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Raquel Martins

Raquel Martins

Votação no Montepio. As suspeitas e as acusações

Milhares de votos em circuitos obscuros, listas que não podem fiscalizar o processo, terreno inclinado para quem já lá está. Desta vez será diferente?

Faça o teste. Vá ao Google e faça uma pesquisa por “associação mutualista montepio lista B” ou “associação mutualista montepio lista C“. A lista A — de Tomás Correia — comprou à Google publicidade que faz com que, na maior parte das vezes, antes de surgirem os programas eleitorais das listas procuradas, ou notícias ou outras referências a essas listas, o primeiro resultado que surge é o da lista A, com o título “Eleições Associação Mutualista – Somos uma equipa de pessoas‎”. A compra de publicidade online é um exemplo de modernidade e de recurso às novas tecnologias por parte da equipa de Tomás Correia que, no entanto, nunca procurou introduzi-las no processo eleitoral como o que termina esta sexta-feira.

Esta sexta-feira haverá uma urna na sede da Rua do Ouro, mas quase todos os votos são feitos por correspondência. E é aí que se concentram as suspeições lançadas pelos opositores de Tomás Correia — e que o próprio nega, categoricamente, como “fantasias”, designação que usou numa entrevista de corredor dada à TVI. O voto eletrónico é proposto por uma das listas concorrentes, a lista B, liderada por Fernando Ribeiro Mendes — o vogal que acompanhou Tomás Correia nos seus dois últimos mandatos mas que não terá persuadido o líder da mutualista a introduzir o voto eletrónico, apesar da massificação do uso da Internet na última década.

As duas listas concorrentes foram recebidas esta semana pelo ministro José António Vieira da Silva, que nos últimos dias entregou a supervisão financeira da mutualista para o supervisor dos seguros — a ASF — mas que continua a ser o responsável último pela tutela da associação mutualista. Foram reuniões pedidas com urgência para denunciar “eventuais irregularidades, suspeições e riscos de fraude no processo eleitoral” nas eleições — suspeições que são antigas, mas que a lista A desvaloriza.

“A Associação Mutualista Montepio cumpriu 178 anos de atividade suportada num modelo de democracia interna que nunca assentou em irregularidades”, afirmou fonte oficial da lista de Tomás Correia ao Observador, acrescentando que “prova disso mesmo são as várias decisões judiciais referentes a acusações que, agora e no passado, foram formalizadas a respeito do processo eleitoral e que sempre reconheceram a adequação, rigor e verdade dos processos que desenvolvemos nesta instituição”.

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De que decisões judiciais está Tomás Correia a falar? Há cerca de ano e meio, em junho de 2017, foi considerado “improcedente, por não provado”, o pedido de impugnação do resultado das eleições de 2015 — lançado pela lista de então de António Godinho, que se queixava de irregularidades e de falta de transparência no processo eleitoral.

Houve um recurso, também sem sucesso, mas logo nessa primeira decisão o tribunal considerou que era “clara a ideia de que existe a necessidade de [a mutualista] atualizar os textos legais” e, também, de “modernizar todo o processo [eleitoral], adaptando-o aos meios e expedientes técnicos atualmente disponíveis e, assim, aperfeiçoá-lo, evitando a ocorrência de fragilidades, vulnerabilidades e eventuais suspeições”.

Um ano e meio depois, algo terá sido feito, mas nada que corrija a assimetria que beneficia o incumbente, diz a oposição. Mas a lista de Tomás Correia considera que o facto de se continuar a falar sobre as suspeições é um subterfúgio: “Mais interessante seria debater ideias, propostas e projetos para esta que é a maior associação portuguesa. Infelizmente, tal não aconteceu e o caminho seguido pelas listas concorrentes foi de acusação, difamação e atentado ao bom nome da associação”.

