os que já trabalharam 40 anos, independentemente da idade, possam reformar-se sem penalizações. Quanto aos 36 anos, estamos disponíveis para negociar isto de uma forma gradual, ir-se baixando um ano de cada vez, por exemplo”, explicou Mário Nogueira, em maio, ao Observador.
A equipa de investigação
Para elaborar este estudo, a equipa coordenada por Raquel Varela conta com a participação de académicos de várias universidades, entre elas do Instituto Superior Técnico e de instituições brasileiras. Da Universidade do Rio de Janeiro, participam uma socióloga e antropóloga e um professor de Teoria Social. De Portugal, juntam-se os professores Henrique Silveira, do Técnico, e João Areosa, investigador do Politécnico de Setúbal.
As áreas de investigação de Raquel Varela prendem-se com as áreas do trabalho, do estado social e do movimento operário português. Publicou vários livros, entre eles “O papel do Partido Comunista Português na Revolução Portuguesa”.
“Desde a década de 70 e o avanço do neoliberalismo nos chamados países ricos, e desde a primeira década do séc. XXI, o desgaste, a exaustão e a desmoralização nos locais de trabalho aumentou muito. Queremos saber se isso também se verifica nos docentes em Portugal. No caso dos médicos, por exemplo, há estudos nacionais e internacionais que chegam a apontar para um terço dos médicos em burnout”, defendeu Raquel Varela na entrevista ao Expresso.
“É importante também referir que os primeiros estudos sobre este assunto que surgiram nas décadas de 70 e 80 pretendiam ser um alerta à degradação das condições de trabalho e os inquéritos eram elaborados para detetar justamente os processos de fadiga e desefetivação no local de trabalho. Hoje, os resultados de estudos semelhantes já não funcionam como alerta, já não têm como objetivo a prevenção. Já não concluem que há processos de fadiga, há realmente fadiga e exaustão que, no limite, e no caso dos professores, levará à falta de profissionais no país”, concluiu.