Há menos de um mês, a NPR, rádio pública norte-americana, publicava um artigo com um título afirmativo: “As mulheres são a fábrica da pop do século XXI”. Depois da noite desta segunda-feira (madrugada em Portugal), o artigo soa premonitório, já que este ano os MTV Video Music Awards, ou simplesmente VMA, foram em grande medida para elas. A rapper Cardi B era a mais nomeada e levou três galardões para casa, mas as grandes vencedora da noite foram outras duas pessoas.

Uma foi Jennifer Lopez. Homenageada com o Michael Jackson Video Vanguard Award, um galardão de carreira já vencido por David Bowie, The Beatles, The Rolling Stones, David Byrne, Madonna, U2 ou artistas mais jovens como Kanye West e Rihanna, a atriz e cantora protagonizou um dos grandes momentos da cerimónia, quando proferiu um dos dois grandes discursos da noite (o outro foi de Madonna). Fazendo uma espécie de retrospetiva da carreira, “J-Lo” começou por dizer que cresceu com a MTV e que o seu percurso tem sido “uma viagem incrível”. Mas disse mais: que ao longo dos anos teve “os sonhos mais malucos” e viu-os “realizarem-se”.

As pessoas diziam-me: estás a fazer coisas a mais, só podes fazer uma coisa”, isto é, cantar ou ser atriz. “Mas sempre fui uma pessoa que se perguntou: porque não? Fiz as minhas próprias regras e tracei o meu próprio caminho. A minha vida foi sempre trabalho, trabalho, trabalho, até que dois anjos entraram na minha vida e tudo mudou”, afirmou, olhando para os filhos, Emme Maribel Muñiz e Maximilian David Muñiz, presentes na cerimónia, que decorreu no Radio City Music Hall, em Nova Iorque.

Com os olhos brilhantes, “Jenny from the block”, como também é conhecida a cantora, atriz e bailarina de ascendência portoriquenha que no próximo ano faz 50 anos, disse que as últimas duas décadas têm sido “a lutar e a acreditar” em si. Dedicou algumas palavras ao namorado Alex Rodriguez, que tornou a sua vida “melhor e mais doce” e que a fez “perceber que o céu não é o limite”. “És o meu macho e eu amo-te”. Jennifer Lopez prometeu ainda que apesar de se sentir “mais forte e melhor do que nunca”, vai continuar a trabalhar para “chegar mais alto e mais longe”. Ela que venceu ainda na categoria Melhor Colaboração com DJ Khaled e Cardi B e que antes do grande discurso tinha tido uma atuação marcante, cheia de efeitos visuais, fumos e um medley com muitos êxitos de carreira.

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Quem “roubou” os MTV Music Awards, porém, foi Camila Cabello, a grande vencedora da noite. Com apenas 21 anos, a cantora nascida em Havana, Cuba conseguiu vencer dois dos prémios mais desejados, o de Artista do Ano e do Vídeo do Ano, o último com o single “Havana”, em que participou também o rapper Young Thug. O segundo era o galardão mais importante e Camila Cabello recebeu-o das mãos de Madonna, de quem a jovem cantora disse ser fã incondicional: “Madonna, adoro-te tanto. Vi todos os vídeos dos teus singles e vi todos os documentários feitos sobre ti, isto é um momento surreal, adoro-te mesmo. Não posso acreditar”.

A concorrência era apertada. Para vencer os dois prémios, Camila Cabello derrotou pesos pesados da indústria musical norte-americana como Cardi B (nomeada em dez categorias, venceu três prémios, mas perdeu os principais), Ariana Grande (um VMA), Drake (sete nomeações, zero prémios), Childish Gambino (sete nomeações e três vitórias mas duas delas categorias técnicas), Bruno Mars e “os Carters” Beyoncé e Jay-Z (oito nomeações, dois VMA menores) . Um primeiro álbum a solo em que mostrou um bom desempenho vocal e em que se rodeou de alguns dos melhores produtores musicais da atualidade (destaque para Frank Dukes, que coordenou a sonoridade do álbum enquanto produtor executivo), intitulado simplesmente Camila, foi quanto bastou para a antiga integrante do grupo feminino Fifth Harmony terminar os MTV Video Music Awards como estrela maior. Ela que esteve quase sempre animada durante a cerimónia: foi filmada a cantar as músicas de outros artistas da plateia e a dançar de pé, inclusive com o colombiano Maluma, que desceu do palco e se juntou a ela para cantar e dançar “Felices los 4”.

“Não acredito que isto veio para mim”, atirou Camila Cabello quando estava no palco, agradecendo aos fãs, com quem tem uma relação que disse “ser para sempre”. Houve ainda uma palavra de apreço para derrotados como Drake e Ariana Grande e para as “artistas mulheres” que tiveram um grande ano musical, nas quais incluiu os nomes de Cardi B e Nicki Minaj.

