Os associados da Montepio Geral Associação Mutualista votam esta sexta-feira, presencialmente, na Rua do Ouro, em Lisboa, para escolher uma lista para liderar a associação nos próximos três anos. Mas o voto por correspondência que chegou nas últimas semanas indica que só 10% dos associados (com direito de voto) vão votar: as listas adversárias de Tomás Correia, a B e a C, estimam uma votação inferior à das eleições de 2015, cerca de 10 mil votos a menos. O atual líder, que se recandidata, mostra-se confiante na vitória e diz estar preparado para voltar a ouvir “as mesmas charlatanices” da boca de quem sair derrotado, como pedidos de impugnação (como em 2015) ou outras suspeições lançadas sobre o processo eleitoral.
Ainda durante a manhã, os candidatos da lista B e da lista C, Fernando Ribeiro Mendes e António Godinho, respetivamente, reiteraram o desejo de uma votação “limpa e transparente” mas alertam que as “irregularidades” no processo eleitoral não mudaram muito em relação aos anos anteriores. Tanto uma lista como a outra, cada uma à sua maneira, já começam a falar de um “pós-eleição” caso Tomás Correia volte a ser o escolhido. “Isto já passa para um nível de responsabilidade dos reguladores e das entidades oficiais, e não apenas dos associados”, atirou António Godinho.
Tomás Correia só votou pelas 16h e, em declarações aos jornalistas, confirmou que tem a expectativa de que a votação poderá ser um pouco inferior à do ano passado, “mas depois da campanha de maledicência a que assistimos estranho seria se a abstenção não fosse um pouco mais elevada”. Ainda assim, Tomás Correia considera a participação “em linha com a que existe habitualmente em outras associações portuguesas desta natureza”, pelo que se diz “satisfeito”.
De manhã, o candidato da lista B, Fernando Ribeiro Mendes, indicou que esperava “uma boa participação presencial”. Mas “já se sabe que a votação aqui é muito por correspondência, o que prejudica um pouco a participação, mas esperamos que haja alguma afluência e que tudo corra com normalidade”. A indicação, porém, é que o número de votos não fuja muito dos 45 mil, o que contrasta com os cerca de 56 mil da eleição passada. A nossa estimativa é que deverá haver talvez menos 10 mil votantes, a julgar pelos votos por correspondência, em comparação com a eleição de 2015. Fernando Ribeiro Mendes fala num “desânimo por parte de muitos associados que tradicionalmente exerciam o seu direito de voto relativamente à situação da associação”.
Em 2012 tinham sido 84 mil votos. A votação deverá cair, portanto, para cerca de 10% dos mutualistas com direito de voto, quando em 2012 seriam perto de 20%. A descida “é um reflexo da forma como se gere, não se chama os associados a participar na vida associação nem no processo eleitoral — só há uma única urna em Lisboa. Depois não podemos queixar de os associados não participarem. Isto tem a ver com a crise de confiança que abala a associação mutualista e que tem diretamente a ver com as práticas de gestão dos últimos 10 anos”, comentou António Godinho, da lista C, aos jornalistas.
O candidato derrotado em 2015, que tentou impugnar esse resultado, volta a tentar a liderança para trazer ao Montepio “um novo ciclo de gestão”. Isso seria mais fácil, porém, com “um processo eleitoral limpo e transparente”. O que não está a acontecer, diz António Godinho: “estamos atentos porque várias circunstâncias ao longo deste processo levam-nos a duvidar, mas vamos aguardar pelo final da votação e, depois, decidiremos o que fazer para o futuro”, afirma, deixando em aberto, como já tinha feito em declarações ao Observador, a possibilidade de voltar a impugnar o resultado.
Isto já passa para um nível de responsabilidade dos reguladores e das entidades oficiais, e não apenas dos associados”, defende António Godinho.
António Godinho explica que “os votos por correspondência foram recebidos ao longo das últimas semanas e foram conferidas as assinaturas dos associados que votaram, mas essa conferência é feita por pessoas da estrutura da lista A — às outras listas é-lhes vedado um completo controlo sobre essa validação, que foge completamente ao controlo das listas concorrentes”. “Não concordamos com este processo caduco, muito pouco transparente“, diz António Godinho, que garante que “se nós ganharmos as eleições certamente terá sido a última vez que se vota assim, iremos propor à assembleia-geral que mude este processo, para que se modernize”.
