Esperava-se o IVA das touradas levasse Graça Fonseca a enfrentar uma avalanche de críticas esta terça-feira na Assembleia da República, mas não foi isso que aconteceu. Na audição à ministra da Cultura no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2019 (OE2019), o assunto foi puxado por Teresa Caeiro, do CDS, sem gerar grandes reacções. A deputada rejeitou a manutenção do IVA a 13% nas corridas de touros, tal como previsto no orçamento da Cultura. “Não podemos fazer uma ditadura do gosto através da fiscalidade”, disse Teresa Caeiro. “É inconstitucional.”

Na semana passada, Graça Fonseca tinha afirmado no parlamento que é “uma questão de civilização” manter a 13% o IVA dos bilhetes de acesso a exibições tauromáquicas, em vez de o reduzir para 6%, tal como o OE2019 prevê para outros espectáculos. A frase causou indignação entre aficionados, incluindo dirigentes do PS. Sem se impor, o tema rondou a audição conjunta da Comissão de Cultura e da Comissão de Orçamento e Finaças, no plenário, esta terça-feira.

Para Teresa Caeiro, é condenável a proposta de IVA a 6% “só para alguns” e “só a 1 de julho”. Insistiu depois na palavra “discriminação”.

“Ao reduzir o IVA para 6% em [espetáculos de música em] recintos fixos, [o Governo] quis deixar de fora os grandes festivais, mas deitou fora a criança com a água do banho, porque discrimina de uma forma clamorosa o interior do país, onde há menos recintos”, afirmou.

Sobre as touradas, afirmou que a ministra “tem todo o direito a ter opinião pessoal”, mas “o governo não pode definir o que são atos de civilização e o que não são”.

“Usar o fisco como forma de discriminação de uma atividade legítima tem um nome: censura. Está a fazer uma censura a uma atividade que mobiliza muitas pessoas. Não somos insensíveis às pessoas que não gostam de espetáculos tauromáquicos, nem todos os militantes do CDS gostam. Mas não podemos fazer uma ditadura do gosto através da fiscalidade. Aliás, é inconstitucional”, insistiu Teresa Caeiro, que até citou declarações recentes do histórico socialista Manuel Alegre

Na resposta, Graça Fonseca disse manter as declarações da semana passada. “Em momento algum chamei incivilizado a quem quer que seja. Todas as políticas públicas têm na sua base valores civilizacionais que partilhamos e perfilhamos e as civilizações evoluem.” Contra-atacou ao lembrar que o IVA nas touradas chegou a ser de 23% durante o governo PSD-CDS, argumento mais tarde repescado pelo deputado socialista José Magalhães, segundo o qual a preocupação do CDS com o IVA a 6% é uma “pirueta”.

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1% para a Cultura

A audição durou nada menos que cinco horas, entre as 10 da manhã e as três da tarde, num ritmo quase sempre pouco enérgico. Graça Fonseca, empossada há menos de um mês, tentou responder a todas as interpelações dos deputados. Contou com a ajuda da nova secretária de Estado, Ângela Carvalho Ferreira. Ambas evitaram entrar em detalhes sobre alguns temas, nomeadamente os custos do aumento de capital da RTP, o reforço do financiamento do Festival de Teatro de Almada ou a criação, anunciada há mais de uma década e referida no OE2019, de um Arquivo Sonoro Nacional.

O Revive, programa de reabilitação de património criado pelo governo em 2016, ocupou algumas intervenções, com a secretária de Estado da Cultura a enumerar os milhões previstos para obras e a garantir que vários concursos serão lançados nos próximo meses.

Segundo o deputado Jorge Campos, do Bloco de Esquerda, o orçamento da Cultura “fica aquém das expectativas”, porque “apesar do aumentos, o ponto de partida é muito baixo”. “Está muito longe ainda de 1%” do OE, lamentou Jorge Campos.

