A defesa de Armando Vara diz que a escolha do juiz Carlos Alexandre no processo que envolve José Sócrates foi “ilegal e manipulada” e quer que ele seja afastado da fase instrutória do processo — fundamental para perceber se o caso segue ou não para julgamento. Para isso, os advogados do ex-ministro sustentam que uma parte dos atos validados por Carlos Alexandre durante a investigação são nulos. E que não pode ser ele o juiz a avaliar essa questão em fase instrutória.

No requerimento de abertura de instrução, a que o Observador teve acesso, os advogados Tiago Rodrigo Bastos e Filipa Elias alegam que uma “parte muito substancial dos atos praticados no inquérito se encontram fulminados em virtude da ocorrência de nulidades insanáveis que determinam a sua anulação e, consequentemente, a sua extirpação do processo”, consequentemente deixa de haver provas que permitam “a sustentação na fase de julgamento”.

Segundo a defesa, o procedimento de distribuição do processo a 9 de setembro de 2014 foi manipulado para que ficasse nas mãos de Carlos Alexandre, pelo que todos os atos praticados depois disso devem ser considerados nulos, esvaziando assim as provas reunidas em fase de inquérito e matando a acusação. Os advogados dizem que, ao abrigo da Lei de Organização do Sistema Judiciário, e depois de o Tribunal Central de Instrução Criminal passar a ter dois juízes, o DCIAP enviou o processo para ser redistribuído e que a juíza presidente determinou que fosse distribuído de forma eletrónica e, por isso, aleatória. No entanto, o processo Marquês, assim como o dos Vistos Gold — ambos mediáticos e a envolverem ex-governantes — mantiveram-se com Carlos Alexandre, enquanto ao outro juiz foram atribuídos cinco outros processos.

“A referida afetação foi feita, como se pode ler no documento, mediante uma chamada atribuição manual, não tendo sido observada a distribuição eletrónica, nos termos legais”, diz.

A defesa alega ainda que, por outro lado, em fase de inquérito o processo é do Ministério Público, seu único titular, não estando distribuído ou atribuído a um juiz de instrução. Este só é chamado a intervir “pontualmente”, por isso acontece que, de cada vez que os investigadores pedem a validação de algum ato, o juiz de instrução deve ser escolhido aleatoriamente. Ou seja, “cada vez que o MP pretende que seja praticado um ato jurisdicional, haverá que distribuir o processo, garantindo a aleatoriedade da atribuição do processo, de forma a salvaguardar as garantias de imparcialidade do juiz”.

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Assim, refere o requerimento, “no processo foi violado um dos mais importantes princípios constitucionais, e os arguidos privados de uns dos mais elementares direitos que a lei e a Constituição lhe conferem — o direito a ter decisões jurisdicionais proferidas pelo juiz legal, ou seja, o juiz que lhe calhar em sorte em resultado de um processo aleatório”.

Os advogados pedem ainda que Carlos Alexandre seja chamado a testemunhar sobre isto na fase de instrução agora pedida. E, sendo chamado como testemunha, não pode ser ele a apreciar a acusação e a decidir se há matéria para levar os 28 arguidos a julgamento. Assim, a única solução seria atribuir o processo ao juiz Ivo Rosa.

Conselho Superior de Magistratura recusa

Em resposta ao Observador, o Conselho Superior de Magistratura lembra que nem o processo da Operação Marquês, nem o dos Vistos Gold, foram distribuídos em setembro de 2014, após a nova lei da reorganização judiciária, mas em 2013. “Em 1 de Setembro de 2014, com a reorganização judiciária, o Tribunal Central de Instrução Criminal passou de um para dois lugares de juiz. Até essa data o tribunal em causa tinha apenas um titular”, refere o CSM. Nessa altura foi colocado um outro juiz naquele tribunal, mas, como estava em comissão de serviço, foi substituído por João Bártolo.

Mais: o órgão que tutela a magistratura refere que “a distribuição dos processos é distinta para cada fase do processo”. E que, ao contrário do que alega a defesa de Vara, “em Tribunais de Instrução Criminal com mais do que um titular, o processo remetido para actos jurisdicionais é distribuído aquando da primeira solicitação de intervenção de juiz e permanece desde então afeto ao juiz a quem foi distribuído. Existirá nova distribuição quando e se o processo for remetido para a fase de instrução criminal”. Ou seja, os processos que Carlos Alexandre tinha em mãos, e sobre os quais já tinha praticado atos, mantiveram-se com ele. Só os novos processos foram distribuídos pelos dois juízes.

O CSM recusa ainda que tenha havido uma “distribuição manual”. “A atribuição manual feita pela Senhora Escrivã de Direito em 9 de Setembro de 2014, não é distribuição de processos (que já haviam sido distribuídos) mas transição daqueles processos da antiga estrutura para a nova estrutura, como ocorreu nos demais tribunais”. E foi feita manualmente como aconteceu noutros tribunais por causa de problemas de funcionamento da plataforma Citius.

[Veja o vídeo do interrogatório a Armando Vara]

Defesa diz que há provas proibidas no Face Oculta que não podem ser usadas no Marquês

No requerimento, a defesa alega ainda que foram usadas provas proibidas, referindo-se a escutas do processo Face Oculta de conversas mantidas entre Armando Vara e José Sócrates que foram alvo de uma ordem de destruição. “Impõe-se determinar a proibição de utilização como meios de prova”, alega a defesa.

Armando Vara é acusado de um crime de corrupção passiva de José Sócrates e de um de branqueamento por causa de um crédito concedido pela Caixa Geral de Depósitos para o empreendimento de Vale do Lobo. Diz o Ministério Público que ambos receberam dois milhões de euros a dividir pelos dois que foram depositados em contas na Suíça em nome de Joaquim Barroca. Mas, na versão da defesa, não interessa se o dinheiro andou a circular por várias contas porque para efeitos criminais ele só se torna uma vantagem quando chega às mãos dos corrompidos. E todas estas operações que a acusação vê como formas de branqueamento foram feitas antes de os arguidos receberem efetivamente o dinheiro e dele terem proveito.

Vara é ainda acusado de dois crimes de fraude fiscal relativamente aos anos de 2005 e 2008. No entanto, lembra a defesa, o milhão de euros recebido em 2008 só podia ser declarado em 2009, pelo que um destes crimes deve ser eliminado. E de um crime de branqueamento numa operação feita através da empresa Citywide, uma sociedade de Vara que acabou a comprar o apartamento que a sua filha, também arguida no processo, acabara de vender. No entanto, dizem os advogados, este negocio foi feito em 2009 e terá prescrito em outubro de 2014. Logo, os arguidos não podem ser responsabilizados por ele.