Como jogador, foi um dos símbolos do V. Setúbal, clube no qual envergou a braçadeira de capitão durante largos anos e onde esteve 24 temporadas, sendo a única equipa que representou a nível profissional num caso cada vez mais raro no futebol. Dentro de campo, conquistou dois títulos: o Campeonato do Mundo de Sub-20, ao serviço de Portugal, em 1989; e uma Taça de Portugal, na última época com a camisola dos sadinos, em 2004/05; enquanto técnico, já soma três conquistas ao comando das Seleções Nacionais, com a história a começar em 2015, quando levou a equipa de Sub-17 a vencer o FA Torneio Internacional, antes de, em 2016, se sagrar campeão europeu nesse mesmo escalão. A mais recente página dourada do currículo de Hélio Sousa surgiu no passado domingo, quando levou a formação Sub-19 à conquista do campeonato da Europa, sendo a primeira vez que uma seleção conquista ambos os europeus no mesmo ciclo geracional.
Os primeiros pontapés na bola remontam ao ano de 1980, quando iniciou a sua formação no modesto Brejos de Azeitão. Com o castelo de Palmela no horizonte, Hélio Sousa cresceu na Reboreda, em Setúbal, e foi ganhando o gosto pelo futebol. O gosto transformou-se em amor e, depois de realizar captações no Bonfim, o atual técnico campeão da Europa Sub-19 instalou-se no Vitória, dando início a uma ligação que se estenderia por quase um quarto de século. Chega ao Bonfim com cerca de 12 anos e nos sadinos acaba o processo de formação, jogando até aos juniores e, um ano antes do previsto, acaba por integrar a equipa sénior do conjunto do Sado, na época 1987/88.
Nas duas primeiras épocas no emblema sadino, Hélio Sousa realiza 19 partidas e garante um lugar nos eleitos de Carlos Queiroz para o Mundial que se disputava na Arábia Saudita, no verão de 1989. Ao lado de nomes como Fernando Couto, João Vieira Pinto, Paulo Sousa ou Jorge Couto, Hélio Sousa sagra-se campeão do mundo, naquela que é uma conquista histórica para as cores nacionais (dois anos depois, novamente com Carlos Queiroz ao comando, Portugal sagra-se bicampeão do mundo de Sub-20 em Lisboa, com uma geração que contava, entre outros, com Rui Costa, Luís Figo, Jorge Costa ou Peixe).
De regresso a Setúbal, ganha um alcunha que o acompanhou durante toda a carreira: Fininho. A origem vem da sua constituição física, aparentemente frágil e magra, e foi dada pelos elementos mais velhos do então plantel sadino. Depois do Mundial, Hélio Sousa vai ganhando o seu espaço na equipa principal sadina e começa a assumir um meio-campo que seria o seu habitat natural durante largos anos. O médio vai somando presenças, ganhando experiência e estatuto no Bonfim e, com naturalidade, a braçadeira de capitão encontra uma nova casa no seu braço esquerdo. No Campeonato Nacional, o inevitável destino do Vitória foi quase sempre lutar pela manutenção, com algumas gracinhas pelo meio, mas sem grandes hipóteses de amealhar títulos; nas taças, o destino acabou por sorrir a Hélio, com uma conquista que acabaria por ser quase uma recompensa pela carreira ao serviço dos sadinos. Foi na última temporada do médio enquanto jogador profissional, em 2004/05, que o Vitória de José Rachão realizou uma notável campanha na Taça de Portugal, acabando por vencer o Benfica campeão uma semana antes na final do Jamor por 2-1. Hélio Sousa nem saiu do banco nessa partida, mas o único título ao serviço do Vitória acabou por fechar com chave de ouro uma carreira de jogador que teve 25 anos.
