Até há pouco tempo, Jacob Rees-Mogg era um deputado pouco conhecido, daqueles que se sentam bem lá atrás e dos quais ninguém dá conta — os chamados backbenchers. O Brexit veio mudar isso tudo. Durante a campanha para a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, o deputado milionário e conservador passou a chamar a atenção do meio político e mediático, que passou a falar de um Moggmentum. O ponto alto da sua carreira política deu-se esta quinta-feira, ao iniciar o processo para uma moção de censura contra Theresa May, primeira-ministra e presidente do seu próprio partido. Mas quem é este homem cuja iniciativa pode levar ao fim da carreira política da primeira-ministra britânica?

O maior opositor de May, em nome do Brexit

Jacob Rees-Mogg não é um homem dado a exaltações. O seu visual acaba, aliás, por estar muito em linha com a sua postura no debate político: recatada e discreta. No entanto, isso não o tem impedido de ser uma das vozes mais críticas de Theresa May, a líder do seu próprio partido e primeira-ministra. Mais do que qualquer outro político, até mesmo aqueles que estão na oposição, Jacob Rees-Mogg tem demonstrado ser a principal pedra no sapato de Theresa May.

O grande ponto que os separa é a maneira de encarar o Brexit. Theresa May tem insistido numa saída soft e pactada com a Europa; Jacob Rees-Mogg sempre defendeu que a maneira de honrar o resultado do referendo de 2016 seria uma saída hard. E essa diferença tem valido a Theresa May duras críticas deste político em franca ascensão, sobretudo desde que assumiu a liderança do European Research Group, o grupo que junta todos os deputados conservadores pró-Brexit e eurocéticos.

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Em maio, Jacob Rees-Mogg acusou Theresa May de estar a preparar um acordo com a UE que faria do Reino Unido um “vassalo” de Bruxelas. Além disso, acusou-a mesmo de não querer o Brexit. “Infelizmente, estamos a chegar a um ponto em que é normal questionar se o governo quer mesmo sair da UE”, disse, acusando a primeira-ministra de “enganar os eleitores”.

A campanha pelo Brexit valeu a Rees-Mogg uma enorme exposição, colocando-o ao lado de figuras como Nigel Farage ou Boris Johnson (Dan Kitwood/Getty Images)

Em julho, voltou a fazer a mesma acusação e a avisar que a política de Theresa May pode sair muito cara ao Partido Conservador. Na véspera de a primeira-ministra se reunir com o resto do executivo para uma reunião fulcral — e que acabou por resultar na demissão dias depois de Boris Johnson — escreveu um artigo no The Telegraph onde evocou o nome de Robert Peel, ex-líder do Partido Conservador e primeiro-ministro entre 1841 e 1846: “Um antigo líder Tory, Sir Robert Peel, quebrou promessas eleitorais e passou legislação com a maioria do seu partido a votar na direção contrário, ficando dependente dos votos da oposição”.

A frase então publicada, tal como a situação em que Robert Peel se encontrou, é hoje muito semelhante àquela em que Theresa May pode ficar caso a moção de censura promovida por Jacob Rees-Mogg avance. Esta quinta-feira, na Câmara dos Comuns disse mesmo que “é muito diferente o que Theresa May diz e o que Theresa May fez”. Momentos depois, já fora de portas, afirmou que o partido e o país precisavam de “um líder que diga à União Europeia que é impossível dividir o Reino Unido”. Quando lhe perguntaram quem era essa pessoa, Jacob Rees-Mogg fez como é seu hábito e recusou responder com o seu próprio nome — referindo antes o de Boris Johnson, Dominic Raab e outras personalidades pró-Brexit do Partido Conservador.

Mas a verdade é que, cada vez mais, já são poucos os que olham para Jacob Rees-Mogg e não veem a possibilidade de voos mais altos. A estes, tem respondido até com humor, dizendo que é tão provável vir a ser primeiro-ministro como vir a ser Papa:

“Tecnicamente, sou elegível para ser Papa, uma vez que o cargo está aberto a todos os homens católicos, mas o Colégio dos Cardeais ainda não elege um não-cardeal desde, creio eu, o papa Urbano IV. É muito improvável eu ser o próximo Papa e é muito improvável eu ser o próximo primeiro-ministro, tudo pela mesma razão. Embora seja tecnicamente elegível, a História não tomará esse caminho”.

Será? Para já, não é claro. Mas a verdade é que os britânicos preferem Theresa May na liderança do país durante o Brexit do que Jacob Rees-Mogg — pelo menos é para aí que aponta a sondagem da Sky News divulgada esta quarta-feira, que dá 31% de preferência à primeira-ministra e 18% ao deputado.

Conservador, católico e tão papista como o Papa

Jacob Rees-Mogg é deputado do Partido Conservador e, de facto, destaca-se pelo seu conservadorismo — alguma imprensa britânica apelida-o de ultraconservador e, por vezes, até como “o senhor deputado do século XVIII”.

Nas questões ditas fraturantes, Jacob Rees-Mogg adota sempre o lado mais conservador. É inequivocamente contra o casamento entre casais homossexuais — embora tenha dito numa entrevista que iria a um se fosse convidado — e é contra a despenalização do aborto. Numa entrevista à BBC, opôs-se ao aborto em caso de violação: “Na altura em que existe uma violação, já foi criado um grande mal. A pergunta aqui é: será que um segundo mal vai melhorar a situação?”.

