É “um novo festival numa cidade que já de si tem uma vida noturna vibrante”. Nem precisava de ser o jornal inglês The Guardian a dizê-lo, a profusão de novos festivais dedicados à música de dança a surgir em Lisboa nos últimos anos é sintomática de que há mesmo um novo filão em voga. Depois do impacto do Lisb-on, do Lisboa Dance Festival, do Out-Jazz e do Brunch Eletronik, surgidos nos últimos anos, agora é o Nova Batida que quer pôr Lisboa a dançar. A primeira edição acontece já neste mês de setembro, entre os dias 14 e 16, de sexta-feira a domingo.

As atrações são muitas e o festival dá sinais de se querer associar à dinâmica turística de Lisboa. Basta ver que o site do Nova Batida está otimizado para língua inglesa, propõe visitas turísticas pela capital (“tours”), aulas de surf e yoga e ainda se mune da gastronomia portuguesa para convencer indecisos — não falta uma imagem dos célebres pastéis de nata em grande destaque. Haverá ainda quatro festas temáticas em barcos, cada uma com custo de entrada de €20, ao som de reggae, soul e disco, hip hop e ritmos tropicais.

Se estes extras são parte da “experiência” que o festival quer oferecer, uma espécie de pacote cultural que inclui música, arte urbana, gastronomia e desporto, também é pelas batidas que pretende cativar os indecisos. Ao longo de três dias, ouvir-se-ão alguns dos mais entusiasmantes produtores e DJ do cenário alternativo, português e internacional. A batida pode não ser exatamente nova, até porque vários dos artistas confirmados para o festival já atuaram em eventos semelhantes, em festas, em discotecas nacionais e em outros palcos da cidade. Mas é urbana e atenta às novas tendências musicais.

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Talvez seja tudo uma questão de oportunidade, talvez fosse tentador de mais ter espaços modernos e recentemente remodelados como o LX Factory (que recebia o Lisboa Dance Festival até este se ter mudado para o hub creativo do Beato, na última edição) e o Village Underground, ambos situados em Alcântara (a perto de 500 metros de distância um do outro), com capacidade e disponibilidade para acolher um festival de música eletrónica ambicioso. Ele nasceu agora, em 2018. Estes são os dez destaques do Observador, as dez atuações a não perder para encerrar o verão com chave de ouro, num festival cujos bilhetes diários custam 35€ e cujos passes gerais custam 70€.

Mount Kimbie (live)

Sexta-feira, 21h30 || VU Main Stage (Village Underground)

Ao lado dos Little Dragon enquanto cabeças de cartaz estão os Mount Kimbie, menos veteranos mas com ainda melhor reputação em anos recentes. Também a flirtar com a estrutura pop mas menos presos ao formato canção, Dominic Maker e Kai Campos fundem synthpop  com psicadelismo eletrónico juntando os pozinhos da tradição da música eletrónica inglesa (o dubstep, aqui menos histriónico e mais industrial, e o garage estão presentes). Como se percebe por concertos recentes como este, na viagem cósmica dos Mount Kimbie há acelerações e desacelerações, apaziguamento e movimento, vozes e quase silêncios, minimalismo e música expansiva.  O último concerto em Portugal até foi há apenas um ano e meio, no Lisboa Dance Festival, mas um álbum novo editado uns meses depois — Love What Survives, pela reputada editora Warp — justifica nova visita. Até porque tem “Blue Train Lines”, uma pérola indispensável feita com o jovem prodígio King Krule.

Rita Maia

Sexta-feira, 23h30 || VU Club (Village Underground)

Com curadoria de Rita Maia, as festas Migrant Sounds nasceram no clube Musicbox, em Lisboa e decorrem também neste Nova Batida. Tomemos por empréstimo as palavras que identificam a linha condutora da sua programação destas festas, registadas na plataforma Mixcloud onde se encontram alguns DJ sets seus (como este): “O seu espetáculo Migrant Sounds explora o movimento e impacto da música de dança pelo mundo, com um foco nas influências de sons africanos e afro-futurismo”. É nos blogues, mesas de mistura, lojas de discos e rádios que Rita Maia apurou a arte da divulgação musical e DJing. É no Nova Batida que, além de como habitualmente convidar alguns artistas para apresentarem a sua “world music” (o músico e produtor Skinny Pelembe e a banda Gume), a DJ irá apresentar uma seleção pessoal das sonoridades que mais a entusiasmam, neste fim de verão.

George Fitzgerald (DJ set)

Sábado, 0h15 || LX Main Stage (LX Factory)

É um dos melhores DJ e produtores musicais surgidos nos últimos anos no Reino Unido, desde logo porque tem uma rara capacidade de juntar ritmos dançáveis a algum experimentalismo, ora de pendor mais clássico ora de pendor pop. O equilíbrio é muito bem conseguido, resultando numa música cuja fórmula é fresca e relativamente inovadora, com o piano e o sintetizador a dividirem protagonismo com as batidas mais secas. All That Must Be, o seu segundo álbum depois de vários EP, lançado este ano, ainda não é exatamente “aquilo”, o grande disco de música eletrónica que se espera que George Fitzgerald venha a fazer, mais tarde ou mais cedo. Mas é uma belíssima aproximação a essa mestria e a atuação em Lisboa surge no momento certo, numa altura em que o presente é já risonho e para o futuro ninguém arrisca colocar limites. Quem não o conhecer sairá surpreendido.