Ao todo, foram mais de 300 jogos com a camisola do V. Setúbal, 49 internacionalizações entre os escalões Sub-16, Sub-18, Sub-20, Sub-21 e AA, um título de campeão do mundo Sub-20 e um de vice-campeão europeu Sub-18 por Portugal e uma Taça ao serviço do clube do Sado. Carreira mais do que suficiente para, aliada à personalidade e capacidades de Hélio Sousa, dar lugar a um percurso bem sucedido enquanto treinador. “O Hélio faz parte do grupo de jogadores que sempre se viu que a carreira não ia ser como empregado de escritório ou bancário, mas, sim, como treinador. E cá está ele. Era um rapaz que não precisava de falar para ser ouvido pelos colegas, uma vez que lhe tinham muito respeito”, conta Carlos Cardoso, que treinou o médio sadino no Vitória, antes de ser seu adjunto no comando técnica da formação vitoriana: “Há jogadores que se atingem o cargo de capitão é porque os treinadores veem que têm certas características para ser aproveitadas. A escolha para capitão era sempre feita sabendo que o jogador era querido pela massa associativa e todos já viam nele um capitão que poderia dar treinador”, explica, em declarações ao site Bancada.
Também Chumbita Nunes, presidente dos sadinos entre 2003 e 2006, era apologista da versão treinador de Hélio Sousa. “Entendi que ele poderia ter perfil para ser treinador. Fui eu que o convidei pela primeira vez. Convidei-o porque tinha sido jogador e tinha um bom relacionamento com os ex-colegas. Foi aí que ele se lançou”, conta o ex-presidente sadino, que, em 2005/06 chamou Hélio para o banco de suplentes do clube, substituindo Luís Norton de Matos. A primeira época até correu bem, com o V. Setúbal a chegar à final do Jamor, quase repetindo uma conquista histórica, mas sendo batido no derradeiro encontro pelo FC Porto. Na temporada seguinte, a sorte de Hélio já não foi a melhor e o técnico acabaria mesmo por abandonar o clube ao final de quatro jogos, um deles a Supertaça perdida também para os dragões. De Setúbal seguiu para a Covilhã, onde comandaria o Sporting local, mas apenas durante cinco jogos, antes de voltar para a Federação Portuguesa de Futebol, onde tinha estagiado no início da sua carreira de treinador.
E é em 2010 que chega ao comando de uma Seleção Nacional, a Sub-18 para ser mais concreto. Iniciava-se o percurso de Hélio Sousa na Federação, que ganhava um novo e bem sucedido rumo em 2015, com a chegada aos comandos da Seleção Sub-17 constituída maioritariamente pela talentosa geração de 1999. Rapidamente Portugal conquista o FA Torneio Internacional, em agosto de 2015, antes daquela que seria o primeiro grande feito de Hélio enquanto treinador: o título de campeão europeu de Sub-17. Portugal chegava ao Azerbaijão para disputar o grupo com a seleção da casa, com a Bélgica e a Escócia. Os comandados de Hélio Sousa terminaram o grupo na primeira posição e, até à final onde venceram a Espanha nas grandes penalidades, superaram a Áustria (2-0) e a Holanda (2-0). Estava escrita a primeira página dourada de uma geração que prometia não ficar por ali.
Um ano depois, novamente com Hélio Sousa aos comandos, Portugal chega à final do Europeu de Sub-19, onde é derrotada pela Inglaterra por 2-1. Antes, em 2014, a Seleção Nacional já tinha estado no derradeiro encontro do Europeu, mas a Alemanha tinha levado a melhor (1-0). Este ano, Portugal chegaria à terceira final de Europeus Sub-19 em cinco anos, a segunda consecutiva. Mas a história seria diferente: depois de uma fase de grupos onde bateu a Noruega (3-1) e a Finlândia (3-0), tendo perdido apenas com a Itália (3-2), Portugal goleou a Ucrânia por 5-0 na meia final da prova, antes de voltar a medir forças com o conjunto transalpino, invencível até então. No encontro decisivo, Portugal esteve duas vezes em vantagem, não a conseguiu segurar, mas à terceira foi de vez e o 4-3 assinado por Pedro Correia carimbaria o título europeu Sub-19 para a Seleção Nacional.
