Os primeiro minutos de Sevdaliza em palco foram como um jogo do rato e do gato. No meio do fumo, escondida atrás de um arranjo de flores, a cantora foi mostrando apenas um pouco de cada vez: primeiro um braço, depois o outro braço, uma perna e uma mão que deslizava pelo ar. Embalada por uma banda sonora que denunciava as suas origens — apesar de ter crescido na Holanda, Sevdaliza nasceu no Irão –, a cantora dançou e dançou até que chegou a altura de tirar as flores e de olhar o público olhos nos olhos. As palmas foram muitas e Sevdaliza (que, na verdade, se chama Sevda Alizadeh) decidiu oferecer em troca um pouco do seu português, uma das cinco línguas que fala de forma fluente: “Boa noite, Lisboa!”, cumprimentou. Não seria a única frase dita em português e não seria a única vez que deixaria o público boquiaberto durante um concerto que a coroou rainha do festival.

Sevdaliza, estrela menor de um cartaz de muitas constelações, começou o concerto do Super Bock Super Rock, o penúltimo no Palco EDP, com o tema “Voodoov”. Depois, passou para “The Insider”. Sempre em passo de dança, sempre enchendo um palco que parecia demasiado grande só para ela, um baterista (Anthony) e um teclista (Leon). Mas a iraniana é uma artista a sério — não precisa de artimanhas — e o público soube notar isso desde o início. Quando, entre as músicas “The Insider” e “Scarlette”, se fez silêncio, o que se ouviu debaixo da pala de Siza Vieira foi sobretudo a ovação do público, as palmas, e uma voz que gritou: “Divaaaaa!”.

A cantora até pode ter potencial para ser uma diva — a voz é potente, a dança hipnotizante, sensual, e a presença em palco arrebatadora –, mas a sua atitude é de alguém muito humilde, que teve de lutar muito para chegar onde chegou. E Sevdaliza fez questão de referir isso mesmo. Depois de “Hubris”, tema do novo álbum ISON — que saiu em abril do ano passado e que serviu de pretexto à última passagem em Portugal no Vodafone Mexefest –, admitiu que queria contar “um bocadinho” da sua história. “Acho que é importante partilhar o nosso percurso com a audiência porque, sem vocês, não teria sido capaz de fazer nada disto. Sou uma artista verdadeiramente independente.”

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A iraniana (que chegou a ser jogadora de alta competição de basquetebol) lançou-se no mundo da música eletrónica em 2012. Ao contrário de muitos outros artistas, Sevdaliza — cujas influências vão desde os Portishead aos Massive Attack — nunca procurou a ajuda de uma grande editora. Sempre quis ser independente, mesmo que isso implicasse ter de se esforçar mais do que os outros. Depois de quatro EPs, lançou finalmente o primeiro longa duração — o muito elogiado ISON — pela sua própria editora, a Twisted Elegance. “Às vezes demoramos dez vezes mais a alcançar alguma coisa, mas vale a pena”,  disse, durante o concerto deste sábado no Parque das Nações. “Obrigada.”

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Depois de “Human”, um dos momentos mais bonitos do espetáculo deste sábado, a cantora revelou ter uma “nova versão” da mesma música. “É a primeira vez que a vou tocar porque a guardei especialmente para vocês”, disse, antes de começar a cantar os primeiros versos, “Eu sou, eu tenho, eu inspiro”, assim mesmo, em português. Quando cantou o refrão pela segunda vez, agora na língua do público, os versos “Eu sou humana / Nada mais do que humana” parecem ter ganho um novo significado. Um verdadeiro significado. Com as suas fragilidades, a sua música independente, Sevdaliza é humana, nada mais do que humana, e não tem pretensões de ser outra coisa. Afinal, é feita de “carne”, “ossos”, “pele” e “alma”, tal como os fãs que gritavam na primeira fila do seu concerto, que sabiam as suas letras de cor e que encheram o espaço junto ao antigo Pavilhão de Portugal. No final, Sevdaliza, juntou-se a eles — aos humanos como ela — e distribuiu abraços.

Pouca festa e algum vinho branco sob a pala de Siza

Foi a Isaura que coube fazer as honras da casa. A cantora portuguesa foi a primeira a subir ao Palco EDP neste último dia do Super Bock Super Rock, numa altura em que o recinto estava ainda a meio gás. Isaura — que lançou há pouco mais de um mês o primeiro álbum de originais, Human, profundamente inspirado pela morte da avó, que deu origem à música “O Jardim” que levou ao Festival Eurovisão da Canção — apresentou um alinhamento cheio de coisas novas e até trouxe uma surpresa até ao Parque das Nações: Diogo Piçarra. Infelizmente, a cantora nunca chegou a ter uma assistência composta debaixo da pala de Siza Vieira.