O grupo parlamentar do PCP concordou – “não vamos desistir do 1%”, avisou a comunista Ana Mesquita – e pediu por diversas vezes respostas sobre a integração nos quadros da RTP e da agência Lusa de trabalhadores com vínculos precários. “Os 130 que já têm parecer positivo irão ser integrados, os restantes, que não têm parecer positivo, estão em fase de audiência de interessados e veremos”, disse Graça Fonseca.

Anúncios da ministra

Numa intervenção inicial, com cerca de 20 minutos de duração, a ministra tinha deixado um rol de anúncios. Será conhecida já em dezembro a proposta de revisão do novo modelo de apoio às artes (modelo que entrou em vigor nos concursos de 2017 da Direção-Geral das Artes e que causou enorme polémica por ter deixado sem financiamento várias estruturas de criação). Essa proposta visa o “aperfeiçoamento” dos concursos e a “simplificação de formulários”, explicou, o que “não colocará em causa o prazo” desses mesmos concursos.

Graça Fonseca adiantou também que um novo sistema de venda eletrónica de bilhetes em monumentos nacionais terá início já em dezembro no Mosteiro dos Jerónimos e do Museu de Arqueologia, em Lisboa. Ao longo de 2019, o sistema será alargado à Torre de Belém, ao Mosteiro da Batalha, ao Mosteiro de Alcobaça e ao Convento de Cristo em Tomar. Disse ainda que o Museu de Évora passará a ter estatuto legal de museu nacional. “O primeiro a sul do Sado”, sublinhou.

Quanto à já conhecida transformação do Forte de Peniche em Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, será uma realidade em abril do próximo ano. “Uma primeira abertura” está marcada para 27 de abril, garantiu.

Sobre a criação do Estatuto da Bailarino Profissional, que visa profissionais da Companhia Nacional de Bailado (CNB), tema abordado por deputados à esquerda e à direita, Graça Fonseca respondeu que aguarda a posição final de um grupo de trabalho que tem estudado o tema. Já quanto à Orquestra Sinfónica Portuguesa, outro anúncio: um ansiado espaço de ensaio esta já identificado e situa-se na zona de Xabregas, em Lisboa. Só não se sabe quando estará ao serviço daqueles músicos.

A ministra referiu ainda que “tem estado a ser desenvolvido um projeto com a Google” para que vários museus portugueses estejam presentes numa plataforma da gigante americana de tecnologia, “com conteúdos e visitas virtuais”, o que parece corresponder a anúncio idêntico feito há um ano.

Novamente as touradas

O tema das corridas de touros manteve-se morno, mas seria retomado por vários deputados do PSD. António Ventura garantiu que “as declarações da senhora ministra sobre tauromaquia ofenderam clara profundamente a população da Terceira, a população mais taurina do mundo. Ofendeu povo e as tradições tauromáquicas da ilha. Por mim, já não estava aí.” Cristóvão Crespo quis saber se a “posição de discriminação negativa” da ministra face às touradas é “pessoal ou do governo”. Graça Fonseca não quis acrescentar mais nada.

Noutro quadrante, o bloquista Jorge Falcato Simões sublinhou que “todos equipamentos” culturais públicos “já deveriam estar adaptados e acessíveis” desde fevereiro de 2017 a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. “Tem o Ministério um plano para adaptação dos edifícios sob a sua tutela?”, perguntou. A DGPC “está a fazer um levantamento de todas as necessidades” e “novas empreitadas” começarão no próximo ano, prometeu a ministra.

No fim da audição, a titular da pasta da Cultura deixou uma mensagem que parece corresponder à visão estratégica que pretende para o setor: “Devemos discutir como dinamizar mais a presença de privados em projetos de âmbito cultural, não só por razões financeiras: quanto mais alargarmos a rede de parceiros públicos e privados, maior capacidade teremos de criar novos públicos e oferecer políticas culturais mais diversificadas.”