A nova Lei de Bases da Saúde, aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, pretende reforçar o papel dos serviços públicos na prestação de cuidados de saúde, reduzindo o recurso ao setor privado ao mínimo indispensável. “A regra é a de que os organismos públicos tenham uma gestão pública”, afirmou a ministra da Saúde, Marta Temido, num encontro com os jornalistas, horas antes do Conselho de Ministros. Já o recurso aos setores privado e social, em regime de parceria público-privada (PPP), acordo de cooperação ou convenção, só em situação de necessidade e de forma temporária, garantiu.
O reforço do papel do Estado e a clarificação das relações com o setor privado e social, bem como o fortalecimento e modernização do Serviço Nacional de Saúde, são dois dos quatro pilares da nova Lei de Bases da Saúde e os pontos “mais ideológicos”, assumiu a ministra. “Este é um Governo de esquerda”, sublinhou, comentando uma viragem à esquerda com a inclusão destas alterações face à proposta apresentada pela comissão liderada por Maria de Belém, que serviu de base à nova lei.
“A ideia base é de que, primordialmente, a saúde é assegurada pelo SNS”, explicou a ministra, não fechando a porta a uma “lógica de cooperação” com os setores social e privado. “Por muito que nos posicionemos do lado de uma gestão pública forte, não podemos deitar um manto sobre tudo o que temos à nossa volta”, continuou Marta Temido, lembrando que “a realidade que temos” conta com várias formas de cooperação com os setores privado e social. “Queremos principalmente afirmar a gestão pública, mas admitimos exceções, como PPP, acordos de cooperação ou outro tipo de contratos”, sublinhou.
Também a contratação de serviços a terceiros deverá ocorrer “apenas se necessário”, continuou a ministra da Saúde. Relativamente às PPP — atualmente há quatro hospitais em Portugal nesta situação: Braga, Cascais, Vila Franca de Xira e Loures —, Marta Temido reforçou que esta solução deverá continuar a ser preferível enquanto o custo público comparável (ou seja, o valor que o Estado gastaria para gerir o hospital pelos seus próprios meios) for superior ao custo da parceria.
Lembrando que “algumas PPP estão a chegar ao final do contrato”, como é o caso de Cascais e Braga, a ministra garantiu que, no caso de Cascais, o parceiro privado concordou em continuar o contrato. Já no caso de Braga, que, desde quarta-feira, está no centro de uma polémica, depois de a ministra ter afirmado que o hospital deveria voltar à esfera do SNS por indisponibilidade do parceiro privado e de o grupo José de Mello Saúde ter desmentido a governante, Marta Temido disse que “em Braga poderá não haver essa disponibilidade com as condições atuais”.
A nova Lei de Bases da Saúde mantém, na generalidade, a formulação relativa às taxas moderadoras incluída na proposta de Maria de Belém, mas a ministra Marta Temido assume a possibilidade de se caminhar rumo à isenção para atos prescritos por médicos. “As taxas moderadoras são um instrumento de moderação da procura desnecessária, não são uma fonte de financiamento”, explicou a ministra, detalhando que as taxas moderadoras representam uma receita de entre 160 e 170 milhões de euros anuais para o SNS.
“Não são determinantes para o funcionamento do sistema como financiamento, não é isso que nos preocupa. Mas se as deixássemos cair, havia o risco moral de consumo desenfreado e excessivo” dos serviços, disse a ministra, acrescentando que, nesse sentido, poderá ser razoável, num futuro próximo, eliminar as taxas relativas a atos prescritos por médicos — uma vez que esses não representam o perigo de utilização desnecessária do sistema.
A ministra destacou ainda a intenção de caminhar progressivamente para a criação de mecanismos que garantam que os médicos se dedicam, de forma exclusiva, ao setor público. “O SNS é primordialmente quem forma os médicos internos e tem de ter uma garantia de que os retém”, afirmou Marta Temido.
Destinada a substituir a Lei de Bases da Saúde de 1990, a nova lei baseia-se na proposta da comissão liderada por Maria de Belém — à qual foram feitos ajustes e pequenas alterações, muitas de carácter ideológico — e pretende, de forma abrangente e o mais genérica possível, adequar os princípios orientadores do SNS “aos desafios que o sistema de saúde português enfrenta neste início de século”. A lei gira em torno de quatro pilares fundamentais: uma lei de bases para o século XXI; centrar a política de saúde nas pessoas; reforçar o papel do Estado e clarificar as relações com os setores privado e social; fortalecer e modernizar o Serviço Nacional de Saúde.
Dedicação exclusiva no SNS deve ser voluntária e de acordo com interesse público
A proposta do Governo para a Lei de Bases da Saúde dá uma “indicação muito clara” de que o país deve evoluir para “uma dedicação plena dos profissionais de saúde”, de modo voluntário, ao Serviço Nacional de Saúde.
Segundo a ministra da Saúde, o que o Governo pretende é, “em condições voluntárias, específicas, de concreto interesse do SNS”, avançar para a dedicação exclusiva dos profissionais de saúde.
“A atual lei de bases ainda contém uma menção, que era própria da altura, a um apoio à mobilidade de profissionais entre setor público e privado. Os tempos são muito diferentes. [A proposta tem] uma indicação muito clara de que deveremos evoluir de uma forma progressiva para a dedicação plena dos profissionais de saúde ao Serviço Nacional de Saúde. Os profissionais são o maior investimento e o recurso mais importante do SNS”, afirmou Marta Temido aos jornalistas no final da apresentação pública das linhas gerais da proposta do Governo, esta quinta-feira aprovada em Conselho de Ministros.
Mesmo depois de aprovada uma Lei de Bases no parlamento, a ministra lembra que serão necessárias medidas legislativas complementares sobre este tema, que terá regras mais específicas.
Marcelo defende Lei de Bases da Saúde flexível e espera o maior acordo possível entre partidos
O Presidente da República afirmou esta quinta-feira que a Lei de Bases da Saúde deve ser flexível e capaz de se adaptar à mudança científica e tecnológica e espera o maior acordo possível entre os partidos na sua votação.
“Penso que uma Lei dessas tem que ser transversal, ter o máximo acordo possível para não mudar de governo para governo. A última vigora há 28 anos e, portanto, isto significa que não é para ser votado por uma maioria durante quatro anos e depois mudada daí a quatro anos, e daí a quatro anos”, afirmou, aos jornalistas em Cascais, Marcelo Rebelo de Sousa.
O chefe de Estado disse ainda esperar que haja “o maior acordo possível” entre os partidos na votação de uma Lei de Bases da Saúde “flexível”. “Quanto mais flexível e mais capaz de se adaptar à mudança científica e tecnológica, quanto maior for o acordo [entre os partidos], melhor. Quanto mais rígida, quanto mais dividindo em vez de unir, pior”, defendeu.
Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou ainda que promulgará a Lei que “cumpra os objetivos que acha fundamentais” ou vetará caso entenda que “não cumpre”.
A proposta de lei, que será submetida à aprovação da Assembleia da República, resulta do projeto apresentado pela Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde e que foi objeto de discussão pública, envolvendo parceiros institucionais, agentes do setor e o público em geral.
O Presidente da República falava aos jornalistas à saída do Natal dos Hospitais, no Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão, em Cascais, onde se mostrou “solidário com todos os portugueses [doentes] e respetivos cuidadores formais e informais”.