A Tinta da China acusa o PCP de censurar o livro “Sou Eu Mais Livre, Então”, do ativista luso-angolano Luaty Beirão. De todos os livros que a editora selecionou para colocar à venda durante a Festa do Avante foi o único que voltou para trás. O motivo? Para não incomodar “os amigos do MPLA” que vão estar presentes na festa que marca a rentrée política do partido.
A acusação foi feita por Bárbara Bulhosa, editora da Tinta da China, através da sua página oficial de Facebook. “Acabo de saber que da lista de livros que selecionámos para estarem na Festa do Avante foi retirado o diário de prisão do Luaty Beirão, com o argumento de que incomodaria os camaradas do MPLA que irão à Festa. É uma tristeza verificar que para o PCP os presos políticos continuam a ter nacionalidade, e que os que interessam são só os nossos, durante o Estado Novo”, escreveu a editora.
Outra das figuras que recorreu às redes sociais para criticar a decisão dos comunistas foi Carlos Vaz Marques, que coordena a coleção de literatura de viagens da Tinta da China. O também jornalista confirmou que a organização da Festa do Avante não aceitou a venda do livro “Sou Eu Mais Livre, Então” e acusou o partido de fazer uma diferenciação dos presos políticos. “Para o PCP, os presos não são todos iguais”, escreveu no Twitter.
O Observador confirmou junto da Tinta da China que a venda foi proibida por parte do PCP por não quererem incomodar os representantes do MPLA que vão estar presentes na Festa do Avante. A editora disse ainda que não vai tomar qualquer posição formal quanto a esta polémica, lembrando que para já a única reação válida é a da editora Bárbara Bulhosa.
PCP nega responsabilidades. Luaty relativiza
Questionado pelo Observador, o PCP recusa ter qualquer responsabilidade sobre esta decisão. Numa resposta enviada por escrito,os comunistas explicam que a venda de livros na Festa do Avante “é da responsabilidade da Editora ‘Página a Página’, que assume os seus próprios critérios e opções editoriais quer quanto às editoras convidadas quer quanto aos títulos à venda”. E acrescentam: “Pela expressão e reconhecimento que o espaço granjeou ao longo de quatro décadas, expôs milhares de títulos, de largas dezenas de editoras, é natural que a editora responsável observe critérios seus de qualidade e seriedade nos títulos que põe à disposição dos visitantes”.
Assim, o PCP rejeita qualquer responsabilidade na decisão editorial de não aceitar que o livro de Luaty Beirão seja colocado à venda na festa da rentrée comunista. “O PCP rejeita assim as operações difamatórias vindas de quem sem crédito se move pelo preconceito e o mais primário anticomunismo”, concluem os comunistas.
O ativista angolano também respondeu ao Observador por escrito:
Desejo felicidades ao PCP. Que consigam convencer a juventude sujeita a outro tipo de opressões distintas das que existiam há 100 anos, que a ortodoxia de então continua a ser adequada para as lutas de hoje e que possam alargar a sua base de apoio”, disse Luaty Beirão em reação a esta notícia.
Luaty Beirão é um ativista luso-angolano que contestou fortemente o regime de José Eduardo dos Santos. Chegou a estar detido por pertencer a um grupo de 17 opositores do regime que foram acusados de conspirar contra o então Presidente de Angola. 15, incluindo o luso-angolano, foram condenados a prisão preventiva em 2015. O caso ganhou destaque internacional sobretudo depois de Luaty Beirão ter dado início a uma greve de fome que durou 36 dias e que o deixou extremamente debilitado, ao ponto de ter sido transferido para um hospital de Luanda.
O regime angolano sofreu muita pressão internacional para libertar os ativistas, que acabariam por ser libertados depois de terem sido apresentados vários recursos por parte da defesa. No ano passado, o grupo foi abrangido por uma amnistia presidencial. O livro agora proibido pela organização da Festa do Avante relata precisamente os dias em que Luaty Beirão esteve detido.