O regresso às aulas nas universidades trouxe novos relatos de praxes violentas. O caso mais recente aconteceu no curso de Ciências Biomédicas da Universidade da Beira Interior (UBI), onde dois alunos se queixaram de terem sofrido abusos e agressões, na semana passada, numa praxe ocorrida na Serra da Estrela. Entretanto, a Universidade informou, esta segunda-feira, que fez queixa ao Ministério Público e que abriu um processo de averiguações.
O Observador apurou junto de um aluno do referido curso que as praxes em causa tiveram origem num grupo secreto, formado apenas por homens, e criado há 11 anos, quando abriu a licenciatura na UBI. Esse grupo, que tinha como prática levar caloiros para a Serra da Estrela para serem praxados, tinha o seu próprio código de conduta, que “desrespeita as regras da praxe” levadas a cabo pela Universidade, referiu ainda o mesmo aluno ao Observador.
O grupo secreto estava, também, no Facebook, onde eram publicadas imagens das praxes, como forma de provar aos membros mais antigos que os rituais ainda eram praticados. Ali era também perguntado aos novos alunos se queriam ser incluídos. Os jovens sabiam que iam ser praxados, mas desconheciam os contornos dessas práticas — como aqueles que aconteceram na noite das agressões. Os alunos foram levados em bagageiras de carros, de cara tapada, e alvos de perguntas por parte dos praxantes. Se não acertassem nas respostas, tinham de baixar as calças para serem agredidos — o Observador apurou que os agressores lhes bateram com colheres de pau, prática que viola o código de praxe da UBI.
Ainda de acordo com o mesmo relato, um dos caloiros que participou nas praxes ligou à polícia, no momento em que chegou à Covilhã, a denunciar as agressões. Depois de revelado o caso, nomeadamente à Universidade, foi convocado o Forum Veteranum — uma espécie de tribunal de praxe que inclui um representante de praxe de cada uma das cinco faculdades da UBI.
Nessa reunião, ainda segundo o relato feito ao Observador, os agressores admitiram as práticas e também a existência do grupo de Facebook onde eram planeadas as praxes. Como resposta, os oito membros responsáveis pelos abusos foram expulsos de qualquer atividade de praxe. De acordo com a Sábado, um dos elementos em causa seria o “Preatorum” do curso, ou seja, o líder máximo da praxe na licenciatura de Ciências Biomédicas, e os atuais membros terão sido obrigados a entregar todo o material alusivo ao grupo (denominado de “Dominus Praxis) — como um livro de atas com o nome dos mais de 50 integrantes desde a fundação, assim como o código de praxe que o regia.
UBI faz queixa ao Ministério Público
Na sequência das agressões, a Universidade da Beira Interior anunciou ter feito queixa ao Ministério Público e aberto um processo interno de averiguação. “A UBI fez chegar ao Ministério Público da Covilhã uma queixa relativa a atos de violência que terão ocorrido na última semana, entre alunos da instituição”, disse a universidade em resposta à Lusa.
A UBI explica que este procedimento surge na sequência de uma participação que foi feita por parte de um aluno desta instituição do distrito de Castelo Branco. A nota também refere que esta foi a única participação que recebeu até agora, desde o início do ano letivo, e ressalva que a situação relatada ocorreu fora das instalações da universidade.
Além da queixa ao Ministério Público, a instituição também abriu um processo no âmbito da Comissão Disciplinar do Senado, que analisará a situação. Provando-se os factos, a sanção poderá chegar à interdição da frequência da UBI durante 5 anos”, salienta a Universidade, que frisa que, ao longo do tempo, tem tomado “medidas para que a integração dos novos alunos seja feita de forma civilizada, sendo que há vários anos que não é permitida qualquer prática de praxe dentro das suas instalações”.
Recordando que a instituição apenas “apadrinha” atividades dos alunos que tenham cariz solidário e cívico”, a UBI refere que o reitor da instituição, António Fidalgo, tem salientado, em todos os atos de receção aos estudantes, que a “integração de novos alunos deve ser feita de forma amigável por todos os intervenientes”.
“Antes, logo no ato da matrícula, é entregue um panfleto de sensibilização, assinado pela Reitoria, Associação Académica da UBI e pelo Provedor do Estudante, que acompanha todo o processo de integração”, conclui.
Associação Académica condena agressões
Esta segunda-feira, a Associação Académica da Universidade da Beira Interior (AAUBI), condenou as praxes praticadas por alunos daquela instituição e defendeu que o caso deve ser “investigado até às últimas consequências”.
“A AAUBI não se revê neste tipo de atitudes e, como é óbvio, condena estes comportamentos que vão contra todos os valores que devem nortear a integração dos novos alunos, tais como a solidariedade, amizade e companheirismo”, afirmou o presidente da Associação, Afonso Gomes, em declarações à Lusa.
Para o responsável, a situação relatada não respeita o espírito cívico e académico e, a confirmar-se, “é algo que tem de ser punido”, dentro do previsto na lei. No comunicado emitido esta segunda-feira, a AAUBI também defende que “o caso deve ser investigado até às últimas instâncias” e lembra que a associação está “à disposição de alunos que se sintam coagidos ou lesados em situações que possam colocar em causa a sua integridade física moral e psicológica, mobilizado todos os recursos necessários para os auxiliar”.
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