Discursar na Assembleia da República de um país que não é o seu é apenas honra dos países “amigos”. Não foram muitos os chefes de Estado que discursaram naquela categoria, contando-se, por exemplo, o rei de Espanha (Felipe VI e Juan Carlos), Xanana Gusmão, de Timor Leste, Lula da Silva ou Fernando Henrique Cardoso, do Brasil, ou Jacques Chirac, de França. O anterior presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não o tinha feito, mas João Lourenço foi um dos contemplados naquela que é a sua primeira visita de Estado a Portugal ao fim de pouco mais de um ano de mandato enquanto Presidente da República.

Na sessão solene no hemiciclo, Eduardo Ferro Rodrigues dedicou uma parte do seu discurso para, a título pessoal, saudar a “coragem e determinação” de João Lourenço em “afirmar em Angola um Estado democrático de Direito”. E terminou a citar um poema de José Luandino Vieira (prémio Camões em 2006) para dizer que, à pergunta “Luanda, onde está?”, responde: “Luanda está nos nossos corações”.

O discurso do Presidente da Assembleia da República foi, sobretudo, de amizade e de realce dos laços que unem os dois países. A começar pela língua, “que faz com que as sete horas de voo de Lisboa a Luanda sejam segundos na internet”, e pelo “afeto e solidariedade que unem os dois povos”. Para Ferro, o 25 de abril de 1974 e o fim do colonialismo português criaram uma nova base em que assenta a relação dos dois países: a base da “igualdade e do respeito mútuo”. “A independência das antigas colónias libertou o nosso relacionamento das amarras do passado e, dessa forma, aproximou-nos ainda mais”, disse, afirmando que hoje Portugal e Angola estão “numa relação entre Estados iguais e amigos”.

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Ao elogio de Ferro, João Lourenço retribuiu com uma promessa: a de que vai construir uma nova Angola, assente no pilar da transparência e da concorrência leal nos negócios, contando com Portugal para ajudar nesses negócios económicos, mas não apenas nos negócios. Em troca, pede gestos “de parte a parte”.

O presidente angolano subiu à tribuna pouco depois para reafirmar que está a construir “uma nova Angola”. Depois de 38 anos de presidência de José Eduardo dos Santos, João Lourenço garante agora que a nova Angola vai assentar na “transparência”. “Estamos a construir uma nova Angola de transparência, com um ambiente de negócios cada vez mais amigo do investimento”, disse, sublinhando que “a este combate acresce a tomada de medidas que pretendem repor a autoridade das instituições do Estado, tornando Angola um país mais seguro e atrativo ao investimento privado”.

Mais: João Lourenço apontou a diversificação da economia, valorizando a economia não-petrolífera, e o desafio do poder autárquico (prevendo-se que as primeiras eleições autárquicas se realizem em 2020), como as próximas grandes batalhas, a par da batalha do combate à corrupção e da moralização da sociedade, que será “da base ao topo”.

Quanto a Portugal, diz João Lourenço, é “um parceiro importante com quem mantemos uma relação sólida e duradoura, e como qualquer outra relação precisa de ser alimentada e reiterada com gestos e atitudes de ambas as partes envolvidas”. É isso que promete: manter a boa relação e abrir Angola a uma maior presença de empresários portugueses na economia.

A assistir, no hemiciclo, estavam todos os deputados bem como todos os membros do Governo, e Marcelo Rebelo de Sousa na mesa principal. Nas galerias, também o líder do PSD, Rui Rio, que não tem assento como deputado, assim como os presidentes dos tribunais superiores, a Procuradora-Geral da República e outras altas figuras do Estado português.

Findo o discurso de João Lourenço, os deputados levantam-se para aplaudir: todos menos a maior parte da bancada do Bloco de Esquerda e o deputado do PAN, que não se levantaram e apenas poucos aplaudira. Do que o Observador pôde constatar no local, apenas os bloquistas José Manuel Pureza e Heitor de Sousa se levantaram, sendo que um ou outro deputado, como Jorge Campos, aplaudiram discretamente sentados. Segundo a assessoria de imprensa do BE, os deputados bloquistas “expressaram de diversas formas a expectativa crítica sobre a evolução da realidade política em Angola”.

“Registando a expectativa que existe sobre este novo ciclo, não ignoramos que há ainda um longo caminho a percorrer no combate à corrupção e no reconhecimento de direitos sociais num país que mantém a repressão de manifestações e onde persistem enormes níveis de pobreza e desigualdade”, lê-se na mesma nota do BE.