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O coelho que saiu da cartola para calar o elefante na sala (a crónica do Sporting-V. Setúbal)

Este artigo tem mais de 5 anos

Nani carregou o leão às costas e ajudou-o a lamber as feridas. O 17 apontou dois golos e ainda atirou uma bola ao poste. No final do jogo com o V. Setúbal (2-1), fez a volta olímpica ovacionado.

Nani marcou o primeiro golo, fez o 2-1 e pelo meio ainda atirou uma bola à trave num livre direto
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Nani marcou o primeiro golo, fez o 2-1 e pelo meio ainda atirou uma bola à trave num livre direto

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Nani marcou o primeiro golo, fez o 2-1 e pelo meio ainda atirou uma bola à trave num livre direto

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

De entre todos os caminhos que podia escolher, José Peseiro escolheu o mais direto – o que, num certo vernáculo se pode chamar de “pegar o touro pelos cornos”. Mas não foi assim tão fácil. Na antevisão do duelo com o V. Setúbal, o técnico leonino estava ali sentado no Auditório Artur Agostinho, onde devia ter entrado uns minutos antes, mas não entrou, porque o Sporting estava demasiado ocupado com as suas próprias convulsões: à hora em que era suposto o técnico leonino falar aos jornalistas, a Comissão de Gestão tomou o seu lugar para responder a Bruno de Carvalho – que, um dia antes da estreia da equipa em Alvalade esta temporada, resolveu voltar a colocar tudo em polvorosa reclamando de novo para si a presidência do clube.

Mas dizíamos que não foi assim tão fácil arrancar algo substancial das palavras de José Peseiro. É que o técnico levava a lição bem estudada. Fintou a primeira pergunta: “Não falo sobre esse tema”. Fintou a segunda: “Já disse que não falo sobre esse tema”. À terceira explodiu. Sem sequer deixar o jornalista terminar a pergunta, pegou ele na batuta e disse aquilo que lhe ia na alma, soltando a expressão que faria os títulos dos jornais. Tudo o que se passava era “uma coisa anormal”. “É no jogo com o V Setúbal que estamos focados, nem eu nem os meus jogadores temos de desviar a nossa atenção ou o nosso foco para qualquer coisa anormal – é mesmo anormal, vamos ser sinceros – que possa acontecer. Perante isso, é a minha obrigação e a dos jogadores, não pensar noutra coisa que não seja jogar. O jogo joga-se ali dentro e é com ele que estamos preocupados”, disse.

Já em 2005 Peseiro tinha conhecido a capacidade de o Sporting dar tiros nos próprios pés. Depois de deixar voar os vários pássaros que teve nas mãos – o mais expressivo a final da Taça UEFA disputada em Alvalade – enfrentou a ira dos adeptos: os lenços (em alguns casos até lençóis) brancos nas bancadas e até uma tentativa de invasão ao Edifício Visconde de Alvalade, onde então funcionava a SAD. Agora, 13 anos depois, foi outra invasão, mas a da Academia, que gerou um turbilhão, inflamado pela tentativa de Bruno de Carvalho de retomar o poder, esta sexta-feira. Além dos cacos que José Peseiro já tinha para juntar, enfrentava agora um plantel desestabilizado, podendo comprometer o resultado nas vésperas da importante deslocação à Luz.

Ficha de jogo

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Sporting-V. Setúbal, 2-1

2.ª jornada da Primeira Liga

Estádio José Alvalade

Árbitro: Manuel Oliveira

Sporting: Salin; Ristovski, Coates, Mathieu e Jefferson; Misic (Jovane, 59′) e Battaglia; Nani (Petrovic, 84′), Bruno Fernandes e Acuña; Bas Dost (Montero 46′).

Suplentes não utilizados: Renan, André Pinto, Petrovic, Raphinha, Wendel, Jovane e Montero.

Treinador: José Peseiro

V. Setúbal: Cristiano; Mano, Vasco Fernandes, Nuno Reis e Nuno Pinto; Costinha (Éber Bessa, 67′), Semedo e Rúben Micael (Alex, 84′); Zequinha (Hildeberto Pereira, 70′), Cádiz e Mendy.

Suplentes não utilizados: Pereira, Alex, Eber Bessa, André Sousa, Berto, Baba Fernandes e Valdo.

Treinador: Lito Vidigal

Golos: Nani (9′), Zequinha (19′)

Ação disciplinar: Cartão amarelo a Bruno Fernandes (30′), Mendy (45′), Rúben Micael (52′), Vasco Fernandes (56′), Éber Bessa (89′) e Nuno Reis (90′)

 

José Peseiro tomou duas decisões – uma certa, outra nem tanto. Primeiro, fez uma alteração face ao jogo com o Moreirense, promovendo Misic ao lugar de Petrovic, que tinha pecado frente aos cónegos, tanto no critério que não imprimiu ao jogo como nas faltas que cometeu. Mas o croata também não resolveu os problemas no “miolo”: também ele não foi capaz de contribuir para a construção leonina e acabou por somar erros que podiam ter saído caros (um deles que permitiu a fuga de Zequinha).