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“Está montado todo um esquema para a oposição não poder fiscalizar”

João Simeão é um associado de 52 anos do Montepio Geral Associação Mutualista (MGAM), foi diretor-adjunto do Montepio Geral até 2013. Atualmente, é delegado da lista C às eleições que terminam nesta sexta-feira. Conta ao Observador que já em 2015 se tinha deparado com as “dificuldades” colocadas aos representantes das listas opositoras de Tomás Correia, especialmente na questão da contabilização dos votos por correspondência. E também tomou boa nota da advertência do tribunal para que o processo fosse modernizado, “para evitar suspeições”.

Em comparação com 2015, algumas coisas mudaram. Mas, na essência, tudo ficou na mesma, lamenta. “Teoricamente até parece que há hipótese de conferência, de fiscalização. Mas quando queremos executar, operacionalizar essa fiscalização, nada acontece”, salientou ao Observador.

O estranho negócio que começou nos milhões e acaba em tostões

Em concreto, o que está em causa? Na sala onde são conferidas as caixas com os votos por correspondência, cada uma delas com 500 a 600 envelopes com boletins de voto assinados, está uma equipa de 15 a 17 trabalhadores da Associação Mutualista.

Todos eles foram escolhidos pelos órgãos sociais da entidade a quem compete, estatutariamente, a organização do ato eleitoral, a Mesa da Assembleia-Geral da mutualista. Os três membros da Mesa são, atualmente, candidatos pela lista de Tomás Correia: o padre Vítor Melícias, António Sameiro e António Sequeira. Estes três integram, por inerência dos estatutos, a Comissão Eleitoral, que soma mais um representante de cada uma das listas. Ou seja, nesta votação, o “árbitro” das eleições, a Comissão Eleitoral, tem seis membros, dos quais quatro concorrem pela lista A. Maioria (quase) automática em qualquer decisão eleitoral favorável a Tomás Correia.

Tomás Correia é o líder da associação mutualista há 10 anos. Procura o quarto mandato com a lista A, que se auto-intitula a “Lista Institucional”.

E o que tem visto o representante da lista C ao longo do processo de conferência das assinaturas? Um pouco de tudo, quase nada de bom.

“Há ali uma equipa que, durante três semanas, tem de desempenhar uma tarefa. Como toda e qualquer equipa de trabalho, deve estar organizada, com um líder a coordenar e com critérios definidos para a função que vai desempenhar. Não há nada disso. E está a acontecer outra vez este ano”, considera.

Ou seja, cada funcionário tem o seu próprio critério na hora de conferir as assinaturas dos associados. “E a maioria deles limita-se a avaliar a semelhança caligráfica. Não pode ser assim. A assinatura deve ser por espelho”, diz João Simeão. É como num cheque, não basta a letra ser parecida, tem de ser a assinatura tal como consta nos registos.

Aqui começam vários dos problemas. “Quando o operador digita o número do associado, no ecrã dispara, automaticamente, uma assinatura (que consta da base de dados) da Caixa Económica, não da Associação Mutualista. As assinaturas estão a ser conferidas, em primeira linha, a partir da base de dados do banco. Só em segunda linha vai à base de dados de assinaturas da Associação Mutualista”, afirma.

Em 2015, a utilização da base de dados de assinaturas da Caixa Económica para conferir votos serviu de argumento para impedir os representantes das listas de estar perto dos funcionários que as conferem. Motivo invocado? Sigilo bancário. “Em 2015, por causa do sigilo bancário, os delegados da lista não podiam conferir nada. Podiam circular pela sala, mas nem podiam sequer aproximar-se do operador e do seu monitor. Este ano decidiram-se pela segregação das bases de dados, mas é mais teoria do que prática. Está tudo limitado”.

“Em 24 assinaturas que conferi e fiscalizei, registei dúvidas em 18. Em 18 tive dúvidas, várias delas, significativas”

No processo de verificação — que começou a 21 de novembro — quando João Simeão disse a um dos funcionários, como representante de lista, que não aceitava uma das assinaturas que este se preparava para dar como boa, levantaram-se logo problemas. “O próprio conferente disse ‘vejam se se entendem e definem os critérios, porque ninguém definiu os critérios de conferência’. Foi esta a reação. Houve quase uma intimidação sobre os próprios delegados da lista”, conta.

