Depois de mais de 20 anos a trabalhar com estratégias individuais, ModaLisboa (Lisboa) e Portugal Fashion (Porto) assinaram ram um protocolo de “união de esforços na promoção da moda portuguesa”. O documento foi assinado esta terça-feira, 11 de setembro, no Porto, numa cerimónia presidida pelo primeiro ministro António Costa. “Houve abertura dos dois lados e o Governo também teve um papel de mediação importante”, refere ao Observador Adelino Costa Matos, presidente da ANJE, entidade organizadora do Portugal Fashion. “Houve uma vontade do Governo para que as duas organizações de harmonizassem”, acrescenta Eduarda Abbondanza, presidente da ModaLisboa.
No protocolo, ressalta o compromisso de cooperação entre as duas entidades, até aqui empenhadas em promover a moda nacional mas sem qualquer elo de ligação ou estratégia concertada. Uma das premissas é a “tentativa de não concorrência”, como diz Adelino Costa Matos ao Observador. Este ponto fará com que o Portugal Fashion suspenda a realização de desfiles em Lisboa (prática que mantém desde 2012), em prol de uma única semana da moda portuguesa realizada em dois polos: Lisboa e Porto.
O documento agora assinado também prevê a união de esforços entre as duas plataformas no que toca à promoção da moda portuguesa além-fronteiras. As ações levadas a cabo pelo Portugal Fashion nas principais capitais da moda — Nova Iorque, Londres, Milão e Paris — irão envolver também designers que desfilam na ModaLisboa, deixando de se cingir aos nomes habituais no calendário de desfiles da plataforma portuense. Quanto ao intercâmbio de designers entre Lisboa e Porto e a um possível reequilibrar dos calendários, o presidente da ANJE afirma ser uma possibilidade, mas ainda sujeita a conversações. “Chegámos à direção da ANJE há um ano e nove meses e quisemos agregar esforços da forma que mais valor criasse”, afirma Adelino Costa Matos.
“Sempre que as direções anteriores [da ANJE] quiseram falar comigo, estive aberta. As coisas é que acabavam por cair por terra”, afirma Eduarda Abbondanza, ao Observador. Durante os últimos anos, Eduarda defendeu uma estratégia concertada. “Não estamos a competir, estamos a facilitar. A confusão internacional — e nacional — que causava o facto de haver dois eventos… E Portugal é mínimo. Dava a ideia de um país esquisito, sobretudo quando as equipas de bastidores são as mesmas. O que acontecia era uma chantagem entre as duas organizações, e tudo porque elas não falavam uma com a outra. Agora, as duas podem encontrar maneiras de tornar a moda portuguesa mais forte”, explica Abbondanza ao Observador.
Nas palavras da Eduarda, outrora designer representada pela plataforma à qual hoje preside, ModaLisboa e Portugal Fashion complementam-se. Do lado do Portugal Fashion, Eduarda destacou a proximidade da indústria, concentrada no Norte do país, a cidade do Porto, como centro de networking empresarial e de proximidade com os credores, bem como o usufruto dos apoios públicos do Portugal 2020 e aos quais a ModaLisboa não tem tido acesso. “A ModaLisboa continua a lutar pela elegibilidade. Esta é uma solução intermédia, o equilíbrio só chega quando também nós tivermos acesso a esse apoio”, conclui.
Segundo a presidente da ModaLisboa, a candidatura da associação ao Portugal 2020 é só uma questão de tempo. Abbondanza espera resolver em breve a “burocracia” que tem impedido a ModaLisboa de se candidatar ao programa. Assim sendo, a organização deve avançar já na próxima vaga de candidaturas. Daqui em diante, as duas organizações cooperam, mas permanecem autónomas, até porque, como salienta, Abbondanza, Lisboa também tem as suas vantagens, nomeadamente uma “maior capacidade de criar marca”.
Entretanto, os ajustes no calendário devem refletir-se já na próxima edição da ModaLisboa, agendada para os dias 11, 12, 13 e 14 de outubro. Eduarda admitiu um ajuste do alinhamento dos desfiles, com a passagem de nomes que até aqui desfilavam com o Portugal Fashion para o calendário da semana da moda lisboeta. A nível internacional, o protocolo terá impacto já este mês, com o designer Gonçalo Peixoto, que se estreou na última edição da ModaLisboa, a integrar a comitiva do Portugal Fashion no White, principal showroom que acompanha a Semana da Moda de Milão.
ModaLisboa e Portugal Fashion: um país demasiado pequeno para estes dois
Apenas quatro anos separam o nascimento das duas plataformas. Em abril de 1991, a primeira edição da ModaLisboa ocupava o Teatro São Luiz, no coração da capital. Nuno Gama, Luís Buchinho, Ana Salazar, Manuel Alves e José Manuel Gonçalves, José António Tenente e Eduarda Abbondanza (atual presidente da Associação ModaLisboa), que na altura apresentava as suas criações em dupla com Mário Matos Ribeiro fizeram parte do rol de criadores que pisou a passerelle com propostas para o inverno de 1991/92.
Em 1994, arrancava o Portugal Fashion, no Porto. A iniciativa não partiu de mestres criativos do design, como se tinha verificado na capital, mas sim da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), fundada em 1986 com o objetivo de introduzir jovens portugueses à atividade empresarial, em parceria com a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP). Logo na primeira edição, que se realizou na sede da associação, na zona da Foz do Douro, o Portugal Fashion dominou as atenções. Pelo Porto passaram as supermodelos internacionais Claudia Schiffer, Elle Macpherson, Linda Evangelista, Carla Bruni e Helena Christiansen. José António Tenente, Nuno Gama, Maria Gambina, Luís Buchinho e Júlio Torcato estiveram entre os estreantes, todos eles também à passerelle lisboeta.
