Na antevisão do jogo entre Bayern Munique e Benfica, Rui Vitória disse que “mais do que atacar muito”, queria “atacar bem”. A afirmação era compreensível e tinha contexto: nas duas jornadas anteriores, ambas disputadas com o Ajax — uma deu derrota, outra deu empate — os encarnados tiveram um caudal ofensivo muito grande, imensa posse de bola, criaram muitas situações e oportunidades de golo mas não as materializaram. Mas o treinador do Benfica esqueceu-se de um pormenor. Quer para “atacar muito” como para “atacar bem” é necessária uma ação prévia: atacar.

À saída do túnel de acesso ao relvado do Allianz Arena, o Benfica já sabia que o Ajax tinha vencido o AEK em Atenas por 2-0, o que queria dizer que os encarnados tinham já garantido o acesso à Liga Europa mas precisavam de bater o Bayern Munique por dois golos de diferença para ainda poderem sonhar com o apuramento para os oitavos de final da Liga dos Campeões. Já aos alemães bastava empatar em Munique para carimbar a passagem à próxima fase. Salvio era baixa anunciada e confirmada; entrava em ação o tridente Pizzi, Fejsa, Gabriel no meio-campo, com Rafa e Cervi no apoio a Jonas no ataque. Rui Vitória regressava ao 4-3-3 depois de ter optado pelo 4-2-2 na semana passada, contra o Arouca, em jogo da Taça de Portugal. Do lado do Bayern, Niko Kovac perdeu Hummels para uma gastroenterite à última da hora: o central alemão juntava-se aos indisponíveis Tolisso, Coman, Thiago Alcântara, James Rodríguez e Gnabry e Kovac só tinha 13 jogadores do plantel principal aptos para o jogo desta terça-feira.

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Ficha de jogo

Bayern Munique-Benfica, 5-1

5.ª jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões

Allianz Arena, em Munique, Alemanha

Árbitro: Daniele Orsato (Itália)

Bayern Munique: Neuer, Rafinha, Sule, Boateng, Alaba, Kimmich, Robben (Renato Sanches, 71′), Muller (Jeong, 80′), Goretzka, Ribéry (Wagner, 77′), Lewandowski

Suplentes não utilizados: Ulrich, Javi Martínez, Meier, Shabani

Treinador: Niko Kovac

Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Rúben Dias, Conti, Grimaldo, Fejsa (alfa Semedo, 75′), Gabriel, Pizzi (Gedson Fernandes, 46′), Rafa, Cervi, Jonas (Seferovic, 58′)

Suplentes não utilizados: Svilar, Zivkovic, Krovinovic, Castillo

Treinador: Rui Vitória

Golos: Robben (13′ e 29′), Lewandowski (35′), Gedson Fernandes (46′), Ribéry (76′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Robben (24′), Ribéry (32′), Alfa Semedo (86′)

No início do jogo, face aos últimos dois encontros com o Ajax e à antevisão de Rui Vitória, esperava-se uma entrada forte do Benfica, com vontade de correr atrás do resultado e, quem sabe, procurar um resultado improvável e surpreendente. Mas não. O jogo arrancou morno, sem pitada de sal, o Bayern tinha mais bola mas não a conseguia transformar em situações dignas desse nome e o Benfica corria atrás do prejuízo mas sem grande discernimento. Mas ainda antes de Rui Vitória ter alargado o nó da gravata como sempre faz durante os primeiros cinco minutos de jogo, Robben avisou. O holandês pegou na bola com o pé direito, puxou para dentro e rematou cruzado com o mesmo pé. A bola saiu tão ao lado que o Benfica beneficiou de um lançamento de linha lateral. Então Robben mudou de pé.