Rees-Mogg é católico num país anglicano: vai à missa todas as semanas e uma vez por mês vai a uma missa específica celebrada em latim (Leon Neal/Getty Images)

O conservadorismo de Jacob Rees-Mogg está ligado ao seu catolicismo, pouco usual no Reino Unido — e ainda menos no caso específico de Inglaterra, cuja religião oficial é o anglicanismo. O deputado vai à missa todas as semanas e uma vez por mês vai à Abadia de Downside para participar numa missa tridentina celebrada em latim. Caso venha a ser primeiro-ministro do Reino Unido, Jacob Rees-Mogg seria o primeiro católico a ocupar o cargo.

Ao longo da sua vida, o deputado tem demonstrado um enorme respeito pela figura do Papa. Enquanto jovem na prestigiada escola privada de Eton, conta o Catholic Herald, foi expulso das aulas duas vezes: a primeira por usar um símbolo do Partido Conservador; a segunda por pôr em causa um professor que colocava a hipótese de o Papa ser falível. Já como adulto (e deputado), sublinhou que aceita a “autoridade do papado” e acrescentou:

“Os católicos tradicionais metem-se em grandes trabalhos sempre que começam a dizer que são mais católicos do que o Papa”.

O milionário que fez campanha no Mercedes guiado pela ama da família

Educado na escola privada de Eton e na universidade de Oxford, a imprensa britânica aponta que Jacob Rees-Mogg tem uma riqueza pessoal estimada em 45 milhões de libras (perto de 50,7 milhões de euros). O número será ainda maior se se tiver em conta a fortuna da sua mulher, Helena de Chair, herdeira do falecido escritor Somerset de Chair. Nesse caso, Jacob Rees-Mogg e a mulher podem ter até 150 milhões de libras (quase 169 milhões de euros) em seu nome.

Quando terminou os estudos em Oxford, onde cursou História, Jacob Rees-Mogg ainda tentou a sua sorte no jornalismo. Filho de William Rees-Mogg, que foi um dos principais editores do The Telegraph entre 1967 e 1981, arranjou um emprego naquele jornal. No entanto, reconhecendo que era “um caso perdido” no jornalismo, passou a dedicar-se àquela que se revelou a sua verdadeira vocação: o mundo dos investimentos financeiros.

Estima-se que o património de Rees-Mogg e da mulher seja de 150 milhões de libras — quase 169 milhões de euros (Jack Taylor/Getty Images)

Depois de ter passado anos como gestor de investimento de risco, em 2007 montou juntamente com dois amigos a Somerset Capital Management. Em 2017, já sendo deputado, ainda dedicava 30 horas por mês à empresa — conforme aquilo que declarou aos serviços da Câmara dos Deputados — e com isso ganhou quase 200 mil euros só naquele ano. A estes, terão de juntar-se os mais 15% de dividendos do fundo de investimento que lhe pertencem — um valor que não é público mas que, segundo o The Guardian, foi estimado em 4 milhões de libras, equivalente a 4,5 milhões de euros.

O deputado não nega as suas origens — e o seu percurso — por alguns dos meios mais privilegiados do Reino Unido. É até conhecida — e assumida — a história que conta que, em 1997, quando concorreu sem sucesso para ser deputado num círculo eleitoral trabalhista, o seu meio de transporte era um Mercedes conduzido pela ama da família. Jacob Rees-Mogg argumenta que é precisamente esse conhecimento das elites por dentro que faz dele um bom combatente do statu quo. “Eu nasci evidentemente no establishment. Consequentemente, talvez saiba o que está errado com o establishment”, disse.

O rapaz que aos 11 anos dizia aos acionistas que os dividendos eram “patéticos”

Quando tinha apenas 10 anos, o pai de Jacob Rees-Mogg investiu 50 libras na General Electric Company em nome do filho. Porém, pouco tempo depois, era mesmo Jacob Rees-Mogg quem controlava a evolução daquelas ações. Começou a ler os relatórios da empresa — que terminou a sua atividade em 1999 —, passou a perceber como o mercado trabalhava e, aos 11 anos, começou a participar em reuniões de acionistas.

A prestação invulgar do pré-adolescente naquela reunião chamou a atenção a várias pessoas na sala e também à imprensa. Com apenas 11 anos, queixou-se de que os dividendos da General Electric Company eram “patéticos” e foi o único a votar contra no final da reunião. A imprensa não demorou a reparar naquele rapaz, retirando-lhe uma fotografia icónica, em que o jovem imberbe aparece a ler o Financial Times, sentado a uma mesa com uma máquina de escrever e dois ursos de peluche atrás.

O deputado veste invariavelmente fato e gravata — um hábito que mantém desde a juventude (Jack Taylor/Getty Images)

Aos 16 anos, foi entrevistado pela revista Tatler. No texto, a jornalista escreveu que “Jacob tem sido entrevistado com tanta regularidade que acredita que já aprendeu como funcionam as entrevistas”. Recebeu a jornalista com um fato, gravata e sapatos, enquanto falava de forma assertiva e num tom teatralmente adulto e polido.

Porém, baixou ligeiramente o escudo quando o tema era o jornalismo que o jovem consumia. “Gosto do Newsnight”, disse o jovem, referindo-se ao programa de informação da BBC. Porém, a jornalista fez-lhe notar que aquele programa tinha sido acusado de ser esquerdista durante a guerra das Malvinas, entre o Reino Unido e a Argentina. Em vez de “inimigos”, ali dizia-se “argentinos”; no lugar de “os nossos rapazes”, dizia “os britânicos”.

A resposta do jovem, que admitiu não conhecer aquilo que a jornalista acaba de apontar, foi pronta: “Gostava do Newsnight. Gostava”.