Quem a tiver conhecido apenas durante este mês quase que poderia apelidá-la de Marcelo Rebelo de Sousa croata. As parecenças entre o Presidente da República português e a sua homóloga da Croácia não são físicas — Kolinda Grabar-Kitarović é mulher e tem menos 19 anos — mas comportamentais. Para uns popular, para outros populista, a presidente croata deslumbrou muita gente no Mundial de futebol com… afetos.

Primeiro foi a viagem à Rússia, paga do próprio bolso, para ver os quartos de final com a Inglaterra — tal como o Presidente da República português fez no Europeu de 2016, para assistir à meia-final da competição. A diferença é que Rebelo de Sousa viajou de Falcon, da Força Aérea, e Kitarović, em classe económica. Depois, foram as muitas selfies com populares a caminho da Rússia que chamaram a atenção — comportamento no qual Marcelo Rebelo de Sousa também é pródigo. Por último, as fugas ao protocolo que o presidente português também conhece bem, como as idas ao balneário depois da meia-final para abraçar os jogadores croatas num momento informal (muitos preparavam-se para tomar banho), jogos vistos da bancada e não da tribuna, cumprimentos calorosos e com fair-play a todos os intervenientes da final França-Croácia, que a seleção gaulesa venceu por 4-2.

A sua postura durante uma das competições desportivas mais importantes do mundo tornou-a aclamada na Internet e nas redes sociais. As suas posições políticas e ideológicas foram colocadas fora de análise e a própria Kolinda Kitarović fez por isso, quando já este domingo disse, numa entrevista à Associated Press, que “o desporto junta as pessoas” e que “as pessoas estão cansadas das diferenças ideológicas, que estejamos sempre a voltar a [discussões de] passado”. Na intervenção política e no seu país, porém, Kolinda Kitarović não reúne o consenso que reuniu durante o Mundial de futebol. Também tem críticos e passou por situações polémicas.

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Da direita conservadora à direita liberal

Num certo sentido, até o percurso político de Kolinda Grabar-Kitarović tem semelhanças com o percurso do homólogo português. Como Marcelo Rebelo de Sousa, Kolinda Grabar-Kitarović é católica, é de direita, aproximou-se do centro e, hoje, parece querer ser uma figura consensual, que una os “dois países políticos” da Croácia com carisma e afetos.

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A PR croata que fala fluentemente inglês, espanhol e português (além da sua língua original) e que tem também alguns conhecimentos mais básicos de francês, alemão e italiano, integrou até 2015 o partido União Democrática da Croácia (HDZ), de direita conservadora. A sua filiação no partido ficou em suspenso a partir desse ano por um motivo: em fevereiro, Grabar-Kitarović tornou-se na primeira mulher presidente da Croácia e a personalidade mais nova a ascender ao cargo. Tinha, então, 46 anos.

Já tendo trabalhado como ministra dos Negócios Estrangeiros, embaixadora da Croácia e Secretária-Geral Assistente da NATO para a diplomacia pública, Kitarović viveu os seus momentos mais polémicos antes de chegar à presidência. Um dos momentos que mereceu mais críticas, vindas em especial da esquerda croata, aconteceu quando Grabar-Kitarović enviou condolências à família do croata Slobodan Prajlak, antigo general bósnio-croata que se suicidou. Praklak, que foi condenado por cometer crimes de guerra, crimes contra a humanidade e infrações às normas da Convenção de Genebra, foi descrito por Grabar-Kitarović como “um homem que preferiu dar a sua vida, em vez de a viver, por ter sido condenado por crimes que ele acreditava não ter cometido”. A presidente do país revelou ainda ter dúvidas sobre se Prajlak era mesmo culpado dos crimes de que foi condenado pelo Tribunal Criminal Internacional, que lhe aplicou uma pena de 20 anos de prisão.

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A julgar pelas posições recentes, Grabar-Kitarović, formada na Universidade de Zagreb com licenciatura em Artes nas línguas e literaturas inglesa e espanhola e com mestrado em Relações Internacionais, pode ser considerada uma liberal de direita, já que à ligação estreita com o partido HDZ somou uma posição libertária nos costumes. Ao contrário da ala mais à direita desta formação política — que se aproxima em numerosos pontos da direita radical –, Grabar-Kitarović já defendeu em declarações públicas a possibilidade do aborto, o uso de canábis para fins medicinais e os direitos das pessoas LGBT. Em 2014, disse mesmo que apoiaria um filho ou uma filha se estes lhe dissessem que eram homossexuais. Grabar-Kitarović tem dois filhos, Katarina (de 17 anos) e Luka (de 15) e é casada desde 1996 com Jakov Kitarović.

Outra das polémicas em que a presidente croata esteve envolvida foi a condenação do ex-Primeiro-Ministro croata Ivo Sanader por crimes de corrupção. Apesar de ser algo que a afetou indiretamente, a condenação originou muitas críticas à atual presidente, que integrou o Governo de Sanader (como Ministra dos Negócios Estrangeiros) e que lhe era muito próxima. Numa entrevista recente à Euronews, a jornalista que inquiriu a presidente da Croácia sublinhou isso mesmo, dizendo que ela era “uma protegida” do então PM. Grabar-Kitarović disse então que não gostava muito do termo e sublinhou que desconhecia quaisquer crimes praticados pelo líder do seu governo.

Apesar da postura da presidente croata no Mundial ter sido enaltecida por muitas pessoas, também teve os seus críticos. O filósofo Sreko Horvat, num artigo publicado no The Guardian, criticou o que considerou ser a instrumentalização do Mundial “pelas forças nacionalistas e pela atual presidente, que, ao ser vista a saltar nos jogos, está a fazer campanha para as eleições presidenciais do próximo ano” na Croácia. Skreko Horvat é um pensador da esquerda radical democrática, estando muito próximo do economista e antigo ministro grego Yannis Varoufakis.