Portugal é campeão da Europa de Sub-19 ao vencer a Itália por 4-3 em final de loucos
No final, Hélio Sousa falava da importância do ciclo vivido com um grupo de jogadores que o acompanha desde 2015 e a quem se adivinha um futuro promissor: “A consequência do que fizemos nestas cinco finais é ter criado um momento único para Portugal, para esta geração em particular. Muito nos honra representar Portugal nestes eventos”, afirmava o técnico, acrescentando: “Esta é uma geração que tem tido quantidade na qualidade, devemos também muito aos clubes no investimento cada vez maior nas infraestruturas e nos recursos humanos para ajudar estes jogadores a evoluírem e a serem mais fortes. E nós temos sido um parceiro ideal para potenciá-los e desenvolver as suas capacidades, dando-lhes as melhores competições para mais tarde vermos, a cada geração que passa, chegar um ou dois jogadores à Seleção A. Essas são as nossas medalhas, é isso que nos enche o coração“.
Já na chegada a Portugal, em pleno aeroporto Humberto Delgado e com centenas de portugueses em euforia, Hélio Sousa não esqueceu o trabalho feito pelos seus antecessores e por toda a estrutura que compõe as equipas técnicas das diferentes Seleções Nacionais. Esta é, aliás, uma relação próxima e duradoura, já que muitos dos técnicos atualmente à frente dos escalões de formação portugueses foram campeões do mundo em 1989 ou 1991, com Carlos Queiroz. Para além de Hélio Sousa (Sub-19), Filipe Ramos (Sub-15), Emílio Peixe (Sub-16) e Rui Bento (Sub-17) sabem o que é vencer enquanto jogador e transmitem esse conhecimento para as gerações do presente.
“Foi um trabalho muito árduo desenvolvido nestes anos e temos tido um grupo excelente de jogadores extraordinários. Têm estado disponíveis para aprender e assim continuarmos a evoluir e a desenvolver uma identidade de jogo. Fizemos história com esta geração, única, na Europa”, afirmou o técnico campeão da Europa, destacando o trabalho feito ao longo dos últimos anos: “Não há segredo nenhum em especial. Nos últimos nove, dez anos de trabalho em que temos desenvolvido esta identidade com este grupo de treinadores é a terceira vez que estamos na final. Nas outras duas vezes também tivemos todas as condições: excelentes jogadores e alguns que já estão a representar a Seleção Nacional. Demos tudo, fomos à procura da superação e desta vez conseguimos trazer merecidamente mais uma vitória para o nosso lado”.
Questionado sobre o futuro e um possível cargo na Seleção Nacional A, Hélio Sousa não hesitou e manteve os pés no chão. “O meu futuro é o imediato. É um prazer enorme estar neste espaço. Foi com um prazer enorme que aceitei o convite há nove anos para trabalhar para as Seleções Nacionais. É o sentimento de poder retribuir o que há 30 e tal anos a federação, o que o professor Carlos Queiroz, o professor Nelo Vingada, e muitos outros, nos deram: este amor e gosto de representar Portugal. Estamos a transmitir os valores que nos deram no passado. É um prazer enorme transmitir esta experiência e desenvolver uma qualidade de jogo muito boa”, confessou o treinador.
Com títulos europeus em Sub-17 e Sub-19, é de prever que Hélio Sousa prossiga o trabalho com este grupo de jogadores, orientando assim a Seleção Sub-20 que marcará presença no Mundial da Polónia, em 2019. O técnico sadino, que já igualou António Volante com dois títulos ao serviço de Portugal (Europeu de Sub-16, em 2000, e de Sub-17, em 2003), procurará chegar a um patamar apenas ocupado por Carlos Queiroz (bicampeão mundial de Sub-20, em 1989 e 1991, e campeão europeu de Sub-16, em 1989) e Agostinho Oliveira (Europeu de Sub-18, em 1994 e 1999, e de Syb-16, em 1996), com três títulos ao comando de Seleções Nacionais. E esta geração de 1999 parece ter tudo para continuar a escrever a letras douradas a história portuguesa no mundo do futebol.