Baxter Dury, que tocou a seguir a Isaura no mesmo palco, gosta de beijos. De beijos de amor, de beijos de ódio e até de beijos homicidas (porque beijar alguém antes de matar essa pessoa é “a melhor vingança”). Mas o que Dury gosta mesmo é de enviar beijos através do microfone. É que um beijo vale mais do uma “palavra, uma frase ou um volume”, daqueles que se vendem por aí. Por isso, não faltaram durante o concerto do britânico neste sábado, no Super Bock Super Rock. Isso e vinho branco num copo de pé alto.

Dury apareceu no Palco EDP enquanto os portuenses Sunflowers atuavam no Palco LG by Rádio SBSR e começou com “Isabel”. O tema não foi escolhido ao acaso — foi inspirado em Portugal e a letra inclui versos como “Isabel’s sleeping, Isabel’s sleeping / I think my mate slept with you when you were in Portugal”. Seguiu-se “Listen”, “Mungo”, “Almond Milk”, “Oi”, a mais ritmada “Trellic”, a mais rockeira “Picnic on the edge” e muitas outras que serviram para mostrar o quão eclético e incompreensível Baxton Dury consegue ser.

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Apesar de ter crescido num meio musical (o pai é o lendário vocalista da banda de rock The Blockheads), foi só aos 31 anos, depois da morte de Ian Dury que Baxter Dury começou a levar as coisas da sério. Editou o primeiro álbum, Len Parrot’s Memorial Lift, em 2002, mantendo desde então um ritmo consistente de lançamentos e consolidando a sua posição na indústria musical. O último disco, Prince of Tears (2017), chegou a número 49 na tabela de vendas do Reino Unido, a melhor posição alcançada pelo músico britânico. Ao contrário do pai, um rockeiro à maneira, o estilo de Dury é difícil de definir. O músico de 46 anos mistura influências e estilos, criando um som muito próprio, sempre com uma perninha no rock.

É certo que a estranheza da sua música pode provocar, ao início, algumas reticências, mas com um pouco de paciência é possível descobrir o que está para além da dança bizarra e robótica de Dury — um mundo único. O mundo único de Baxter Dury. Depois da impressão inicial (havia muita gente de olhos arregalados a tentar perceber o que é que se estava a passar em palco), o público acabou por se deixar convencer e entregar-se à dança. O britânico até conseguiu arrancar aplausos entusiastas, quase ovações, enquanto sorria de copo na mão.

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Depois de Sevdaliza, que tocou logo a seguir a Baxter Dury, subiram ao palco os míticos The The. No ativo desde finais dos anos 70, o grupo já passou por muito. Teve diferentes formações, músicos muito diferente, mas manteve sempre Matt Johnson na voz e na liderança. Com uma grande legião de fãs, o grupo britânico conseguiu encher o espaço em torno do Palco EDP, uma proeza num dia em que até a Altice Arena esteve pouco mais do que cheia. O alinhamento atravessou os diferentes álbuns da banda e incluiu os temas mais famosos, que todos gostam de ouvir e cantar: “Heartland”, logo no início, e “This is the Day”.

Ó Julian, mas o que é que te aconteceu, Julian?

Julian Casablancas tinha tudo para ser um dos nomes mais aguardados deste último dia do Super Bock Super Rock. Com vários anos de carreira, o vocalista é um nome bem estabelecido na cena rock norte-americana, em grande parte graças à sua antiga banda, The Strokes. Um lugar que, se continuar assim, não vai manter durante muito tempo. O que se passou esta noite na Altice Arena, onde fica o palco principal do Super Bock Super Rock, é difícil de narrar. Como explicar um concerto que não tem explicação possível? Como falar sobre música que não se parece com coisa nenhuma e sobre uma banda que parece perdida no tempo, no espaço?

O Julian Casablancas de 2018 é muito diferente do Julian Casablancas dos tempos dos Strokes. Calcula-se que a voz grave continue mais ou menos a mesma, mas é difícil de perceber por causa dos inúmeros efeitos que o vocalista insiste em usar. Já a música dos The Voidz, a banda que formou em 2013 depois do fim dos Strokes, não é carne nem é peixe, não é rock nem é eletrónica. Não é boa nem nunca vai ser. É uma mistura de coisas tão diferentes que nunca poderiam funcionar. Quem passou pela Altice Arena, deve ter sonhado com um laivo de Strokes, mas depressa acabou por perceber que isso não ia acontecer. Dos Strokes, banda brilhante da primeira década deste século, não sobrou nada e Casablancas faz questão de não incluir nem uma música na maioria doa alinhamento para não criar falsas expectativas. Por um lado ainda bem. O sagrado não se deve misturar com o profano.

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O fiasco do último grande concerto da edição de 2018 do Super Bock Super Rock foi tal que, passado pouco mais de meia hora, poucas pessoas sobravam na Altice Arena. Não é de surpreender já que, dez minutos depois de Casablancas e os The Voidz terem subido ao palco, era tanta gente a entrar como a sair. Felizmente, havia música no Palco Somersby, na Sala Tejo. Sofi Tukker e o DJ Big fecharam uma noite onde Julian Casablancas, o famoso vocalista dos The Strokes, deixou apenas uma muito má impressão.