Os veículos eléctricos são o futuro e esta realidade é hoje de tal forma evidente que nem os amantes dos motores a gasolina (como nós) ousam contestar. Contudo, uma coisa é o automóvel eléctrico e outra, totalmente diferente, é o eléctrico alimentado por bateria. Sobretudo, porque este acumulador gera poluição ao fabricar e ao reciclar e porque, entretanto, provoca constrangimentos à rede eléctrica.

Há um outro tipo de veículo eléctrico que consegue ter as vantagens dos eléctricos a bateria, mas sem os inconvenientes. Referimo-nos aos carros a fuel cell, ou célula de combustível, essencialmente modelos que em vez de se movimentarem com a electricidade que retiram da rede, produzem-na a bordo. Também possuem uma pequena bateria, mas apenas de cerca de 1,6 kWh – muito mais pequena do que as de 40, 60 ou 100 kWh montadas nos veículos alimentados a partir de acumulador –, que serve exclusivamente para a fase de arranque e para assegurar os picos de potência.

Toda a energia eléctrica que movimenta o carro provém da fuel cell. Na realidade, uma série de fuel cells montadas em série, que realizam a operação inversa à electrólise da água. Em vez de se fornecer energia para separar o hidrogénio do oxigénio, as células de combustível produzem energia eléctrica ao juntar o H2 que existe no tanque ao oxigénio retirado do que ar, gerando no processo água. E pura. Este é o princípio de funcionamento do Toyota Mirai, o mais vendido dos automóveis a célula de combustível a hidrogénio, que abastece numa questão de minutos (entre 3 e 5) 5 kg de hidrogénio, o que depois lhe dá para percorrer 550 km (segundo o método NEDC, ou seja, cerca de 450 km de autonomia em condições mais próximas da realidade). E sem ter de se ligar à rede e sem emitir qualquer emissão nociva.

O que vai acontecer em Portugal?

A Toyota Caetano Portugal, representante histórica da Toyota no nosso país e que em Gaia tem a primeira fábrica da marca japonesa em solo europeu, produz há muito autocarros, tendo montado 550 unidades em 2017 e prevendo 600 para este ano. Para 2021, o objectivo é atingir 2.000 unidades, entre chassis e veículos completos, o que representa um incremento brutal de vendas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

De salientar que a Toyota Caetano Portugal, mais precisamente a CaetanoBus, produziu este ano os primeiros autocarros eléctricos (60 unidades) em Portugal, dos quais vendeu 15 à Carris. Mas a novidade é que a Toyota assinou um acordo com a CaetanoBus para permitir à empresa de Gaia fabricar autocarros eléctricos a fuel cell a hidrogénio, destinados a abastecer o nosso país e, sobretudo, a Europa. Não será a única fábrica deste tipo para a marca japonesa, mas é a primeira.

Portuguesa CaetanoBus é primeira na Europa a produzir autocarros movidos a hidrogénio

Segundo o presidente da Salvador Caetano Indústria, José Ramos, “a Toyota fornece à CaetanoBus as fuel cells, os tanques para armazenar o hidrogénio a 350 bar de pressão (metade dos 700 bar do Mirai, por possuir menos limitações de espaço), os motores eléctricos e a unidade de gestão”, sendo da responsabilidade da empresa portuguesa construir o chassi (que é similar ao eléctrico que já fabrica), carroçá-lo, montar os interiores e instalar todos os componentes mecânicos vindos do Japão.

6 fotos

É esta deslocação para a Europa da produção de autocarros a células de combustível que leva a Toyota afirmar que, se este ano fabricou apenas 3.000 unidades do Mirai – muito pouco para conseguir ter um preço mais competitivo, mas que se compreende pela falta de rede de distribuição de hidrogénio –, pretende produzir 30.000 unidades de células de combustível em 2020, com a maior parte do excedente a destinar-se a este tipo de autocarros.

O denominado Projecto Fuel Cell Bus já arrancou, fruto de um investimento de 8 milhões de euros iniciado em 2010, a que se juntou agora outro de 3 milhões, e visa ter construídos dois protótipos em condições de iniciar a fase de testes e demonstrações antes do final de 2019. Em 2020 serão fabricadas as primeiras unidades destinadas a clientes (não mais de 14 ou 15), para depois, no ano seguinte, a produção aumentar consideravelmente.

E rede para abastecer de hidrogénio em Portugal?

