O primeiro dia de debate do último Orçamento da “geringonça” correu entre reivindicações extra à esquerda, negas de Mário Centeno — e uma novidade a apanhar de surpresa todas as bancadas — e ainda as acusações da direita. Mas, além do “eleitoralismo” de que acusa o Governo, o PSD trouxe também uma estratégia pouco comum à discussão: escolheu os desalinhados de Rui Rio para atacar o Executivo de António Costa.
Foram cerca de seis horas de debate onde Mário Centeno foi dando resposta às perguntas dos deputados, muitas vezes sem responder — que foi o que aconteceu quando os parceiros parlamentares do Governo perguntaram de rajada pelos aumentos salariais da função pública. Acabou por dar uma novidade, sobre a baixa do ISP da gasolina, mas de resto a linha foi a sua, com avisos para o que não quer ver acontecer na especialidade: pôr em perigo o conseguido até aqui. Da direita ouviu sobretudo a repetição da crítica de eleitoralismo e também reivindicações de medidas.
Fora do plenário, nos corredores (e redes sociais) corria outro momento do debate, menos político… a deputada do PS Isabel Moreira fora apanhada pelo repórter fotográfico da Reuters, sentada na bancada parlamentar, a pintar as unhas enquanto decorria o debate. Já lá dentro, no debate propriamente dito, o verniz nunca chegou a estalar. No segundo dia se verá.
Esquerda trouxe caderno de encargos para o debate que se segue…
Os parceiros do Governo chegaram ao debate do último Orçamento que negociaram com o PS a tentar fugir a uma colagem total às políticas do Governo. Ambos optaram por apontar a metade meio vazia do copo orçamental, pedindo ao ministro das Finanças que dissesse ali no Parlamento até onde pode ir mais o Governo no debate que se segue, o da especialidade.
O PCP avançou com um verdadeiro caderno de encargos, pedindo a atualização dos escalões de IRS, a redução do imposto sobre os combustíveis ou o novo escalão da derrama estadual. Além disse, os comunistas reclamam o “aumento geral para todos os funcionários públicos” e o aumento do salário mínimo para 650 euros. João Oliveira foi mesmo direto na pergunta a Centeno: “Qual a disponibilidade para aceitar medidas do PCP?”.
“Estamos certos que se podia ter feito mais e melhor”, disse no BE Mariana Mortágua que pediu diretamente ao ministro que esclarecesse o valor dos aumentos salariais na função pública. “O Orçamento não é um envelope secreto”, disse depois de acusar Centeno de fazer segredo da proposta de aumentos para a função pública”. E, antes disso, tinha ainda pedido ao ministro para “explicar porque continua a adiar investimentos” porque “quando a próxima crise chegar (e ambos sabemos que ela virá) o que vai fazer diferença não é se o défice é 0,1; 0,15 ou 0,2%”. José Manuel Pureza havia de fazer uma intervenção de fundo a avisar que “orçamentar e não executar pode dar sorrisos no Eurogrupo”, mas tem custos internos nos investimentos necessários na ferrovia ou na saúde.
… e Centeno diz que é preciso ter calma
O ministro das Finanças trouxe uma novidade para o debate: o Governo vai descer o imposto sobre a gasolina em três cêntimos. Mas a máxima maior que trazia preparada para este debate na generalidade era outra: “Foi assim que começámos esta legislatura, é assim que queremos e vamos terminar esta legislatura: atingindo as metas, superando as metas”. O caminho é de “sentido de responsabilidade”, chegou a dizer diretamente em resposta às reivindicações que vinham da esquerda para o debate na especialidade.
Falando na terceira pessoa, Centeno disse que “o que o ministro das Finanças pretende é que esse debate seja equilibrado, porque se põe em causa esta trajetória, vamos fazer com que todas as outras conquistas que fizemos possam ser postas em causa”. Deita ostensivamente o pé ao travão da negociação que ainda vem aí, com os partidos da esquerda a tentarem que a versão do Orçamento que sair da Assembleia da República a 29 de novembro (dia da votação final global) tenha algumas das medidas que não conseguiram incluir na primeira ronda negocial.
“A especialidade é um período de debate e esperemos que esse debate seja guiado por sentido de responsabilidade”, pediu mesmo o ministro das Finanças Centeno. Rejeitou as críticas de eleitoralismo vindas da direita, mas sobretudo sublinhou que o Governo “não tem mandato para voltar atrás”, recusando “soluções simples”.
