“Quando vou a uma sessão de quimioterapia compro sempre a Vogue ou outra revista feminina para ler”, conta Aurora Carmo 53 anos a receber tratamento para um linfoma. “Se levo a minha filha ela fica deprimida. Prefiro levar uma revista porque eu não me deixo deprimir, quero atravessar isto como uma coisa passageira”. Aurora é taxativa nas suas palavras. Quem não saiba que está a fazer o segundo ciclo de quimioterapia não fica a saber. Na escola onde dá aulas, nem colegas nem alunos parecem aperceber-se. O cabelo impecavelmente penteado, o rosto bem maquilhado, baton vermelho a pontuar a sua atitude positiva. O linfoma voltou 10 anos depois do primeiro ataque, mas Aurora não se dá por vencida e trata-o com algum enfado como se lhe dissese “então, ainda não percebeste com quem te estás a meter?”.

Admite que ao contrário da maioria dos pacientes a tratar doenças oncológicas, gasta mais dinheiro em roupa nesta fase. “Ir às compras é a minha terapia”, desabafa. “Se fico em casa tudo parece pior, lá está a minha filha com cara murcha. Pego no carro, vou à baixa, vejo montras, encontro pessoas, vou até ao rio. Acabo por não resistir às compras”, diz sorrindo. A sua energia, seja resiliência ou fuga à depressão, é convincente. Mas ela ainda é uma exceção, porque o cancro é ainda uma doença que não se olha com normalidade e cujas sequelas psicológicas são tão grandes como as físicas, embora sejam vistas como secundárias. O peso social da doença, o desconhecimento das suas origens, as taxas de mortalidade, a complexidade e efeitos dos tratamentos, tudo isso foi muito bem analisado pela ensaísta americana Susan Sontag, no livro A Doença como Metáfora (Quetzal Editores). E tudo isto pesa como um pesadelo sobre os doentes.

Usar um lenço como turbante pode tornar-se a marca de um novo estilo e não de uma derrocada

Tendo em conta as estimativas, o cancro está a tornar-se uma doença crónica que atingirá cada vez mais gente e “é urgente mudar o discurso em torno dela, para bem de todos”, afirma Márcia Ferreira, dermatologista no IPO do Porto e que recebeu o Observador para uma conversa sobre os cuidados de beleza que mulheres e homens devem ter quando estão a passar por tratamentos de quimio e radioterapia. “O assunto ainda é tratado como um tabu, os médicos estão sobretudo focados em tratar a doença e nem sempre têm em conta este aspeto, que é também ele muito debilitante: o cancro destrói a nossa auto-imagem, a nossa auto-estima e nas mulheres isso é ainda mais dramático. Seria bom que este assunto começasse a ser mais enfrentado quer pelos médicos, quer pelos meios de comunicação”, diz a médica cujo trabalho não é só com pacientes com melanomas mas também com todo o tipo de sequelas que a radioterapia e quimioterapia deixam na pele do corpo.

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Para lá das mais conhecidas como a alopécia (queda de cabelos e pelos em geral), as queimaduras cutâneas provocadas pela radioterapia, a destruição da barreira cutânea que protege a pele das agressões do meio ambiente, “há um conjunto de problemáticas na pele que dependem do tipo de droga que está a ser usada no tratamento: ocorre alteração de toda a espessura da pele e muitas vezes as sequelas só aparecem muitos anos depois.”

Os uso diário de cremes hidratantes deve ser feito por mulheres e homens para diminuir os danos que os tratamentos causam na pele. PVP21.24

Quer a radioterapia como a quimioterapia provocam danos cutâneos. Hoje em dia os fármacos das quimioterapias até provocam mais danos na pele do que os mais antigos, uma espécie de acne em todo o corpo, inflamatório, doloroso e muito debilitante em termos da auto-imagem. Embora esta reação de pele possa ser positiva como indicador de que o tratamento está a fazer efeito contra o tumor, é muito desagradável e incomodativo para os doentes. A foto-sensibilidade também é mais acentuada com os novos tratamentos o que torna muito importante usar sempre um protetor solar.