“E quando, com toda a naturalidade, fui pôr-me ao lado de um conferente, aquilo gerou logo a acusação de que eu estava a fazer pressão sobre ele e que não podia estar ali”. Ou seja, em 2015 não podiam por regra. Três anos de críticas depois, já com um processo judicial pelo meio, em que o tribunal até pede mais transparência, continuam a não poder fiscalizar: “Está definido um esquema em que, na prática, continuamos a não poder ir para perto dos operadores”.

Empresário da área dos seguros, António Godinho lidera a lista C. Em 2015 ficou em 2.º, com mais de 21% dos votos (Tomás Correia obteve 57%).

“Operacionalmente e na logística o sistema não funciona. Não está preparado para ser fiscalizado. Senão emperra tudo”, diz o representante da lista C. E dá exemplos. Na sexta-feira passada, de manhã, solicitou a entrega de uma das caixas de votos, com 500 a 600 envelopes, para verificação. Não lha deram ao longo desse dia e dos próximos porque — alegaram — não havia operador para o acompanhar no processo. Só a recebeu, e por pouco tempo, na segunda-feira às 11h00. “Em 24 assinaturas que conferi e fiscalizei, registei dúvidas em 18. Em 18 tive dúvidas, várias delas, significativas”, remata.

Rui Sainhas tem a mesma função de João Simeão, mas pela lista B. É o representante da candidatura de Ribeiro Mendes quem extrai a conclusão: além de “penoso, exigente e complexo”, todo o protocolo de conferência de assinaturas idealizado na última década “é potenciador de todo o tipo de intromissões”.

Falta decência ao “árbitro” das eleições

Mas esta é a apenas a última fase do processo de votação no Montepio. A possibilidade de “intromissões” — especialmente por parte de quem tem capacidade de coordenar a rede capilar da Caixa Económica Montepio Geral ou arregimentar os seus funcionários — começa muito antes.

Exemplar de um “kit” de voto para as eleições da associação mutualista Montepio Geral

Em conversa com o Observador, Rui Sainhas, da comissão eleitoral da lista B, diz que o processo eleitoral na mutualista Montepio é um “processo assimétrico em todos os níveis de análise”. Desde logo, explica, porque a lista incumbente não precisa de recolher assinaturas, ao passo que os outros têm 15 dias para obter 300 assinaturas”. O que mais preocupa o representante da lista B, contudo, é a logística “extremamente pesada” que envolve o voto por correspondência — “se fizermos o cálculo de quantas pessoas votam normalmente [50 mil dos cerca de 450 mil que têm direito de voto] todo o processo faz com que cada voto custe cerca de 100 euros. É uma exorbitância”.

O eleitor tem de receber o voto em casa, tem de introduzir o voto no envelope próprio do voto, tem de assinar o envelope, depois tem de destacar uma vinheta que identifica digitalmente o mutualista e colá-la no envelope do voto. Depois tem de fechar o envelope do voto, meter dentro do envelope externo (RSF), ir aos CTT enviar. “Há tantos passos e tantas condicionantes que o que acontece, normalmente, é que mais de 5% e 7% acabam por ser votos que não são considerados porque algum dos passos não foi feito corretamente”, diz Rui Sainhas.

O ex-secretário de Estado Fernando Ribeiro Mendes (lista B) esteve na administração de Tomás Correia desde 2012. Mas saiu em desacordo

E há outro problema relacionado com a complexidade do processo: “Muitas pessoas, sobretudo as que têm mais idade, tenderão a recorrer ao balcão e irá dar-se uma aproximação à opinião de quem está do outro lado do balcão — e essa ajuda nem sempre será isenta, acabando por ser mais um fator de enviesamento”.

O presidente da caixa económica, Carlos Tavares, difundiu em novembro uma ordem de serviço em que proibia qualquer participação de funcionários do banco na campanha, seja pelo apelo ao voto ou pelo uso de meios de trabalho nesse esforço. Quem o fizer, será punido — mas continua a haver casos, como uma reportagem da TVI demonstrou, de funcionários que não se coíbem de descrever a lista A como mais experiente, e apoiada por várias figuras públicas.