Foi o único da bancada do Governo a falar neste primeiro dia de debate. O primeiro-ministro não disse uma palavra, nem dirá esta terça-feira, guardando-se para a intervenção de fecho na votação final global. Esta terça vão falar o ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, o ministro do Planeamento, Pedro Marques, e o ministro da Segurança Social, Vieira da Silva.
PSD põe desalinhados a falar, CDS escolhe a líder para atacar silêncio de Costa
A maneira como os partidos da direita parlamentar decidiram encarar este primeiro dia de debate do Orçamento foi muito diferente de um para o outro. Por um lado, o CDS optou por jogar o seu maior trunfo logo no arranque, pondo Assunção Cristas a atacar com unhas e dentes o silêncio de António Costa (que esteve presente na bancada do governo, mas não vai fazer qualquer intervenção nem esta segunda nem na terça-feira). O PSD, por outro, surpreendeu toda a gente quando optou por pôr dois dos seus principais desalinhados (e rostos do passismo) a intervir: Hugo Soares, com honras de tribuna, e Maria Luís Albuquerque, com a honra de última intervenção da noite. Para memória futura fica o momento em que (quase toda) a bancada do PSD se levantou para aplaudir a intervenção de Hugo Soares, o ex-líder parlamentar que foi afastado por Rui Rio. Todos menos o líder parlamentar Fernando Negrão e o vice Adão Silva: aplaudiram, sim, mas sentados.
Foi uma estratégia pouco comum num PSD em ebulição: se por um lado, a direção da bancada optou por pôr o primeiro vice Adão Silva (próximo de Rio) a fazer a intervenção de abertura, onde acusou BE, PCP e PS de andarem “à canelada” para tirarem proveitos eleitorais do Orçamento, por outro, escolheu um dos principais rostos da oposição interna (se é que a há) a fazer a chamada intervenção de fundo. Falando do alto da tribuna, Hugo Soares apontou o dedo aos partidos da esquerda — “radicais” — que aprovam tudo em nome de “migalhas de poder” e desfez-se em críticas ao orçamento: “poucochinho”, “sem visão de futuro”, que cria novos impostos e aumenta outras, sem “estratégia para o crescimento”. No fundo, um orçamento que não é mais do que “umbiguismo político”, disse.
Já Assunção Cristas dirigiu os ataques — duros –, sobretudo, a António Costa. Com primeiro-ministro sentado em silêncio na bancada do governo, a líder do CDS acusou-o de ser “fraco”, “arrogante”, de “se esconder atrás de Mário Centeno”, de “desrespeito”, “cobardia política” e de, com isso, lhe causar “vergonha alheia”. Segundo Cristas, Costa optou pelo silêncio para não ser confrontado com as perguntas da oposição, nomeadamente sobre o caso de Tancos — tal como em 2016 se “escondeu” no debate orçamental para não responder aos deputados sobre o caso polémica da Caixa Geral de Depósitos e das sms de António Domingues. Tirando isso, o CDS juntou-se ao PSD para, em coro, acusarem o governo e as esquerdas de terem feito um orçamento eleitoralista, que não é mais do que “uma oportunidade perdida” para impulsionar o crescimento económico e as reformas estruturais, feito apenas a pensar nas eleições de outubro.
Já na reta final, com o relógio a bater nas 20h30, Maria Luís Albuquerque ainda se inscreveu para falar. Queria perguntar ao governo, que se gaba de crescer na média da Europa, porque é que Portugal não cresce como os países “do seu tamanho”. “Porque razão a Irlanda, Chipre ou Espanha crescem mais do que nós?”, quis saber a ex-ministra. Mas não obteve resposta, já que foi a última intervenção da noite. Terça-feira há mais.
E o verniz de Isabel Moreira
Foi o momento extra debate, que acabou por centrar muitos comentários, mas fora do debate parlamentar. A deputada socialista Isabel Moreira foi apanhada a pintar as unhas durante o debate do Orçamento na generalidade, por um repórter fotográfico da Reuters que partilhou o momento nas redes sociais que, depois, fizeram o resto.
Contactada pelo Observador, Isabel Moreira não quis fazer comentários sobre o caso.