Esta é a segunda novidade relacionada com o tema dos veículos a hidrogénio, pois sem rede de distribuição (e produção) nunca haverá um parque circulante de veículos com esta tecnologia.

Faz parte do projecto, desde o início, que um dos nossos parceiros – mais precisamente, a Galp – instale em Portugal dois postos de abastecimento, sendo um em Gaia, próximo da fábrica, e um segundo em Lisboa”, assegurou-nos José Ramos.

O Observador tentou confirmar com a Galp este investimento, mas a gasolineira – que ultimamente evoluiu para fornecedora de energia eléctrica e, agora, de hidrogénio – optou por não comentar.

Ao que conseguimos apurar, até pela experiência reunida noutros países que também implantaram uma rede de distribuição de hidrogénio, as empresas como a Galp, que se dedicam à refinação de petróleo, necessitam de hidrogénio, que optam por produzir da forma mais fácil e barata: extraindo-o do gás natural. Esse hidrogénio sai com um grau de pureza de 99,5%, o que parece excelente à primeira vista. Contudo, o hidrogénio para as células de combustível tem de garantir uma pureza de 99,999% (assim mesmo, com três casas decimais), o que obriga as gasolineiras a recorrer a outro método de geração de hidrogénio, tradicionalmente através da electrólise de água tratada e desmineralizada.

Uma vez produzido, o hidrogénio é depois pressurizado a 700 bar à temperatura ambiente – valor que se convencionou internacionalmente para usar na distribuição para meio de transporte. Os postos de abastecimentos de hidrogénio são instalados em estações de serviço convencionais, junto ao diesel, gasolina e, em alguns casos, a electricidade, sendo que os depósitos que contêm o H2 tanto podem estar enterrados como à superfície. E em todos os países que tem uma rede de abastecimento deste gás, de ambos os lados do Atlântico e no Japão, nunca houve qualquer acidente (ou incidente) com este tipo de combustível, o que se explica face às normas de segurança aplicadas, similares às utilizadas nos abastecimentos de gás natural.

E o que diz o Governo?

A União Europeia e o Governo português não têm a vida facilitada no que diz respeito à luta contras as emissões poluentes. Concretamente, o CO2 que, não sendo tóxico, é o responsável pelo aquecimento global, gerando situações ainda mais graves. De acordo com o secretário de Estado do Ambiente, José Mendes, os meios de transportes terrestres são responsáveis por ¼ das emissões de CO2 e, apesar do investimento na promoção de veículos eléctricos e híbridos plug-in [cujas vendas são ainda residuais], estas mesmas emissões estão a aumentar.

Os meios de transporte enviam para atmosfera anualmente 8 gigatoneladas de CO2, valor que vai disparar para 16 gigatoneladas em 2050, caso não se tomem medidas urgentes”, sublinha José Mendes.

O objectivo era atingir apenas 2 gigatoneladas nesse mesmo ano. “A solução passa por convencer mais pessoas a utilizar o transporte público e a recorrer a mais meios de transporte descarbonizados”, resumiu o governante, explicando que, de imediato, a solução é a energia eléctrica. “Foi por isso que contratámos 15 autocarros eléctricos para a Carris e 10 navios para a Transtejo”, adianta.

Com o fito de ter o transporte de passageiros descarbonizado em 2040 e o transporte de mercadorias 10 anos depois, o secretário de Estado de Ambiente está convencido que o hidrogénio pode ser a solução para os veículos pesados de longo curso. E Bruxelas também, tanto mais que apoia os investimentos neste tipo de veículos, como é o caso dos autocarros da CaetanoBus, com o seu responsável, José Ramos, a confirmar que já requereu os apoios disponíveis através da linha Portugal 2020.

3 fotos

Muito aberto em relação ao potencial da tecnologia, José Mendes recordou que, “devido ao forte investimento em energias renováveis, Portugal tem energia excedentária durante a noite”, a qual  é utilizada para bombear água de regresso às albufeiras, para depois voltar a gerar energia eléctrica nas barragens. “Facilmente poderíamos usar essa mesma energia para produzir hidrogénio”, afirmou o secretário de Estado.

Quanto ao investimento numa rede de distribuição e de produção, José Mendes revelou-se confiante de que a solução adoptada para os carros eléctricos é a melhor e pode ser repetida com o hidrogénio, com o Estado a investir num primeiro momento, enquanto ainda não há veículos suficientes para criar escala e é necessário criar as bases para a exploração da tecnologia, para depois entregar à exploração de privados, assim que seja viável como unidade de negócio.