No jogo com a Inglaterra — que, depois de espremidos 120 minutos, valeu o único passaporte croata da história para a final de um Mundial — Rakitic foi soberano. Ao lado de Modric, é justo dizê-lo, pegou nas rédeas da equipa e cavalgou o meio-campo, lutando por cada bola como se fosse a mais importante de toda uma vida. O acerto do médio do Barcelona é comprovado pelos números: fez 85 passes, com 71 deles a levaram o destino pretendido (o que se traduz numa eficácia de 84%), sendo ainda o segundo jogador croata que mais vezes colocou a bola nos pés dos companheiros (apenas foi superado por Brozovic, que realizou 86 passes).

Desempenho interessante, que talvez não impressione por aí além quem acompanhe o trajeto do médio do Barcelona, por estar dentro da normalidade a que nos habituou. Mas o caso muda de figura quando se conhecem os contornos daquela exibição frente a Inglaterra: na véspera, o jogador esteve de cama, doente.

Tinha 39 graus de febre, um febrão. Estive na cama e cheguei a pensar que pudesse não jogar uma partida tão importante como uma meia-final. Perdi quatro quilos no jogo com o esforço, corri 14 quilómetros. Não sabes onde vais buscar as forças, mas consegues. Vem-nos muito de dentro”, recordou o jogador numa entrevista ao El Mundo Deportivo.

O médio croata conta também como foram os momentos depois da vitória. “Estar na final de um Mundial é algo que se sonha desde criança. Logo depois do jogo, falei com a Raquel, a minha mulher, e repetia-lhe uma e outra vez: ‘Estamos na final do Campeonato do Mundo, a Croácia é finalista, vou jogar com a França no domingo‘”, acrescentou o jogador, que revela ainda que a filha mais velha, Althea, lhe disse que ia ganhar o troféu.

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Ivan Rakitic festeja ao lado dos companheiros Domagoj Vida e Mario Mandzukic a vitória sobre a Inglaterra, obtida no prolongamento, e que colocou a Croácia na primeira final da sua história. (Dan Mullan/Getty Images)

E terão os ingleses falado e cantado vitórias cedo demais? “Só posso dizer que eles disseram que iam estar muito melhor fisicamente, que eram superiores nesse aspeto e, afinal, foi ao contrário. Fomos nós que nos impusemos, jogámos melhor do que eles na segunda parte, no prolongamento, e ganhámos com justiça”, considera Rakitic na mesma entrevista, na qual também reconhece a dimensão da tarefa que a Croácia vai ter pela frente no próximo domingo. “Vai ser uma final muito complicada, difícil. Mas quero dizer que é um jogo histórico para nós, estamos a jogar o Mundial e vamos com tudo. É uma partida para ser desfrutada, nunca me cansarei de o repetir, é a final com que sempre sonhámos”, diz. Ainda assim, deixa o aviso: “Há muitas pessoas do nosso lado. A França deve saber que não vai ser fácil”.

“Dalic? Foi muito importante a sua chegada…”

No centro do caso de sucesso que é a participação croata neste Mundial está Zlatko Dalic, o técnico que era praticamente desconhecido nestas andanças da alta roda do futebol e que foi contratado (de graça) para fazer apenas um jogo de qualificação. “Ele é uma peça vital para nós. Foi muito importante a sua chegada ao banco, porque não passávamos um bom momento na qualificação para o Rússia 2018”, sublinha Rakitic, que explicou ainda algumas características do técnico. “É muito próximo dos jogadores. Gosta de ouvir as nossas ideias, mas tem as suas muito claras, sabe o que quer e é muito fácil assimilá-lo. Essa é parte da nossa força, o estarmos juntos. Porque se o treinador vai por um caminho e os jogadores por outro, a coisa está mal”, remata.

Zlatko Dalic, o ‘underdog’ que nem acreditou quando foi convidado para ser selecionador da Croácia

A Croácia tem sido uma das seleções mais elogiadas durante a prova pelo futebol que tem nos pés. “Esperava um Mundial assim, muito duro, com equipas muito fechadas atrás, muito físicas. Cada um joga com o seu estilo e as suas armas, mas eu gosto mais da fórmula com que jogamos no Barça e que também pomos em prática na Croácia“, revela o jogador, que opinou ainda sobre a prestação do país onde mora. “Gostei da aposta da Espanha, mas provou-se que neste Campeonato do Mundo é mais difícil atacar do que defender. E são esses os detalhes que decidem um Mundial e que, graças a Deus, nos saíram bem”.

“Iniesta? Para mim é ele e mais dez”

E já que falou em Espanha, o médio não esqueceu Iniesta, antigo companheiro de equipa no Barcelona — e que anunciou a saída da seleção após este Mundial. Rakitic não entende a opção de Fernando Hierro ao deixar o ‘ilusionista’ no banco no jogo com a Rússia. “Fiquei com muita pena e raiva. E não só eu. Estava a ver o jogo com toda a seleção da Croácia e todos me perguntavam, o ‘mister’ incluído: ‘Ivan, falaste com o Iniesta? Está lesionado? Passa-se alguma coisa?‘. Ninguém entendia. Foi incrível. Perguntaram-me mil vezes. E se eles não entendiam, imaginem eu, que o conheço bem e que jogo com ele. Que o admiro”.

Rakitic não tem dúvidas do papel que Iniesta deveria ocupar. “Para mim, é ele e mais dez”, resume. “Ainda por cima, ele estava a dar-me boas impressões, vi-o jogar contra Marrocos e nos jogos anteriores e era o Iniesta de sempre, acrescentava muitas coisas com o seu jogo e controle. Via-se bem e o Andrés é dos que não enganam. Sem dúvidas que tinha sido um dos melhores de Espanha no Mundial. Não entendo“, reforça.

Andrés Iniesta, o Ilusionista. Mais do que um nome e um futebolista, um sentimento