O Presidente devolveu à Assembleia da República, sem promulgação, o Decreto n.º 233/XIII, relativo ao exercício do direito de preferência pelos arrendatários. Numa nota publicada esta quarta-feira no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa explica que decidiu vetar a lei “por duas razões específicas”, relativamente às quais solicita clarificações à Assembleia da República.
As “duas razões específicas” avançadas por Marcelo são as seguintes:
- “A falta de indicação de critérios de avaliação para o exercício do direito de preferência, que existia em versão anterior do diploma”;
- “O facto de, tal como se encontra redigida, a preferência poder ser invocada não apenas pelos inquilinos para defenderem o seu direito à habitação, mas também por inquilinos com atividades de outra natureza, nomeadamente empresarial”.
O Parlamento aprovou, no passado dia 18 de julho, em votação final global, um texto de substituição ao diploma do Bloco de Esquerda para “aprimoramento” do exercício do direito de preferência pelos arrendatários, eliminando o critério de duração do arrendamento para a transmissão de habitações. O texto de substituição ao projeto de lei do Bloco de Esquerda foi aprovado com os votos contra do PSD e do CDS-PP e os votos favoráveis das restantes bancadas parlamentares.
Neste âmbito, a proposta legislativa aprovada, que visava alterar o Código Civil para “aprimoramento” do exercício do direito de preferência pelos arrendatários, eliminava o critério de duração do contrato de arrendamento para o exercício do direito de preferência pelos inquilinos na transmissão de habitações, acrescentando que tal era possível, “ainda que inserido em prédio não sujeito ao regime da propriedade horizontal”.
Bloco de Esquerda: devolução vai criar “situação muito difícil para milhares de pessoas”
O Bloco de Esquerda, partido que aprovou o diploma agora vetado por Marcelo, considera que a não promulgação do decreto numa altura em que a Assembleia da República está encerrada irá criar uma “situação muito difícil para milhares de pessoas” que “vão estar confrontadas, nos próximos tempos” com a venda de imóveis sem poderem exercer o direito de preferência. Os trabalhos só serão retomados em setembro, o que significa que só nessa altura o decreto poderá ser revisto no Parlamento.
“Esta devolução do diploma vai atrasar o processo e vai criar muita dificuldade”, afirmou ao Observador o deputado bloquista Pedro Soares, frisando que “a devolução por parte do Sr. Presidente da República” provoca uma “grande preocupação” ao Bloco de Esquerda. “O Sr. Presidente da República devolve um diploma que esta fechado”, numa altura em que o Parlamento “não tem qualquer capacidade para reagir no imediato”, assinalou o deputado.
Relativamente ao diploma, Pedro Soares garantiu que o Bloco de Esquerda “está disponível para analisar as questões que o Sr. Presidente coloca”, trabalhando em conjunto com os outros grupos parlamentares e procurando que a que a revisão do documento seja feita o mais rapidamente possível e a nova votação marcada “logo em setembro, no início da sessão legislativa”. Para o Bloco de Esquerda, está em causa um “direito elementar”, ao qual os inquilinos estão neste momento impedidos de aceder.
PSD: “Decisão acertadíssima”
Em declarações à Lusa depois do veto de Marcelo Rebelo de Sousa, o deputado do PSD António Costa e Silva afirmou que “foi uma decisão acertadíssima e esperada” pelos sociais-democratas dado que “põe em causa o mercado de arrendamento”.
Para Costa e Silva, há disposições da lei aprovada pelos partidos de esquerda no parlamento que “colocam em risco o direito à propriedade privada” e o artigo 62.º da Lei Fundamental, que garante a todos “o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”.
António Costa e Silva afirmou ainda que este tipo de diplomas, em que arrendatários ficam com mais tempo para decidir se querem ficar com a casa, dificulta o arrendamento de casas.
“O mercado estava a funcionar e, com estas medidas, ninguém arrenda nada outra vez”, afirmou o deputado social-democrata, que atacou as opções da “esquerda radical”, PS, BE, PCP e PEV, que apoia o Governo minoritário socialista.
A “esquerda radical” ataca “tudo o que mexe”, “tudo o que é propriedade privada” ou que se destina a um “melhor funcionamento do mercado de arrendamento”, conclui.
António Costa e Silva não foi claro sobre o que deve agora a Assembleia da República fazer ao diploma devolvido pelo Presidente, mas admitiu que lei que é “mal feita, feita à pressa, não faz sentido, não tem ponta por onde se lhe pegue”.
A alternativa poderá ser, “como o PSD já propôs”, o Estado aplicar subsídios de renda “para as situações mais frágeis da sociedade”, investir no seu património para o mercado de arrendamento e “ajudar a baixar os preços” por que “com mais oferta, melhor é o preço”, descreveu.
Proprietários: uma alteração “condenada ao fracasso”
Os proprietários aplaudiram decisão de veto ao diploma por considerarem “uma aberração jurídica”, mas defendem que o Presidente da República deveria ter solicitado o apoio do Tribunal Constitucional.
“Qualquer jurista com conhecimentos mínimos sabe que esta alteração estava condenada ao fracasso”, declarou à Lusa o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, indicando que o diploma carece de fundamentação jurídica.
Com uma posição semelhante, o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, disse que o diploma “não só era uma aberração jurídica como também mais um elemento do combate contra os direitos legítimos dos proprietários relativamente à sua propriedade”.
“Em vez de vetar politicamente a lei, deveria tê-la mandado para o Tribunal Constitucional, isso era o que se exigiria perante as dúvidas de constitucionalidade que têm surgido”, afirmou Luís Menezes Leitão, lamentando, ainda, que o Presidente da República não tenha assegurado uma proteção constitucional ao direito de propriedade em Portugal.
Para o presidente da ANP, “esta alteração ao Código Civil como estava gizada é evidente que estava condenada ao fracasso”, já que não se pode obrigar todos os proprietários a constituírem as suas propriedades em propriedade horizontal.
“O direito de preferência só faz sentido quando está constituída a propriedade horizontal, em que a pessoa tem direito de preferência em relação à habitação em que está”, indicou António Frias Marques.
Na perspetiva do representante da ALP, Luís Menezes Leitão, a justificação apresentada pelo chefe de Estado para vetar o diploma “é muito frágil”, já que “mais uma vez se verifica que não está a atender aos gravíssimos problemas que se estão aqui a colocar relativamente ao direito de propriedade em Portugal”.
“O senhor Presidente da República devia ter considerado que este diploma criava um ónus injustificadíssimo sobre a propriedade e que tinha sérios problemas constitucionais”, reforçou Menezes Leitão, manifestando-se “bastante espantado” com a justificação de que o direito de preferência podia ser invocado por inquilinos com atividades empresariais já que “sempre existiu direito de preferência dos arrendatários comerciais em Portugal”.