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Peseiro introduziu também uma nuance tática: colocou Nani mais encostado à ala esquerda, em troca com Acuña. E foi exatamente ali que nasceu o primeiro golo da partida. O internacional português combinou com Jefferson no seguimento de um canto, apanhou-se com uma brecha para rematar e, quando ninguém o esperava (nem mesmo o guarda-redes Cristiano), tirou o coelho da cartola e inaugurou o marcador.

O Sporting sabia da importância do jogo – não só em termos anímicos, mas também porque o Benfica, próximo adversário dos leões, já tinha vencido no Bessa (2-0). Mas os problemas falaram mais alto. Não só os já citados a meio campo, onde parece que não há forma de substituir William Carvalho, como também na baliza, que voltou a ser assumida por Salin, na ausência de Viviano. O guardião francês fez uma fífia ao receber a bola na área, não conseguiu agarrá-la (talvez obstruído por Coates). Mendy chamou-lhe um figo e assistiu Zequinha, que pela primeira vez marcou a um grande. Por entre um passado que parece querer voltar, Peseiro ficou com dois problemas para resolver no futuro.

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O golo do empate esfriou a entrada leonina e semeou a impaciência nas bancadas – que começavam a assobiar as consecutivas perdas de bola leoninas. Coletivamente muita coisa continuava a falhar, tal como no jogo em Moreira de Cónegos; mas, desta vez, nem as individualidades pareciam resolver. Bruno Fernandes foi sempre alvo da marcação individual de José Semedo e, ao contrário do habitual, não conseguiu ser o principal elemento de ligação do jogo leonino, com muitas perdas de bola e receções falhadas. Com o meio campo assim condicionado, em parte graças ao bloco compacto dos sadinos, os processos eram lentos e previsíveis e o jogo leonino desligado. Curiosamente, foi um médio, Battaglia, que mais perigo causou junto de Cristiano com um cabeceamento a rasar a trave (35′), pouco antes de, do outro lado, Cádiz (36′) ter fugido da marcação para receber o passe de Costinha, pondo à prova Salin.

A segunda parte começou com uma surpresa: a saída de Bas Dost para a entrada de Montero. Ou nem tanto: o holandês andou desaparecido do jogo, não somando qualquer remate ou toque dentro da área, a acusar o problema físico no aquecimento. O colombiano, que não tem sido particularmente feliz no regresso a Alvalade (somou cinco golos em 21 jogos na época passada), teve o golo na cabeça (53′) após cruzamento pela esquerda de Jefferson – 0 brasileiro esteve particularmente ativo nas combinações atacantes do lado esquerdo – e ofereceu maior mobilidade ao ataque, colando mais o jogo do que tinha feito Bas Dost. Um minuto antes, Salin tinha voltado a comprometer, com uma saída em falso que quase permitiu a reviravolta a Cádiz.

O jogo estava preso no centro do terreno. Era preciso acelerá-lo. Era preciso Jovane Cabral. O jovem que cresceu nas camadas jovens leoninas, sobretudo com o técnico Tiago Fernandes, já tinha sido lançado frente ao Moreirense e com resultados: sofreu a falta que daria a grande penalidade concretizada por Bas Dost para a reviravolta. Outro treinador da formação, João de Deus, destapou-lhe os talentos há poucos dias: “Com 16/17 anos já era muito rápido, muito forte no um para um e também com grande capacidade de remate. Sendo destro, a jogar no lado esquerdo faz muitos movimentos interiores, tendo a baliza como alvo”.

Foi exatamente com a baliza na mira que o jovem, que se estreou em Alvalade, galgou terreno, levantou a cabeça, viu Nani ao segundo poste e fez um daqueles passes de régua e esquadro que são meio golo. O número 17 dos leões – que já tinha ameaçado na segunda parte com um remate de livre direto na trave (57′) – só teve de meter a cabeça para sentenciar o jogo (67′). Peseiro acabaria por ser bem sucedido na nuance tática que introduziu com a entrada de Jovane: não só pela assistência, mas também pelo maior rendimento de Acuña, que passou para o terreno central (descaído sobre a esquerda), ajudando a desmontar a muralha sadina e a transportar o jogo.

A partir daí, o Sporting jogou com o relógio na mão. Afinal, o mais importante estava feito. O bom filho voltou a casa para calar o ruído que se tem sentido fora do relvado e, no final, em plena comunhão com os adeptos, ainda fez a volta olímpica para os aplausos. José Peseiro, que antes do jogo tinha enfatizado a “coisa anormal” que marcara a véspera, assim que lhe foi apontado o microfone, após o jogo, sintetizou tudo numa ideia. “A primeira vitória foi quando chegámos ao estádio e estavam 40 mil adeptos. Mostraram que o Sporting é só um e que estamos unidos”.

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