Embora a moda fosse um território comum para os dois eventos, as vocações eram distintas. Além de estarem separados por cerca de 300 quilómetros, se o primeiro privilegiava sobretudo o lado mais conceptual e autoral da moda, o segundo fomentava sobretudo a relação entre os criadores de moda e a indústria nacional. Em 1999, os níveis de atuação das duas plataformas afastaram-se ainda mais. O Portugal Fashion começou a promover desfiles de criadores portugueses em importantes capitais da moda internacionais, entre elas Paris, Nova Iorque, Barcelona e São Paulo.
De olhos postos no negócio, a plataforma portuense conseguiu desde cedo financiar-se. Entre 2008 e 2010, o investimento na moda nacional (designers, indústria têxtil e internacionalização) quase atingiu os 9 milhões de euros. Desses, 70% tiveram origem numa participação pública do FEDER através do Sistema de Apoio às Ações Coletivas (SIAC) do COMPETE, Programa Operacional Fatores de Competitividade, do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN). Os restantes 30% ficaram por conta de autoinvestimento e do recurso a crédito bancário. Em 2014, entra em campo o Portugal 2020. Através do Compete 2020 (Programa Operacional Competitividade e Internacionalização), entre 2015 e 2017, o Portugal Fashion recebeu oito milhões de euros, parte de um investimento total de quase 16 milhões. Em 2017, num momento em que a estratégia internacional se focou em quatro capitais: Paris, Londres, Milão e Nova Iorque (ainda que, por vezes, com um ritmo intermitente), a faturação anual dos designers e marcas apoiados pelo Portugal Fashion rondava os 500 milhões de euros. Destes, 65 a 70% resultam de exportações. Os números, mencionados por Adelino Costa Matos Costa Matos ao jornal ECO, incluíam o número de pessoas empregadas pelos referidos designers e marcas: cerca de 15.000.
Um modelo de financiamento em tudo diferente do da ModaLisboa. Desde 1991 que a associação mantém um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa, procurando no financiamento privado (patrocinadores) a restante verba para a organização de dois eventos anuais. Pegando em números de outubro de 2014, veiculados pelo jornal Sol, a edição desse mês da ModaLisboa, a 43ª, teve um orçamento de 580 mil euros, dos quais 317.500 vieram da Câmara Municipal de Lisboa. Enquanto isso, o Portugal Fashion, aponta o mesmo jornal, por edição, contava com aproximadamente 700 mil euros.
Passaportes para o estrangeiro
“A moda é uma área que tem muito dinheiro, por causa dos fundos comunitários, há muito tempo, mas só tem do centro para cima, o que faz com que o país seja um bocado desconexo. As pessoas que estão em Lisboa vivem de uma maneira completamente diferente, parecem dois países distintos”, afirmou Eduarda Abbondanza, presidente da Associação ModaLisboa, ao site Delas, em outubro do ano passado.
Na impossibilidade de usufruir de fundos europeus (a presidente da associação revelou ao Sol, em 2014, que, para isso, a ModaLisboa teria de ser reconhecida num regime de exceção), a ModaLisboa tem procurado alternativas que lhe permitam, sobretudo, desenvolver uma estratégia de internacionalização dos seus criadores, embora, pontualmente, a associação promovesse desfiles de designers portugueses fora do país, ao abrigo de protocolos com outros eventos de moda. Foi o que aconteceu em junho de 2017, quando se associou ao Centro de Inteligência Têxtil (CENIT), este sim, beneficiário do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização do Portugal 2020. Durante uma semana, 30 designers e empresários portugueses apresentaram as suas coleções em Paris, numa zona da cidade conhecida pelos showrooms de moda dirigidos a buyers de todo o mundo. Para a iniciativa, que durou dois dias, foram canalizados quase 300 mil euros. Mas a iniciativa acabou por ser um ato isolado, pelo menos até à data.
A moda é um negócio e a discrepância de oportunidades não demorou muito até começar a afetar o calendário da ModaLisboa. Em outubro de 2014, a passerelle lisboeta enfrentava duas baixas de peso: Luís Buchinho e Nuno Baltazar. O primeiro, presença assídua em ambas as plataformas desde as primeiras edições, optou por apresentar as suas coleções apenas no Porto. O segundo, regressou ao Portugal Fashion, oito anos depois de ter rumado a sul em “formato exclusivo”. Depois deles, outros tomaram o mesmo caminho. Foi o caso de Carlos Gil, de Pedro Pedro, de Miguel Vieira e de Alexandra Moura (além das duplas Alves/Gonçalves e Storytailors, que já o tinham feito antes). Alguns deles puseram fim a relações quase umbilicais com a ModaLisboa para terem uma oportunidade além-fronteiras. Outros, divididos entre dois desfiles no mesmo país com duas semanas de intervalo tiveram, simplesmente, por optar por um deles. É ainda de referir que, em 2012, a distância geográfica entre os dois eventos se esbateu. Nesse ano, o Portugal Fashion passou a organizar um dia de desfiles em Lisboa, cumprindo o resto do calendário na invicta.