O ministro da Defesa garante que “as Forças Armadas não têm problemas de inventário”, depois de o PSD ter questionado João Gomes Cravinho sobre as “divergências” entre o material que desapareceu dos Paióis Nacionais de Tancos e aquele que seria recuperado quatro meses mais tarde. Numa audição conjunta entre a comissão de Defesa e a comissão de Finanças, agendada para discutir as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para o próximo ano, PCP e PS mostraram desagrado com o foco que o PSD deu à reunião.

O deputado Pedro Roque, na primeira intervenção do PSD, questionou o ministro da Defesa sobre “problemas” do Exército “quanto a inventário do material” de guerra que desapareceu dos paióis. Não havendo dificuldades de garantir o rigor desse inventário, “como explica divergências entre o material furtado e o material recuperado, a menos e a mais?”, quis saber o social-democrata na primeira vez que o novo ministro esteve presente numa comissão da Defesa.

Perante a insistência do PSD no tema de Tancos, no dia anterior à tomada da comissão parlamentar de inquérito que vai analisar o caso, o deputado comunista Jorge Machado mostrou-se desagradado com a intervenção de Pedro Roque e o socialista Ascenso Simões chegou mesmo a pedir à mesa que fosse distribuída a cópia da convocatória da reunião desta terça-feira, para sublinhar que era uma audição relativa ao Orçamento e não ao caso Tancos.

João Gomes Cravinho também registou o enfoque em “questões que se relacionam com o passado”, um passado em que o novo ministro não teve intervenção. Mas Gomes Cravinho ainda foi a jogo, sobretudo para garantir que “as Forças Armadas não têm problemas de inventário”. O ministro reconhece que “há, efetivamente, informações contraditórias” sobre o material furtado, mas escudou-se em “algumas limitações” que o impedem de fazer uma “elucidação total dessas informações contraditórias”.

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Em concreto, o facto de “haver um inquérito judicial em curso” impede o ministro de explicar os dados que diz ter recebido do novo Chefe do Estado-Maior do Exército. João Gomes Cravinho disse apenas que, nas conversas que tem mantido com o general Nunes da Fonseca, tem recebido “todas as garantias de que precisava”.

A mudança na chefia do Exército foi, aliás, outros dos temas levantados pelo PSD no arranque da audição. “Quais as razões de demissão do general Rovisco Duarte?”, questionou o deputado Pedro Roque. Foram “pessoais”, como indicava a carta enviada a Belém, ou foram “políticas”, como sublinhava a missiva que Rovisco Duarte fez chegar aos militares do ramo?

Sobre esse tema, houve resposta mas não esclarecimento. “O grau de confiança é essencial para que ambos”, ministro e chefe do Exército, “possamos fazer aquilo que é da nossa responsabilidade”, e isso “exige um grau de confidencialidade” que impede “a possibilidade de repetir as conversas tidas dentro de paredes”, disse o ministro da Defesa.

O tema de Tancos voltaria pela mão CDS, mas apenas para o deputado João Rebelo pedir um “ponto de situação” sobre as medidas de segurança nas instalações onde está guardado material de guerra dos vários ramos. Gomes Cravinho disse apenas que, nas visitas que têm marcadas às instalações da Marinha, Exército e Força Aérea (esta quarta-feira, sexta-feira e no final do mês, respetivamente), essa será uma das suas “preocupações“. “Vou verificar in loco a forma como funciona a segurança” dessas instalações, disse o ministro.

Exército europeu “é um caminho por onde não vamos”

Noutro âmbito, numa resposta a questões colocados pelo deputado João Vasconcelos (Bloco de Esquerda) sobre a situação do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA), com um passivo de várias dezenas de milhões de euros, Gomes Gravinho admitiu a necessidade de “melhorar a gestão” deste organismo. Depois, já em resposta a Jorge Machado (PCP), o ministro levantaria mais o véu sobre os planos que tem para IASFA, ao admitir a possibilidade de uma “gestão autónoma” entre este organismo e a Assistência na Doença aos Militares (ADM). Colocar a ADM no seio do IASFA foi “uma decisão questionável”, diz o ministro, mas “possível” de gerir.

Impossível será, por outro lado, que Portugal embarque na formação de um Exército europeu. Esta semana, no âmbito da comemoração dos 100 anos do Armistício que pôs fim à I Guerra Mundial, o presidente francês Emmanuel Macron disse que a constituição de uma Força Armada à escala europeia “será a única forma” de “proteger os europeus” de uma ameaça russa. Nas duas reuniões que Gomes Cravinho teve com a congénere francesa, o ministro deixou garantias que Portugal — que aderiu à formação de uma Cooperação Estruturada Permanente — não fará número nesse projeto.

Nessas conversas com Florence Parly, diz o ministro, “a questão da eventual formação de Exército europeu não surgiu exceto na forma negativa”. Esse é, aliás, “um caminho por onde não vamos e tive oportunidade de lhe dizer claramente”, assegurou aos deputados. Há uma “resolução clara nessa matéria” aprovada na Assembleia da República e a ministra “não fez menor esforço” para convencer Gomes Cravinho a seguir outra caminho.

Pelas palavras do ministro da Defesa, as notícias de um interesse em formar um corpo militar europeu serão, de resto, manifestamente exageradas. “Há uma grande distância entre soundbites,  que resultam até de responsáveis europeus, e aquilo que se está conversando nas reuniões internacionais”, disse Gomes Cravinho.

Na sua primeira presença no Parlamento para uma audição com os deputados da Defesa (neste caso, em conjunto com a comissão de Orçamento e Finanças), Gomes Cravinho foi também confrontado com o número dos efetivos nos vários ramos. “Estamos abaixo dos 28 mil efetivos”, assinalou João Rebelo (CDS). “Estes números minam credibilidade das Forças Armadas”, defendeu o deputado centrista.

O ministro reconhece que o número de militares integrados é “baixo” face ao previsto, mas — e respondendo à comparação feito entre o efetivo atual e o período em que Portugal esteve sob intervenção externa feita pelo CDS — distingue os dois momentos. “A atratividade das Forças Armadas” durante a troika, “face às alternativas, era muito maior face a um contexto onde há muito mais oportunidades”, respondeu Gomes Cravinho, defendendo ainda que as Forças Armadas “têm de saber, a prazo, lidar com um contexto de desemprego baixo” porque “não podem ser um repositório” de jovens que não conseguem trabalho no contexto civil.

O ministro garantiu ainda que, “até ao final do mês”, a Lei de Programação Militar será entregue no Parlamento para ser aprovada até ao final do ano. O CDS considera que “dificilmente” os prazos previstos na lei, “a não ser que a comissão de Defesa comece a correr a aprovar” a legislação que define os investimentos em material e equipamento militar a longo prazo.

A intenção do Ministério da Defesa — e recorde-se que o ex-ministro Azeredo Lopes tinha prometido o documento na Assembleia da República para o mês de outubro — passou por separar a discussão deste documento da análise do Orçamento do Estado para 2019. “Quisemos valorizar devidamente os partidos” disse o ministro, admitindo o interesse em “discutir com todos a programação militar que se pretende para os próximos doze anos”.

Para a aprovação da LPM, e por tratar-se de uma lei de valor reforçado, o Governo precisa da maioria dos deputados em efetividade de funções. Para alcançar essa maioria de votos, o PS terá de voltar-se para a direita parlamentar, uma vez que nada faz prever que Bloco de Esquerda e PCP rompam com a sua linha de veto.