O ex-ministro Armando Vara já tinha tinha dito em interrogatório que a filha era “alheia” a todas as movimentações financeiras que o levaram a ser constituído arguido na Operação Marquês. E foi essa a palavra, “alheia”, que a defesa de Bárbara Vara escolheu no requerimento de abertura de instrução do caso, para mostrar que não terá tido qualquer intervenção no esquema que o Ministério Público acredita ter servido para pagar luvas ao ex-primeiro-ministro José Sócrates.

A tese da defesa, que pede a abertura de instrução para evitar que Bárbara Vara seja julgada por dois crimes de branqueamento, assenta no desconhecimento da arguida. A filha de Armando Vara garante que apenas deu o nome a contas do pai por uma questão de segurança e que desconhecia que tinha sido ele quem, afinal, comprou o apartamento que vendeu na Avenida do Brasil, em Lisboa. No requerimento a que o Observador teve acesso, os advogados Rui Patrício e João Lima Cluny concluem que o Ministério Público não conseguiu demonstrar a intervenção da arguida no caso e que se limitou a “especular”.

Bárbara Vara é acusada de um crime de branqueamento em coautoria com os arguidos José Sócrates, Carlos Santos Silva, Joaquim Barroca, Armando Vara, Diogo Gaspar Ferreira e Rui Horta e Costa. Diz a acusação que houve um acordo entre os arguidos (sem referir o nome de Bárbara Vara) relativo à intervenção da Caixa Geral de Depósitos nos financiamentos ao Grupo Vale do Lobo. Financiamento que terá resultado no pagamento de luvas de dois milhões de euros a dividir por Armando Vara e José Sócrates. Estas compensações foram pagas pelo holandês Van Dooren, passaram por uma conta na Suíça em nome de Barroca e só depois chegaram a uma conta indicada pelo empresário Carlos Santos Silva (que se destinava a Sócrates) e a outra indicada por Armando Vara — que terá sido a da Vama holding.

https://observador.pt/videos/sim-sr-procurador/sim-sr-procurador-o-interrogatorio-a-filha-de-armando-vara/

Bárbara Vara é, desde, 2005 a beneficiária final dessa empresa, a offshore Vama holding, e figura como titular da sua conta na Suíça. No entanto a defesa garante que ela desconhecia completamente os seus movimentos. À data, a arguida tinha apenas 27 anos e, como era a filha mais velha, o pai pediu-lhe que fosse titular das suas contas por uma questão de “precaução/segurança económica da sua família”. Ela aceitou. “Sem questionar ou desconfiar dos motivos subjacentes aos mesmos, uma vez que não havia nenhum motivo minimamente plausível para o fazer, bem pelo contrário. A arguida limitou-se a confiar no seu pai, como qualquer pessoa na sua posição confiaria”, diz a defesa. Além da Vama, Bárbara Vara também figurava como beneficiária da offshore Walker.

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“A arguida não teve qualquer intervenção ou conhecimento do recebimento e, ainda menos, da alegada proveniência ilícita desse montante, uma vez que detinha um papel meramente formal naquela conta, mantendo-se alheia à movimentação da mesma, sendo apenas e só o seu pai o titular dos fundos nela recebidos, e quem determinava as suas movimentações”, lê-se no requerimento.

Os advogados de Bárbara Vara repetem que ela era “alheia” à proveniência do dinheiro, aos movimentos e saldos da conta e ao seu destino. Logo, não pode ser acusada de branqueamento. São “especulações puras (…) não bastando para tal a arguida aparecer como autorizada na movimentação daquela conta”.

“Ora, conforme já acima demonstrado, a ter havido qualquer conluio entre os agentes para a realização das transferências em causa, a arguida ficou fora desse acordo e, igualmente, fora da distribuição de tarefas para a realização das mesmas. Não tendo actuado, assim, em cooperação consciente e querida na execução do facto, necessária para a imputação do crime em co-autoria”, justifica a defesa.

Bárbara Vara é ainda acusada de um segundo crime de branqueamento relativamente a um apartamento que detinha em Lisboa. Diz o Ministério Público que o negócio feito com esta casa serviu para branquear parte do milhão de euros depositado na Vama, mas a defesa garante que a arguida se limitou a permutar o apartamento e a pagar a diferença com um crédito que contraiu na Caixa Geral de Depósitos. Desconhecendo por completo que foi, afinal, o pai quem acabou por comprar o referido apartamento.

Trata-se de uma casa na Avenida do Brasil. Segundo o requerimento de abertura de instrução, Bárbara Vara trabalhava no estrangeiro e terá pedido ao pai para tratar da venda da sua casa. A ideia era permutar por uma outra na Avenida Infante Santo. Para tal, a casa foi avaliada em 390 mil euros e Bárbara Vara pediu à Caixa Geral de Depósitos o remanescente de 231 mil euros.

Nessa altura, o gerente de uma empresa de Vara em Portugal, a Citywide, terá mostrado a intenção de comprar o apartamento na Avenida do Brasil. E o Ministério Público até tem um registo de mensagens trocadas entre Vara e a filha sobre isso. Aliás, Bárbara Vara chegou a enviar a caderneta predial do apartamento ao próprio gerente. Só que, no final, a casa acabou por ser comprada não pelo gerente da empresa, mas pela empresa do ramo imobiliário de Vara, a Citywide, voltando assim à esfera da família e fazendo o Ministério Público suspeitar de uma operação de branqueamento.

Os advogados de Bárbara Vara garantem que ela desconhecia esta empresa do pai. Mais: desconheceria que tinha sido o dinheiro dele a adquirir novamente o apartamento que tinha dado como permuta a um vendedor. E, por isso, consideram que, desconhecendo por completo que estava a entregar um imóvel que serviria para um alegado crime de branqueamento, não pode ser acusada desse crime. “Perante o desconhecimento da proveniência ilícita dos fundos, não podia a arguida determinar a sua conduta com a intenção de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor dessa infracção fosse criminalmente perseguido”, concluem.

A defesa pede que Bárbara Vara preste declarações em fase de instrução e indica os nomes de testemunhas que tiveram conhecimento direto nestes casos.

Termina esta quinta-feira, já com multa, o prazo para as defesas dos 28 arguidos da Operação Marquês pedirem a abertura de instrução.