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Aos 13 minutos, quando ainda nenhuma das duas equipas tinha feito muito para chegar ao primeiro golo, o número 10 do Bayern Munique desenvencilhou-se sozinho de três jogadores do Benfica quando parecia encurralado junto à linha lateral do corredor direito, seguiu em direção à área, fletiu para dentro e, desta vez, rematou de pé esquerdo rumo àquele sítio da baliza de Vlachodimos onde as corujas costumam dormir. O guarda-redes encarnado não teve hipótese e Robben fez bom uso da qualidade individual para desbloquear um jogo que não estava fácil no prisma coletivo. Pedia-se uma reação ao Benfica mas nem Rui Vitória teve grande reação junto ao banco técnico. Logo depois de orquestrar a melhor jogada que tinha conseguido construir desde o início do jogo, os encarnados perderam uma bola em zona proibida e Robben não arriscou: fez exatamente o que tinha feito menos de 20 minutos antes. Correu a descair para a direita, puxou para dentro, rematou de pé esquerdo e voltou a bater Vlachodimos. 30 minutos em Munique, 2-0 para os alemães.

Cinco minutos depois, sem tempo sequer para uma resposta esboçada pelo clube da Luz, Vlachodimos negou o terceiro a Muller após grande passe de Robben – que voltou a correr pela direita, a fugir para dentro e a cruzar com o pé esquerdo – e deu pontapé de canto para os alemães. Na sequência do canto, Robert Lewandowski surgiu de forma agressiva no meio de Conti e Rúben Dias e cabeceou como mandam as regras, de cima para baixo, para enviar os alemães para o descanso a vencer por três golos de diferença. A apatia dos dois centrais do Benfica face ao ímpeto do avançado polaco faz com que o golo pareça um movimento simples de executar.

Ao intervalo, as contas eram fáceis de fazer: o Benfica precisava de vencer por dois golos de diferença e estava a perder por três. Rui Vitória decidiu tirar Pizzi, que durante a primeira parte andou completamente perdido na falta de ligação entre o meio-campo e o ataque, e lançar Gedson Fernandes. O menino português entrou cheio de vontade de fazer a diferença e mostrar que não ia para dentro das quatro linhas só para evitar males maiores. Ganhou uma bola ao Bayern em zona proibida, fez tabela com Jonas, recebeu mais à frente e bateu um dos melhores guarda-redes do mundo. Foi ao fundo das redes, agarrou na bola, deu um grito e pareceu exorcizar fantasmas de goleada. Mas só mesmo ele é que afastou os pesadelos.

O golo nada fez a um Benfica que entrou na segunda parte com a mesma apatia e os mesmos erros nas transições entre setores, tanto com bola como sem bola. Aos 50 minutos, apenas cinco depois de Gedson bater Neuer, Lewandowski fez o que Robben tinha feito na primeira parte e tirou a papel químico o primeiro golo que tinha marcado para fazer o segundo. Desta vez, o canto foi marcado na esquerda mas Lewandowski voltou a aparecer mesmo à entrada da pequena área para cabecear sem hipótese para Vlachodimos. O balão de oxigénio — ou de esperença — esvaziava-se quando ainda nem tinha começado a encher.

Rui Vitória trocou jogadores mas não trocou estratégias: tirou Jonas e colocou Seferovic, fez sair Fejsa para lançar Alfa Semedo. O Bayern Munique controlou um jogo que estava decidido desde os 13 minutos, com a clara noção de que bastava acelerar um pouco para causar estragos na frágil organização encarnada. Até ao fim, num jogo que nunca foi bom nem entusiasmante – que não enganem os números gordos – Ribéry ainda fez uma tabelinha com Alaba e bateu Vlachodimos pela quinta vez. O Benfica perdeu, está fora da Liga dos Campeões mas tem garantida a Liga Europa; Ajax e Bayern Munique passam aos oitavos no Grupo E.

O Bayern Munique não jogou muito porque não foi preciso e o Benfica escapou a uma goleada ainda mais constrangedora graças a mais uma exibição notável de Odysseas Vlachodimos. Na antevisão do jogo, Niko Kovac recordava a Rui Vitória que os alemães também estavam em crise e que o “mau momento” era algo que os dois clubes tinham em comum. Mas o mau momento do Bayern tem Robben, Lewandowski e Ribéry. O mau momento do Benfica tem um Pizzi desconcentrado, um Jonas perdido no ataque, um Rafa combativo sem linhas de passe e um Gabriel que devia ser o pensador mas não está a fazer jus ao nome. No início deste período menos bom, os encarnados criavam muito e não concretizavam; agora, o clube da Luz não cria e raramente concretiza. Entre a preocupação com “atacar muito” e “atacar bem”, Rui Vitória esqueceu-se de atacar.