Outra das situações comuns é a secura cutânea generalizada, com hiperqueratose (calosidades) nas mãos e pés onde se devem usar cremes com ureia ou a síndrome palmo-plantar (a pele muito fina e com fissuras), a destruição ou queda das unhas. “Mas é preciso ter um extremo cuidado com os produtos que se aplicam” avisa a médica e explica o tipo de conteúdos a ter em conta: “Os cremes, protetores solares, maquilhagem usados não devem ter perfumes, parabenos, devem ser à base de minerais, destinados a peles muitos sensíveis ou intolerantes sobretudo no rosto. Recomendados são os que se destinam à pele sensível, os produtos com retinóides, vitamina C, ácido ferúlico são em geral irritativos e devem ser evitados. Já o ácido hialurónico, em geral não é irritativo e pode ser usado, até porque embora se chame “ácido” é um hidratante profundo e é uma substancia que existe no nosso corpo.”

Hidratante de rosto, exclusivamente à base de agua ideal para pele sensibilizada, queimada, com vermelhidões (PVP: 29,95€)

Cuidar da imagem durante tratamentos oncológicos

Cuidar de nós próprios não é apenas uma questão estética é também uma questão de filosofia de vida como já sabiam os antigos gregos e latinos, para quem a disciplina e a força moral passavam por tratar do corpo e da alma, porque estes como sabemos, são inseparáveis. Por isso, se não tem uma rotina de cuidados com a pele do rosto e do corpo, esta pode ser uma boa altura para começar, seja mulher ou homem“e os homens ainda são culturalmente inibidos de ter essa preocupação”, lamenta Márcia Ferreira.

“É um período de grande stress e ansiedade que também se manifesta na pele. O problema é sistémico, físico, psicológico, o corpo fica com menos defesas por isso e normal que tudo isso se manifeste no rosto. Este “stress oxidativo” causa um maior envelhecimento da pele, a reparação dos danos na derme são mais lentos.

“Durante a radioterapia a pele perde muita água, daí que seja muito importante a hidratação para não se desenvolverem eczemas e outras lesões na pele que podem trazer novos problemas. O protetor solar de índice elevado é provavelmente o ativo mais importante de todos”, aconselha a dermatologista.

Os lápis de 3 bicos da Maybelline são uma grande ajuda para redesenhar as sobrancelhas (preço sob consulta)

Aprender a maquilhar-se de acordo com os sintomas é outra sugestão que pode fazer maravilhas pela sua auto-imagem e auto-estima. É importante que cada um escolha o que o faz sentir melhor. Usar ou não usar perucas, turbantes, lenços, chapéus ou deixar que a cabeça glabra marque o seu novo estilo. Pode até brincar com várias coisas experimentando outros visuais alternativos ao habitual. O truque pode ser ver tudo isto como um desafio e não como uma tragédia. Hoje em dia é até comum as adolescentes saudáveis e as modelos usarem perucas para mudarem de visual, de cor de cabelo, para copiarem esta ou aquela cantora ou atriz. Aqui pode aprender a colocar um lenço em forma de turbante. E aqui e aqui pode ver alguns tutoriais de maquilhagem para o período de quimioterapia, aqui aprender a colocar pestanas falsas.

Também as marcas de maquilhagem oferecem uma grande oferta de pestanas falsas que pode colar no extremo da pálpebra por cima do eyeliner. E mesmo para as sobrancelhas há tratamentos reconstituintes como o microblading, sobrancelhas falsas de colar e descolar ou desenho de sobrancelhas (hoje muitas perfumarias, maquilhadores profissionais oferecem workshops para ensinar a técnica). O importante é ter em conta que sejam apropriados para peles muito sensíveis. Marcas como a La Roche Posay, a Avene, a Neutrogena, a Clinique, entre outras, têm gamas de maquilhagem destinadas a quem tem problemas cutâneos.

Ao nível dos cremes hidratantes, anti-rugas, protetores solares, Márcia Ferreira aponta algumas marcas compatíveis com os tratamentos oncológicos: “Filorga, DC linha da Dermoteca, Isdin, Uriage, La Roche Posay, Skin Ceuticals, Martiderme, SVR, embora hoje haja muita oferta no mercado, sendo importante o aconselhamento pelo dermatologista para cada caso em concreto.”

A pensar nas necessidades específicas de quem está a fazer a travessia pelos tratamentos oncológicos, reunimos um conjunto de produtos que podem ajudar a não se esquecer de cuidar também da pele e de se sentir bonit@.