Nos mais de 20 anos dedicados a estudar o parasita da malária, Maria Manuel Mota tem sido distinguida com prémios nacionais e internacionais, científicos ou não, mas esta é a primeira vez que recebe um prémio de carreira atribuído por uma instituição científica internacional. “Foi completamente inesperada”, confessou a investigadora ao Observador. “Nem sequer sabia que tinha sido nomeada.”

O prémio Sanofi-Pasteur é “um grande reconhecimento”, afirma a diretora do Instituto de Medicina Molecular. Até porque é atribuído por nomeação. Ou seja, o nome de Maria Manuel Mota teve de ser proposto por investigadores reputados, ligados a instituições científicas, mas nenhum deles podia fazer parte da sua equipa. O júri, composto por 14 elementos, é presidido por Elizabeth H. Blackburn, Nobel da Medicina 2009.

“Não é um balúrdio de dinheiro, mas é livre”, diz Maria Manuel Mota, referindo-se aos 150 mil euros do prémio. Quando os prémios são atribuídos a um projeto específico, a linha de investigação está muito bem traçada e as despesas bem definidas, logo não há muita margem para arriscar. Com este prémio, que a cientista vai aplicar totalmente na investigação, “há liberdade para fazer aquilo que temos na cabeça, mas não sabemos como abordar”. Porque com este dinheiro pode experimentar caminhos que se venham a mostrar becos sem saída. “Mas às vezes as grandes ideias vêm daí”, diz. É como uma semente. Se houver bons resultados, dá para fazer submissões para projetos de execução mais rígida.

Da discussão no elevador a um reconhecimento internacional

Há uma história que Maria Manuel Mota não perde a oportunidade de contar: como uma conversa de elevador acabou numa das mais importantes descobertas na área da malária. Cruzou-se por acaso com uma das investigadoras do instituto onde estava a fazer o pós-doutoramento, Ana Rodriguez, que estava desgostosa com o trabalho de investigação que era obrigada a fazer. No meio da conversa, a investigadora portuguesa percebeu que Ana Rodriguez tinha o tipo de conhecimentos que precisava de usar para dar resposta a uma situação que a intrigava.

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O investigador Jerome Vanderbilt tinha mostrado uns vídeos em que o parasita da malária (Plasmodium) entrava e saía das células. O autor dos vídeos achava que era um artefacto, mas Maria Manuel Mota achava que tinha de ter um significado. E com Ana Rodriguez descobriu qual era: quando o parasita chegava ao fígado atravessava algumas células até se instalar numa delas e se multiplicar. “Nunca ninguém tinha pensado nisso”, conta. “Foi uma descoberta fantástica, abriu portas a um campo novo.” Isto foi em 2002, no Centro Médico da Universidade de Nova Iorque, e desde aí o sucesso da investigadora nunca mais esmoreceu.

Se esta foi a descoberta mais importante da sua vida? “Não, mas fez com que tivesse imensas oportunidades à minha frente”, responde a investigadora. Se tivesse de escolher a mais importante, talvez referisse a descoberta que publicou na Nature em 2017. “Não há amor como o último”, diz, rindo. Mas não deixa de referir como acabou com um dogma em 2014 ou desmontou um paradoxo em 2011. Na verdade, são as várias descobertas e os vários trabalhos de investigação que se vão encaixando como as peças de um puzzle. E quantas mais peças, melhor se percebe a imagem de fundo. A investigadora lembra também o trabalho das equipas com quem tem trabalhado, sem elas nenhum dos prémios teria sido possível.

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Ao fim de cinco anos de trabalho, a equipa de Maria Manuel Mota conseguiu perceber que o estado nutricional do hospedeiro (da pessoa que está infetada com o parasita da malária) altera a virulência do Plasmodium. Ou seja, o parasita terá maior ou menor capacidade de provocar a doença consoante o hospedeiro estiver pior ou melhor alimentado. Mas o mais importante desta descoberta é que o ambiente em que vive o parasita, vai determinar se é mais ou menos agressivo. O artigo foi publicado na Nature em 2017.

Em 2014, Maria Manuel Mota acabou com o dogma de que o sistema imunitário não era capaz de detetar o parasita, conforme publicado na Nature Medicine. O que a equipa da investigadora demonstrou é que o parasita era reconhecido pelo sistema imunitário, mas conseguia fugir. A descoberta não se refere à fase em que já está no sangue e infeta os glóbulos brancos, mas no período em que ainda está no fígado, a multiplicar-se, e se pensava que fosse invisível para o sistema imunitário. Afinal não é, mas está munido de boas estratégias. Com estes resultados, é possível pensar noutra forma de tentar combater o parasita e usar o sistema imunitário para isso.

Três anos antes, a equipa da investigadora já tinha feito uma descoberta importante e já a tinha publicado na Nature Medicine: quando há muitos parasitas no sangue, como nos bebés, são todos iguais, mas quando há menos parasitas no sangue, são de vários tipos. Porque é que isto acontece? Por um lado, porque quando há muitos parasitas no sangue, o novo parasita não consegue chegar ao fígado para se reproduzir. Por outro, quando o sistema imunitário fica maduro o suficiente para combater o parasita e reduz a quantidade de parasitas no sangue, aumenta a probabilidade de o hospedeiro ser atacado por outro Plasmodium. Isto mudou não só a maneira como se olha para o parasita, mas também o tratamento que se utiliza.

Ainda não há vacina para a malária

Se ainda há algo a fazer na investigação e tratamento da malária? Criar uma vacina eficiente. Mas Maria Manuel Mota arrisca dizer que se calhar ainda não se chegou lá porque se está a tentar ir pelo caminho errado. “Estamos a tentar fazer melhor que a natureza.” É que uma vacina pretende dar imunidade total, mas na natureza nunca ninguém fica completamente imune à malária — a doença volta sempre.

Uma pessoa que esteja longe das regiões onde as picadas são frequentes pode até perder a imunidade ao fim de cerca de poucos meses. Mesmo a vacina que já existe e que é eficaz, deixa de o ser ao fim de oito ou nove meses. O que leva a investigadora a questionar o que será melhor: erradicar a malária — um esforço que não tem mostrado os resultados desejados — ou manter uma doença benigna, ou seja, manter uma infeção que não causa danos ao hospedeiro? Esta será provavelmente mais uma questão ética do que científica.

É certo que foi possível erradicar a malária em algumas regiões — e o desejo era fazê-lo em todo o mundo —, mas talvez seja impossível de controlar em alguns países em África. Só para ter um termo de comparação, Maria Manuel Mota explica que em algumas regiões na Índia há pessoas que são picadas uma vez por ano por um mosquito infetado (que transmite o parasita), mas em África pode acontecer que a frequência das picadas seja de 300 mosquitos infetados por ano.