A duas semanas da entrega do Orçamento do Estado para 2019, António Costa foi meio eleitoralista, meio cauteloso. O primeiro-ministro prometeu, em entrevista à TVI esta segunda-feira à noite, aumentar os salários dos funcionários públicos até onde puder, mas não se comprometeu com um valor. Rejeitou a redução do IVA na eletricidade e no gás, mas admitiu baixar a fatura da energia através de “outras vias”. Prometeu aumentar as pensões, mas só no que está previsto na lei — sem aumento extraordinário. E mais: elogiou a geringonça, mas rejeitou formar Governo com Bloco e PCP.

Costa citou Jerónimo de Sousa para afastar o Bloco de Esquerda e o PCP do seu próximo Governo, lembrando que o líder comunista costuma repetir que “o grau de compromisso, depende do grau de convergência”. Ora, para o primeiro-ministro, as divergências que existem limitam muito “a margem de proximidade” entre o PS e os seus parceiros de esquerda: “Dá para sermos amigos, não dá para casar (…) O grau de divergência em matérias essenciais é evidente e não antevejo que seja possível minorá-lo o suficiente para termos um grau de compromisso mais elevado.” Costa rejeitou ainda estar mais próximo do PCP do que do Bloco de Esquerda: “Essa é a nova moda. Dizer que estamos mais próximos do PCP do que do BE. Antes diziam o contrário”.

Aumentar salários dos funcionários públicos, não mexer no IVA

O primeiro-ministro prometeu na mesma entrevista que iria “tão longe quanto for possível” no aumento dos funcionários públicos, mas não se comprometeu com valores. António Costa revelou ainda que, dependendo da sua vontade, esse aumento será feito nos salários mais baixos. “Teria maior eficácia concentrar a margem que existe em quem mais precisa”, defendeu. O Observador noticiou, precisamente durante a entrevista de António Costa, que o valor colocado em cima da mesa pelo Governo nas negociações com a esquerda para esses aumentos não chega 50 milhões de euros, o que os parceiros de “geringonça” consideram insuficiente.

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Governo propõe menos de 50 milhões para aumentar salários dos funcionários públicos

António Costa afastou ainda a possibilidade do Governo de reduzir o IVA da eletricidade e do gás, embora admita reduzir a fatura da eletricidade “por outras vias”, como a redução do défice tarifário. O primeiro-ministro refugiou-se nas regras da União Europeia, dizendo que o IVA tem “regras comunitárias muito apertadas”. Após os jornalistas da TVI — Judite de Sousa e Sérgio Figueiredo — lembrarem que o IVA já teve esse valor antes do programa de ajustamento, Costa justificou a opção com a necessidade de rigor orçamental, uma vez que a medida teria um impacto de 500 milhões de euros. Dessa forma, para baixar o IVA na eletricidade era preciso sacrificar outras áreas como “o abono de família, as pensões ou a carga fiscal sobre o trabalho.”

Em matéria de pensões, Costa deu a “boa notícia” de que o aumento é já em janeiro. “No próximo ano teremos 68% das famílias a terem um aumento acima da inflação, 0,5%. E vamos ter 98% das pensões a serem atualizadas já em janeiro”, explicou. O primeiro-ministro rejeitou um aumento extraordinário — acima do que está previsto na lei — uma vez que não é “tão essencial” como há dois anos quando esse aumento aconteceu. Costa disse ainda que há necessidade ainda de aumentar pensões que são “extremamente baixas”, mas não se comprometeu.

Como medida favorável, Costa admitiu ainda a “inovação radical em matéria de mobilidade”, comprometendo-se com a existência de um passe único na Área Metropolitana de Lisboa e  na Área Metropolitana do Porto. Algo, aliás, o PS já tinha anunciado por via de uma entrevista de Fernando Medina. Ou seja: era uma medida mais do que anunciada.

Apesar disso, Costa manteve-se inflexível no reconhecimento de tempo de serviço dos professores. “Perante a irredutibilidade dos professores, vamos avançar com um decreto-lei com o que nos parece justo e que assegura equidade entre os professores e outras profissões especializadas, que é dois anos, 9 meses e 18 dias”, revelou Costa. Este valor é precisamente o mesmo que ministério levou na proposta inicial e sempre negada pelos sindicatos.

Não recondução da PGR em “absoluto consenso” com Marcelo

Sobre a não recondução da Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, destacou o “absoluto consenso entre Governo e o Presidente da República”, não descartando indiretas a Passos Coelho e Cavaco Silva, dizendo que o consenso existente “contrasta com o que tinha acontecido no passado”. E acrescentou: “Tive oportunidade de rever a comunicação social da época e os dois últimos procuradores gerais, quer a senhora procuradora Joana Marques Vidal, quer o procurador Pinto Monteiro, foram fruto de recusas de propostas anteriores, que quer o Governo de José Sócrates, quer no Governo de Passos Coelho, apresentaram a Cavaco Silva.” Costa disse ainda que a “atual PGR é mesmo uma pessoa feliz por ser a primeira PGR que cessa funções não manchando o seu mandato com críticas, mas só com elogios”.

Costa justificou a decisão com o aumento da autonomia do Ministério Público, dizendo que “a existência um mandato longo e único é uma garantia fundamental para reforçar a autonomia do Ministério Público”. O primeiro-ministro esclareceu ainda que o nome da nova PGR lhe foi proposto pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que “conhece muito bem Lucília Gago”, uma vez que “trabalhou com ela”.

Centeno, Tancos e a mudança de hora

António Costa disse que Mário Centeno “provou ser um excelente ministro das Finanças”, mas não rejeitou a hipótese de o indicar como comissário europeu na próxima Comissão Europeia. “Cada coisa a seu tempo. Neste momento, está a fechar o Orçamento do Estado para 2019. Uma das hipóteses é a fusão de presidente do Eurogrupo com a vice-presidencia da CE. Há quem recuse firmemente. Depois há questões que têm a ver com a pasta que é confiada a cada um dos comissários, há questões de género. Há um conjunto de critérios que podem ou não justificar essa indicação“.

Sobre a estratégia orçamental, Costa diz que o Governo tem sido “conservador” e que isso tem sido bom para o país, lembrando que mudanças como as reavaliações das agências de rating fazem o país poupar “1400 milhões por ano em serviço da dívida. E aumentar em 1000 milhões de euros a despesa na saúde, relativamente ao corte do Governo anterior.” Depois retificou, dizendo que esses mil milhões serão aumentados “no total da legislatura” e já contando com a previsão para 2019. Quanto ao défice, Costa mantém a meta estabelecida: de 0,7% em 2018 e 0,2% em 2019. Relativamente ao crescimento económico, o objetivo do Governo “é continuar a convergir com a União Europeia.”

Costa prometeu ainda que não terá um “orçamento eleitoralista” e lembrou que “contas certas não são uma obsessão nem uma mania, é o que nos permite ter mais dinheiro para investir em saúde e educação.” Prometeu ainda que nunca irá “dar um passo maior do que a perna”.

Sobre o roubo de Tancos, Costa admitiu que “algo correu mal”, mas que “não passa pela cabeça de ninguém que compete ao ministro da Defesa defender os paióis.” O primeiro-ministro disse ainda ser contra a proposta da Comissão Europeia de haver uma hora o ano de todo e acabar com a hora de verão e hora de inverno: “O bom critério e único é o da ciência. A entidade competente, o Observatório Astronómico de Lisboa, já se pronunciou contra. Não vejo razão para que se contrarie a ciência. Em Portugal devemos manter este regime.”