Entre os restantes vencedores de prémios nos MTV Music Awards deste ano, destacaram-se o rapper e cantor Post Malone, que venceu na categoria Canção do Ano com “Rockstar” (single com participação do rapper 21 Savage) e Cardi B, que venceu nas categorias Melhor Novo/Nova Artista, Canção de Verão (“I Like It”, com Bad Bunny e J Balvin) e Melhor Colaboração (com Khaled e Jennifer Lopez, no single “Diñero”) mas que perdeu em algumas das maiores categorias para as quais estava nomeada. Já Nicki Minaj venceu na categoria de Melhor Vídeo de Hip Hop, com “Chun-Li”, e chamou “bitch” a Tiffany Haddish, que lhe entregou o galardão, por esta ter feito segundos antes uma piada relativa à saída de Camila Cabello do grupo Fifth Harmony.  Rita Ora e o falecido Avicii venceram na categoria de Melhor Vídeo de Dança, com “Lonely Together”, Ariana Grande venceu o Melhor Vídeo Pop com “No Tears Left To Cry” e J Balvin venceu na categoria Melhor Vídeo Latino com “Mi Gente”, para o qual o músico Willy William contribuiu (foi aliás ele que o recebeu, dado que J Balvin está em digressão no Japão).

Se as mulheres estiveram em destaque, os homens ficaram-se em grande parte por vitórias em categorias técnicas. Childish Gambino, um dos mais nomeados com “This Is America”, venceu nas categorias de Melhor RealizaçãoMelhor Coreografia, à qual somou uma vitória numa categoria recente, Vídeo com uma Mensagem, destinado às obras de reflexão sócio-política. Pouco, para um favorito. Quem recebeu o último prémio em palco foi precisamente a sua coreógrafa, o que fez com que não se ouvisse um muito esperado discurso sobre igualdade racial, tema de que o vídeo trata. É verdade que a coreógrafa mencionou o quão bom era ver “africanos dançar” neste palco, mas soou a pouco. Kendrick Lamar e SZA venceram na categoria de Melhores Efeitos Visuais, com “All the Stars”, os N. E. R. D. venceram na categoria de Melhor Edição por “Lemon” (tema com participação de Rihanna) e Hayley Kyoko venceu na nova categoria Artista Emergente do Ano. As categorias Melhor Direção Artística e Melhor Cinematografia foram para os Carters, isto é, para Beyoncé e Jay-Z, pelo vídeo “APES**T” (gravado no Louvre, em França). Já o Melhor Vídeo Rock foi para “Whatever It Takes”, dos Imagine Dragons.

As mensagens ocultas no novo videoclip de Childish Gambino

Nicki Minaj reclamou epíteto de “rainha” e Post Malone tornou-se mais um Aerosmith

No que toca às atuações, excluindo o medley de Jennifer Lopez, não houve muitas notas de registo. A noite arrancou com Shawn Mendes. O lusodescendente interpretou o êxito “In My Blood”, canção pop por excelência. Acabou encharcado em água em palco — mas fazia tudo parte do número artístico, como se vê aliás no vídeo do momento.

https://www.youtube.com/watch?v=0q9t9Yo1fmI

Entre as artistas emergentes da indústria musical norte-americana, Jessie Reyez é uma das mais promissoras e mostrou-o com uma interpretação sentida de “Apple Juice”. O rapper Logic interpretou “One Day” com Ryan Tedder, mas fez-se notar mais pela t-shirt anti-Trump que levava, onde se lia “Fuck the Wall” (em português, “que se fod* o muro”), e pelas crianças brancas e negras que levou para palco, que vestiam uma camisola dizendo “Somos todos seres humanos”.

https://www.youtube.com/watch?v=M6IRYQoX7mo

Mais estonteante foi Nicki Minaj. A cantora acaba de lançar o seu mais recente álbum com alguma polémica à mistura. O disco não chegou à liderança da lista dos mais ouvidos da semana e Minaj culpou tudo e todos, das plataformas de streaming que preferem promover a música de Drake (como o Spotify) às ferramentas de promoção do rapper Travis Scott, que a superou no ranking. Minaj não se fez rogada e apresentou, sem prudidos e na fascinante estação de metro do World Trade Center, um medley de canções de rap. Fê-lo vestida de Cleópatra, com um cenário que remetia para o antigo Egipto. A atuação, porém, pode ter sido previamente gravada.

https://www.youtube.com/watch?v=yGeb384QCJI

Ariana Grande e Travis Scott (este acompanhado pelo cantor e músico James Blake) foram outros dos artistas em destaque nas atuações. No final da cerimónia, Post Malone cantou o seu êxito “Rockstar” com 21 Savage e acabou como guitarrista e cantor adjunto dos Aerosmith no encerramento da noite. Apesar de ter uma sonoridade próxima do rap, Malone define-se como cantor, é através da voz (rugosa mas cheia de emoção) que marca a diferença e tem inclusive ligações ao rock e à música country.

https://twitter.com/sweetyhigh/status/1031749805544943616