Max Cooper (live electronic)

Sábado, 2h || LX Main Stage (LX Factory)

Talvez pela ligação do Village Underground lisboeta ao Reino Unido — o espaço português de coworking inspira-se no Village Underground londrino –, o número de artistas britânicos a atuar nesta primeira edição do festival Nova Batida é muito elevado. Max Cooper é um deles. DJ e produtor musical de techno e música ambiental desde 2007, nascido em Belfast, na Irlanda do Norte, Cooper lançou este ano um novo álbum, One Hundred Billion Sparks. É considerado um dos mais seguros músicos da eletrónica britânica, sobretudo pela capacidade em transportar os ouvintes para a sua viagem, reminescente das várias escolas estilísticas do universo das batidas dançantes.

Connie Constance (live)

Sábado, 19h15 || VU Main Stage (Village Underground)

Numa indústria ainda difícil — como tantas outras — para as mulheres, Connie Constance, 23 anos, residente em Londres, é um daqueles talentos escondidos prontos a crescer e explodir nos próximos anos, que passam por Portugal numa fase em que ainda estão a aperfeiçoar o seu registo e identidade sonora. O talento, esse é evidente em canções como “Yesterday”, lançada há perto de um mês por esta cantora de soul e R&B eletrónico e envolvente. “Let Go”, lançada há perto de um ano, é outra pérola que urge descobrir, desta cantora candidata a grande surpresa do festival. Atenção também à voz soul e R&B da cantora inglesa Yazmin Lacey.

Octa Push (live band)

Sábado, 21h20 || LX Main Stage (LX Factory)

Língua, o álbum que os portugueses Octa Push (os irmãos Bruno e Leonardo Guinchon) lançaram em 2016, caberá facilmente numa gaveta de “álbuns portugueses mais subvalorizados dos últimos anos”. Apesar do relativo sucesso dos Octa Push no universo indie, a ambição, coesão e capacidade de desafiar limites sonoros do disco pedia mais, pedia uma aclamação generalizada pelo menos no underground. Não houve palmas estrondosas mas eram merecidas. O Nova Batida é uma ótima oportunidade para os voltar a ver e perceber a beleza do psicadelismo afro dos Octa Push.

Seun Kuti (live)

Sábado, 21h45 || VU Main Stage (Village Underground)

Filho mais novo da lenda do afrobeat e grande embaixador da cultura nigeriana (e africana, no seu todo) Fela Kuti, Seun Kuti atuou recentemente no Theatro Circo, em Braga, com a sua banda Egypt 80. Os relatos vindos do Minho foram elogios e, agora, Seun Kuti desce a Lisboa para o festival Nova Batida. À capital, o músico de 35 anos vai levar o seu caldeirão musical onde o funk, o jazz, o afrobeat e o reggae dividem protagonismo, em canções reivindicativas e interventivas sobre o mundo que o rodeia, com destaque para a sua Nigéria natal. Música tribal e espiritual para agitar o corpo e inquietar a mente, é isso que se ouvirá e dançará com gosto.

Little Dragon (live)

Sábado, 22h40 || LX Main Stage (LX Factory)

São um dos destaques do festival, uma das bandas mais aguardadas do Nova Batida. Já com 22 anos de atividade, o quarteto sueco traz canções lentas que absorvem as lições da soul, trip hop, o R&B e synthpop para serem dançadas com letargia ou sensualidade, consoante o jeito de cada um. Desacelerar é uma arte e temas como “Twice”, “Ritual Union” e “Sunshine” ouvir-se-ão certamente neste regresso dos suecos a Portugal, depois de uma passagem pelo Super Bock Super Rock há apenas três anos.

Gilles Peterson e MC General Rubbish (DJ set)

Domingo, 0h || LX Main Stage (LX Factory)

Aqui o que interessa é a seleção musical, a velha ideia do “gatekeeper”, isto é, do especialista e divulgador que serve de intermediário entre músicos e público, que apresenta às pessoas aquilo que elas não sabem que querem ouvir — mas querem, querem mesmo. Gilles Peterson sabe perfeitamente disso, tem muitos anos de experiência a conciliar curadoria musical na BBC, onde é radialista, a leitura de públicos, na pista de dança. A Lisboa, Peterson, de 53 anos, vem mostrar porque é num DJ a técnica não suplanta o gosto — quanto muito potencia-o, porque sem ele nada feito — e o porquê de se dizer que a idade muitas vezes é um posto. No caso dele, é mesmo.

DJ Marfox

Domingo, 2h || VU Club (Village Underground)

Se os Buraka Som Sistema deram origem a uma revolução trazendo ritmos africanos e das periferias de Lisboa para o centro da indústria  musical, as editoras Enchufada (que tem Branko como ponta-de-lança bota de Ouro) e Príncipe Discos fizeram uma continuação da história, cada uma à sua maneira. O que as duas têm em comum é a capacidade de chegar às margens (underground, da música eletrónica) do mundo e firmar aí um lugar seguro. DJ Marfox é um dos principais DJ e creativos da Príncipe, ao lado de Nídia (ex-Nídia Minaj), DJ Nigga Fox, DJ Lycox, P. Adrix ou DJ Firmeza. “O som dos ghettos de Lisboa”, como cunhou a revista Resident Advisor num artigo decisivo para a internacionalização da Príncipe, está cada vez mais refinado, com suas percussões e ritmos pulsantes. No Nova Batida, DJ Marfox vai mostrar que a música eletrónica portuguesa vive uma época de ouro.