Já em 2015, o então presidente executivo da caixa económica — José Félix Morgado — também pediu uma “atitude equidistante perante os candidatos e as listas”. Mas tanto então como agora, diz Rui Sainhas, existem funcionários mais “militantes”, por esta ou por aquela razão, que acabam por contaminar o processo eleitoral. O facto de “estar a haver menor votação nestas eleições”, disse Rui Sainhas na terça-feira à tarde, pode ser um resultado da redução de associados mas, também, a “uma participação menos militante na angariação de votantes”.

Disparidades no número de votos válidos, escrutinados e invalidados nas eleições do Montepio

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Nas eleições de 2015 votaram cerca de 58 mil associados da MGAM. Entre estes votos, mais de 3.700 eram inválidos: 560 porque se tratava de pessoas sem direito a voto (menores, quotas em atraso ou com menos de 2 anos de vida associativa); 1.678 boletins sem assinatura e 1.200 porque as assinaturas não conferiam com as bases de dados. Nas eleições de 2012 votaram 84 mil associados, com 7.610 inválidos. A lista que impugnou as eleições de 2015 acusou em tribunal a consultora PwC de ter “perdido” cerca de 1.400 votos na sua auditoria.

Algo que também se está a notar, refere, é uma redução dos pedidos de “kits” de substituição, que dantes eram “recebidos de forma pouco controlada pelos balcões”. Esses “kits” de substituição eram, na opinião de vários críticos, uma das lacunas do processo — porque eram boletins de voto (e respetivos envelopes) que serviam para entregar aos associados que, por alguma razão, não os tivessem recebido — ou que os tivessem perdido. Ora, acabava por haver vários milhares de “kits” de substituição utilizados, o que sempre pareceu pouco credível aos olhos daqueles que acusavam os incumbentes de forjar votos, tirando partido do acesso (ilegítimo) às bases de dados de assinaturas. Rui Sainhas não vai tão longe, mas comenta que “os kits de substituição eram um fator muito decisivo no resultado das eleições”, que não mudou por “auto-regulação, mas por pressão das listas concorrentes”.

O responsável da lista B tem, agora, uma visão um pouco mais benigna sobre o processo, comparativamente com o passado. “Na contagem dos votos, tenho confiança de que há algumas melhores garantias de funcionamento das coisas”, diz Rui Sainhas, acrescentando que os últimos anos trouxeram uma “alteração significativa, sobretudo graças à separação entre a caixa económica e a mutualista, exigida pelo Banco de Portugal”.

Outra alteração é que, desta feita, está a haver uma auditora que está a escrutinar de forma mais intensa o processo, em várias fases. A consultora é a mesma de 2015 — a PwC — mas o seu espectro de ação foi alargado e, agora, “está a ter uma atitude mais envolvida, mais empenhada, assumindo um caráter de verdadeira auditora”.

"Voto por correspondência e conferência de assinaturas é potenciador de todo o tipo de intromissões"

“Têm um grupo de pessoas que procura estar nos diferentes momentos e nos diferentes pontos mais críticos das tarefas. Fazem mesmo um controle quantitativo do circuito das caixas e a esse nível as coisas melhoraram substancialmente”, explica Rui Sainhas.

O que não mudou, critica o representante da lista B, é que a mesa eleitoral seja composta por seis pessoas, quatro das quais ligadas à lista incumbente. Excetuando a quarta pessoa, a representante da lista A, que está a par dos representantes individuais das outras duas listas, Sainhas critica que os outros três não tenham independência face ao processo — estão ligados à lista de Tomás Correia. “O sinal que isto envia é péssimo, tem uma carga enorme”, lamenta Rui Sainhas, acrescentando que “são pessoas que se entronizaram ali e com base nisso estão ali e sem nenhum constrangimento. Devia haver alguma decência”.

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