O famoso pó de talco para bebé da Johnson & Johnson contém vestígios de amianto (substância cancerígena) há várias décadas, avança a agência de notícias Reuters numa grande investigação publicada esta sexta-feira. A investigação, que se baseou em documentos internos e testemunhos reais, conclui que entre 1971 e o início dos anos 2000, os administradores, médicos e advogados da Johnson & Johnson estavam a par de que, por vezes, os testes ao pó de talco davam positivo para pequenas quantidades de amianto, mas optaram por não revelar a informação aos reguladores farmacêuticos.

A farmacêutica, contudo, rejeita a acusação. Num comunicado divulgado esta sexta-feira na sequência da investigação da Reuters, a J&J disse que o artigo era “falso, inflamatório” e dava apenas “um lado”. “Basicamente, o artigo da Reuters é uma teoria da conspiração absurda, que aparentemente abrange mais de 40 anos e que terá sido orquestrada por várias gerações de cientistas e reguladores das universidades mais importantes do mundo, assim como por prestigiados laboratórios independentes e pelos próprios funcionários da J&J ao longo de décadas”, escreveu a empresa em comunicado, sublinhando que a investigação da Reuters pretende apenas esconder os mais de cem mil estudos que provam que não há vestígios daquela substância cancerígena.

De acordo com a reportagem da Reuters, as primeiras menções ao amianto foram encontradas em relatórios de 1957 e 1958, num laboratório de consultoria. Mas em vários momentos, desde o início dos anos 2000, foram encontrados relatórios de cientistas ligados à J&J e de entidades reguladoras externas que remetem para descobertas semelhantes. Os relatórios identificam substâncias contaminantes geralmente associadas ao amianto, como “substâncias fibrosas”. Segundo a mesma investigação, em 1976, quando a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) avaliava os limites do amianto em produtos de talco, a J&J garantia ao regulador que nenhum amianto tinha sido detetado em qualquer amostra do pó de talco produzido entre 1972 e 1973. Mas não foi isso que a investigação da Reuters encontrou — três testes realizados por três laboratórios diferentes entre 1972 e 1975 terão encontrado vestígios de amianto, em alguns casos até em níveis “bastante elevados”.

Certo é que a denúncia não é nova. A farmacêutica tem vindo a enfrentar uma série de processos judiciais, com os queixosos a acusar a marca de ser responsável por causar cancro do ovário e outros tipos de cancro. Nos vários processos, os desfechos têm sido diferentes. Segundo a CNBC, alguns júris ficaram do lado da empresa e outros não chegaram a decretar vereditos. Em julho, um júri do estado do Missouri, EUA, decretou que a J&J pagasse uma indemnização de 4,69 mil milhões de dólares num caso que envolvia 22 mulheres e respetivas famílias. O veredito foi confirmado por um juiz em agosto e a farmacêutica recorreu da decisão. No meio destes casos judiciais, a Johnson & Johnson tem apresentado milhares de documentos mas a maioria é considerada confidencial.

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Segundo um dos representantes do gabinete de comunicação da J&J, os advogados dos queixosos estão a “distorcer os documentos criando intencionalmente confusão nos tribunais e nos media”. “Isto é só para distrair do facto de que milhares de testes independentes provam precisamente que o nosso pó de talco não contém amianto nem causa cancro”, disse à Reuters Ernie Knewitz, acrescentando que “qualquer sugestão de que a Johnson & Johnson ocultou informações sobre a segurança do pó de talco é falsa”.

No mesmo comunicado emitido esta sexta-feira, a J&J diz que forneceu centenas de documentos à Reuters e respondeu a dezenas de questões para esclarecer o “desinformação”. Mas, diz a empresa, a agência de notícias “recusou-se a encontrar-se com os nossos representantes para rever os factos e recusou-se a incorporar muito do material que fornecemos”.

No artigo, contudo, a Reuters ressalva que a maior parte dos relatórios internos da J&J não detetou de facto a existência daquela substância. Mas a agência de notícias sublinha que, embora os métodos de teste da farmacêutica norte-americana tenham melhorado ao longo do tempo, sempre tiveram limitações que permitem que pequenos vestígios não sejam identificados, além de que apenas uma pequena fração de amostras da empresa são alvo de teste.