O juiz Carlos Alexandre diz que, se estivesse no lugar do seu colega Ivo Rosa, não teria aceite os autos da Operação Marquês com 140 caixas com provas em falta. “Deduz-se que, quando os processos são transferidos, são entregues na totalidade. Senão, tem de se tomar uma posição para saber porque é que não são entregues na totalidade”, acrescentando: “Sempre que posso ser rigoroso, sou rigoroso. Eu não aceitaria um processo Marquês nessas condições”, afirmou, em entrevista à RTP.
O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal referia-se ao facto de o Ministério Público ter retido no Departamento Central de Investigação e Ação Penal cerca de 140 caixas de provas apreendidas durante as buscas durante a fase de inquérito. No seu primeiro despacho, o juiz Ivo Rosa constatou essa falta, mas não ordenou ao procurador Rosário Teixeira que entregasse as referidas provas no Tribunal Central de Instrução Criminal, nem devolveu os autos ao Ministério Público. Uma coisa é certa: a fase de instrução criminal não pode iniciar-se sem aquelas provas estarem nas instalações do tribunal.
Carlos Alexandre coloca em causa sorteio de Ivo Rosa para a Operação Marquês
Questionado sobre se se sente mais como um “general preso no seu labirinto” — o título de uma obra do escritor Gabriel Garcia Marquez –, Carlos Alexandre dá uma resposta curiosa, aludindo a outro livro do autor colombiano. “Ofereceram-me há muitos anos o ‘Relato de um Náufrago”. Reli-o este verão. Não me sinto preso [como um general] no labirinto. Sinto-me mais como um náufrago, tal como relatado nesse livro. O náufrago chegou a terra”.
O livro de Garcia Marques relata a história de um marinheiro que esteve à deriva por 10 dias, sem água nem alimentos. Salvo, foi proclamado herói nacional e ficou conhecido em todo o país — até que o Governo o rejeitou e a Opinião Pública o esqueceu. É um dos livros mais conhecidos do Prémio Nobel da Literatura e começou por ser publicado em 1955 em 15 fascículos no jornal colombiano El Espectador em 1955.
“Faltam-me 2000 dias úteis para chegar à reforma. Se o tribunal for extinto, terei de encontrar trabalho”
A entrevista transmitida no programa “Linha da Frente” da RTP 1 ficou marcada pelas críticas de Carlos Alexandre à forma como decorreu o sorteio do juiz para a fase de instrução criminal.
Questionado sobre as razões que o levaram a estar ausente durante o sorteio realizado nas instalações do Tribunal Central de Investigação Criminal, Alexandre justificou-se com “assuntos pessoais”. “Avisei a senhora presidente de comarca e pedi-lhe autorização para estar ausente nesses dois dias. E, de facto, coincidiram com os dias em que o processo foi sujeito a distribuição, é verdade. Foi uma coincidência, mas foi apenas uma coincidência”, diz, recordando que apenas faltou durante toda a sua carreira devido a “mortes de familiares meus”.
Há, contudo, um assunto que lhe merece uma opinião clara: a extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal, defendida recentemente por Henriques Gaspar, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. “Tenho 57 anos. Faltam-me cerca de 2000 dias úteis para chegar à almejada reforma. Terei de encontrar trabalho. Se for extinto, terei de encontrar o meu caminho“, diz Alexandre.
Carlos Alexandre diz que “foi a primeira vez que eu ouvi” algum magistrado “a defender essa ideia. Foi um pensamento lapidar [de Henriques Gaspar] mas eu não sei a que é que corresponde”.
O juiz de direito defende a especialização como um caminho a seguir pelos tribunais e não entende a defesa da extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal, tendo em conta que este tribunal é de competência especializada e de competência territorial alargada. “Outros países estão a apostar na especialização e estão a optar por tribunais de julgamento de competência especializada para estes grandes casos”, diz Carlos Alexandre.
“Parafraseando primeiro-ministro: eu também gostaria de saber quem são os ladrões dos fogos
A entrevista do programa “Linha da Frente” teve como pano de fundo os incêndios que se verificaram em Mação, terra natal de Carlos Alexandre, em julho de 2017. Tal tragédia fez com que “80% a 90%” do território do concelho tivesse ardido, segundo o edil Vasco Estrela.
Incêndios: autarca diz que 80 a 90% do concelho de Mação ardeu
O tema foi abordado na entrevista à RTP. Foi a única vez que a voz do juiz Carlos Alexandre, que se manteve serena ao longo da conversa com um jornalista da RTP, se emocionou pela ligação que tem à sua terra. “Parafraseando o dr. António Luís Santos da Costa, que está primeiro-ministro, também eu gostaria de saber quem são os ladrões que me tiraram estas características da minha terra. Porque a forma como os fogos se desenvolveram extravasam a compreensão de qualquer pessoa média”, afirmou o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal.
“Não, não sou maçon”
O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal foi ainda questionado sorte a sua alegada pertença à Maçonaria. “Não, não sou”.
Durante o programa, Carlos Alexandre assume a sua amizade com António Reis (grão-mestre do Grande Oriente Lusitano), assim como com outros maçons mas recusa qualquer associação com a Maçonaria. “O meu comportamento não melhora ou piora por eu não pertencer a essa agremiação”, afirma.
“Uma vez fui a uma capela. Gostei e passei só a ir essa capela”, diz numa alusão à sua condição de católico praticante.
Texto alterado às 23h54m com a sinopse do “Relato de um Náufrago”, livro de Gabriel Garcia Marquez citado pelo juiz Carlos Alexandre