Não basta ser um processo transparente, também é preciso parecer. E este processo nem o é nem parece ser transparente e democrático”, diz António Godinho.
Tomás Correia desvaloriza: “são afirmações que eu tenho andado a ouvir ao longo dos anos, que têm dado origem a ações como impugnação de eleições, que foram consideradas improcedentes”. “Nós não podemos repetir exaustivamente os mesmos argumentos estafados, falsos, para alimentar um determinado mediatismo”, argumentou Tomás Correia, acrescentando: “eu não tenho dúvida de que vamos novamente assistir às mesmas afirmações, as mesmas charlatanices, sobre esta matéria, que a comunicação social vai alegremente propalar e, depois, vamos chegar à conclusão que os processos são julgados de uma forma favorável”.
Idoneidade? “Não me tira o sono, não me tira qualquer ponta de serenidade”
O candidato da lista C garante “se hoje não existir aqui uma renovação e uma vitória de uma lista da oposição, os problemas não ficam resolvidos, pelo contrário, ainda vão aumentar. A questão da idoneidade vai-se colocar já nos próximos dias“.
Essa avaliação da idoneidade é um ponto mais importante desde que foi passado o despacho que levou para o regulador dos seguros, a ASF, a supervisão financeira da mutualista. Um despacho que, defende o candidato da lista B, Ribeiro Mendes, “pecou por tardio”: “já devia ter sido feito há mais tempo, embora estivesse dentro dos prazos previstos pela lei — mas, como se viu, era um simples pro forma”. Seja como for, “mais vale tarde do que nunca e vai aplicar-se à próxima administração, no que diz respeito à validação da idoneidade”.
Ribeiro Mendes candidatou-se ao lado de Tomás Correia nas eleições de 2015, numa altura em que, explica, não tinha um conhecimento pleno das alegações que existem contra a gestão de Tomás Correia — desde contraordenações pelo Banco de Portugal até investigações do Ministério Público.
Tomás Correia diz que “esse é um problema que não me afeta, não me tira o sono, qualquer ponta de serenidade”. “Quando chegar a altura própria vamos todos chegar à conclusão de que tudo não passou de uma pressão que foi colocada por determinados agentes na comunicação social no sentido de substituir a falta de ideias por uma maledicência”, atirou Tomás Correia
O que não foi possível, reconhecem os candidatos, foi formar uma lista única para concorrer contra Tomás Correia.
“Infelizmente não houve nenhum debate público entre as listas, onde isso teria sido possível esclarecer, mas hoje não é o dia para falar nisso”, comentou Fernando Ribeiro Mendes. Já António Godinho, concorda que seria “mais fácil” derrubar Tomás Correia com uma lista única mas “não podemos obrigar todas as pessoas a entenderem-se. E a democracia é feita de ideias diferentes”.
Tudo seria benéfico para encontrar uma solução para afastar esta gestão, tudo o que sirva para isso vamos estar disponíveis”, remata António Godinho.
As eleições dos órgãos sociais da AMMG são para o triénio 2019/2022 e têm direito de voto cerca de 460 mil associados.
Nos últimos anos, o Banco de Portugal impôs uma maior separação na gestão do banco e da associação mutualista, que entre 2008 e 2015 foi acumulada por António Tomás Correia, tendo vindo também a defender uma melhor diferenciação entre as duas entidades.
Em 2015, precisamente por imposição do regulador bancário, o sistema mudou, ficando Tomás Correia à frente da mutualista e passando o banco a ter uma gestão autónoma, com Carlos Tavares a assumir a presidência da Caixa Económica Montepio Geral, que irá ficar com uma nova designação comercial até final do ano, embora estatutariamente mantenha o nome.
Fundado em 1840 por um grupo de funcionários públicos liderados pelo professor e funcionário da Contadoria da Junta do Crédito Público Francisco Álvares Botelho, o então “Monte Pio dos Empregados Públicos” pretendia colmatar, através do apoio mútuo, a ausência de um quadro público de apoio social em Portugal.