Um novo ano letivo começou e, todavia, o Ensino Superior (ES) continua a apresentar os mesmos problemas, alguns com um agravamento drástico desde os últimos anos. Com o envelhecimento do corpo docente e uma dificuldade crescente de alojamento para alunos deslocados, o ES, bem como as suas problemáticas, não podem ficar relegados para segundo plano.

Deparamo-nos com a primeira problemática ainda antes do ingresso na Universidade. O acesso ao 1º ciclo do Ensino Superior é retrógrado, baseando-se apenas nas notas dos alunos, com um foco absurdamente acentuado nas notas obtidas nos exames nacionais. No entanto, os alunos não são máquinas e as suas notas não passam de um resultado obtido numa mera hora e meia em todo o seu trajeto no ensino secundário. É urgente a reforma deste acesso, atribuindo às Instituições de Ensino Superior (IES) liberdade, mas também responsabilidade, pela seleção dos estudantes que pretendem admitir, fixando os seus próprios critérios de admissão, podendo, assim, as IES focar-se mais em competências interpessoais do que apenas em números numa pauta.

Os concursos de acesso pecam ainda pelas suas datas. É inaceitável que um aluno fique durante meses sem saber onde vai estudar, para que, depois, se veja obrigado a tratar de toda a logística em apenas uma semana. As notas dos exames nacionais, assim como o início das candidaturas ao ensino superior, datam de julho, tendo o prazo das candidaturas terminado a dia 8 de agosto. Todavia, os resultados destas candidaturas só foram públicos mais de um mês depois. Porquê? Para quê? Qual a dificuldade em divulgar uma lista de colocações uma semana após a conclusão do prazo de candidaturas? Que benefícios traz esta espera interminável para os estudantes? Para tentar solucionar esta contrariedade, a Iniciativa Liberal apresentou, no início deste mês, um Projeto de Resolução, já referente ao próximo ano letivo. Este projeto visa solucionar a problemática mencionada, recalendarizando a divulgação dos resultados de acesso para dia 15 de agosto, permitindo, deste modo, que os novos estudantes tenham mais tempo para se organizar para o novo ano letivo. Veremos, então, qual será a intenção de voto dos restantes partidos, nomeadamente a posição dos socialistas, que tanto alegam a sua preocupação para com os jovens. Se assim o é, têm, na aprovação deste Projeto de Resolução, uma excelente oportunidade para o demonstrar.

Relativamente ao corpo docente, o ES prepara-se, agora, para outra batalha. Cerca de 47% dos professores do Ensino Superior, em 2020, tinha mais de 50 anos. Número preocupante, especialmente quando, dadas as circunstâncias pandémicas, foi necessário apressar uma transição digital que, apesar de necessária, pôs a descoberto as lacunas que um corpo docente envelhecido tem nesta área. Foram registados inúmeros casos de professores com extrema dificuldade para tal transição, não por responsabilidade própria, mas sim pelas circunstâncias repentinas e sem qualquer preparação prévia. Ainda relativamente ao corpo docente, é também de notar que, na última década, o número de docentes das IES diminuiu em quase dois milhares, sendo que o número de alunos disparou, registando-se um aumento de quase 30 mil alunos. Significa isto que, apesar de ainda não ser comparável ao ensino obrigatório (básico e secundário), a falta de docentes começa a ser uma realidade no Ensino Superior, onde o corpo docente já vai diminuindo e, o que resta, tem na sua maioria mais de 50 anos.

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Ultimamente, deparámo-nos com inúmeras notícias sobre a enorme dificuldade que os alunos deslocados têm sentido em encontrar alojamento, a dias de começarem as suas aulas. O governo decidiu – e bem – reforçar o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), através de verbas oriundas dos fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). No entanto, é necessário agir agora; não é concebível que tenhamos estudantes sem alojamento. Não podemos permitir que jovens tenham de desistir dos seus estudos por não terem onde viver. Não podemos esperar pelo PNAES, que, caso cumpra os prazos definidos pelo Governo, estará concluído apenas em 2026. É preciso agir o mais rapidamente possível, formando, por exemplo, PPP em terrenos do Estado ou mesmo das IES, onde os privados possam construir e operar nesses mesmos terrenos, sendo também necessário simplificar a carga fiscal sobre o setor da construção. Por fim, é imperativo que os processos de licenciamento se tornem não só mais transparentes, mas sobretudo mais céleres. Estes são apenas alguns dos exemplos de ações que podem ser tomadas, mas o mais importante é que, de uma vez por todas, se resolva o problema do alojamento estudantil que afeta as famílias e os jovens portugueses há anos!

Como consequência destes e de outros problemas do ES, no ano letivo transato, registou-se um aumento do abandono escolar, sendo superior a 10% nas licenciaturas. Em variadíssimos cursos do ensino técnico, licenciaturas e mestrados, os alunos do 1º ano destes ciclos de estudo sentiram que não estavam reunidas as condições para prosseguirem os seus estudos. Outra sequela é, ainda, a saúde mental dos jovens. São vários os estudos que, relativamente a esta temática, colocam Portugal no topo de países europeus onde a população mais sofre de problemas de saúde mental, revelando ainda uma maior incidência nos jovens. A procura por ajuda nunca foi superior, não existindo, todavia, uma resposta adequada a esta procura. Assim, torna-se imperativo um forte investimento, de forma a reforçar os mecanismos de apoio psicológico à comunidade académica, promovendo o combate ao estigma associado à doença mental e ao acesso a cuidados de saúde mental, nomeadamente através de campanhas de sensibilização.

Perante todos os problemas do Ensino Superior, a Sra. Ministra da Ciência e do Ensino Superior, Elvira Fortunato, mostra-se bem mais preocupada com as praxes, chegando até a lançar um repto: “Façamos tudo no sentido de combater as praxes académicas”. Não recusando, de todo, que existe um problema com algumas praxes, assim como com a integração dos novos alunos, este problema é de resolução bem mais simples, cabendo às Associações e Federações representantes de estudantes a sua resolução, criando alternativas de atividades de integração aos novos alunos. É, então, de uma inconsciência política total que a Sra. Ministra ignore os grandes problemas que cada vez mais assombram o ES.

Urge, então, a reforma de todo o Ensino Superior e de toda a sua envolvência, não podendo a postura imobilista que tanto caracteriza os últimos governos, prevalecer. Há que alterar os critérios de acesso, eliminar a dependência das avaliações do Ensino Secundário para a entrada no Ensino Superior, preparar os professores para o digital, resolver, de uma vez por todas, o problema do alojamento estudantil e demonstrar verdadeira preocupação relativamente à saúde mental dos jovens.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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