As obras de arte, avaliadas em 197 mil euros, que foram apreendidas ao ex-primeiro-ministro, quando foi detido, poderão voltar às suas mãos muito em breve — mas apenas na condição de fiel depositário. Basta que José Sócrates, que sempre alegou que nem todos os quadros são seus, concorde em guardá-los em casa até ao final do processo — que se poderá arrastar durante anos.
Esta é uma das várias decisões que o juiz de instrução Ivo Rosa tomou no despacho de abertura de instrução, assinado no último dia 6 de novembro, a que o Observador teve acesso, e que vem já marcar algumas diligências desta fase do processo — uma fase que irá culminar na decisão sobre se o processo da Operação Marquês segue ou não para julgamento e com que arguidos e crimes.
O quadro de Júlio Pomar que o Ministério Público quer tirar a Sócrates
A proposta de entregar as obras, que incluem a pintura “Salomé” de Júlio Pomar”, partiu do próprio Ministério Público ainda antes de o processo ser distribuído. Rosário Teixeira pedia ao futuro juiz de instrução que tomasse uma posição sobre as obras, referindo não se opor a que fossem entregues ao arguido José Sócrates, como fiel depositário. Ou seja, apenas como guardião das obras até se decidir todo o processo e perceber se, de facto, as obras foram adquiridas com dinheiro vindo das contas da Suíça e que as autoridades acreditam serem fruto de crimes de corrupção.
O juiz Ivo Rosa, agora no despacho de abertura de instrução, aceitou notificar José Sócrates para se pronunciar, nos próximos cinco dias, se concorda ou não guardar as obras que lhe foram apreendidas em 2014 — e que foram compradas pelo amigo Carlos Santos Silva. O juiz também concordou com o MP num ponto importante: recusar que o juiz Carlos Alexandre seja ouvido como testemunha, como pediram as defesas de Sócrates e de Armando Vara no requerimento de abertura de instrução.
Operação Marquês. Requerimento de Vara pede afastamento Carlos Alexandre
Refere Ivo Rosa que ambas as defesas invocaram a nulidade relativa à distribuição do processo, a 9 de setembro de 2014. E outras defesas, como a do empresário Carlos Silva, referem mesmo que alguns atos de investigação por ele autorizados devem, consequentemente, ser considerados nulos. Mas como esta é uma “questão jurídica”, não tem que ser apreciada em fase de instrução, onde apenas se analisam factos. Já o Ministério Público tinha entendido da mesa forma. Não podia Carlos Alexandre ser testemunha porque nada tem a dizer sobre os factos que constam na acusação.
Mas o despacho de Ivo Rosa não está todo de acordo com a vontade do Ministério Público. A defesa de Hélder Bataglia, por exemplo, alegou no seu requerimento de abertura de instrução que o empresário não podia responder por crimes pelos quais já tinha sido investigado — e cujo processo foi arquivado — em Angola. Pedia, ainda, ao tribunal que pedisse à Autoridade Tributária uma declaração de como não era residente em Portugal. Para o MP, podia ser o próprio Bataglia a entregar cópia da decisão angolana. Rosário Teixeira também não viu interesse em pedir às Finanças qualquer comprovativo, uma vez que “são imputados factos relativos a anos em que próprio arguido apresentou declarações de IRS em Portugal, nos anos de 2006 e 2010”, lê-se no despacho.
Mas o juiz de instrução optou por pedir cópia do despacho de arquivamento por via do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre Portugal e Angola. Também preferiu oficiar a Autoridade Tributária para que informe em que data o arguido deixou de residir em Portugal.
No despacho de abertura de instrução, Ivo Rosa marca já as datas para ouvir uma série de testemunhas. A primeira será Bárbara Vara, a 28 de janeiro de 2019. No dia seguinte será o pai, arrolado por ela. Embora seja arguido no processo, será ouvido como sua testemunha. Há inquirições marcadas até março.
Operação Marquês. Defesa diz que Bárbara Vara se limitou a “confiar no pai”
(Artigo corrigido na data de inquirição de Armando Vara)