Uma providência cautelar foi entregue esta sexta-feira, 14, no Tribunal Central Cível de Lisboa para impugnar o Congresso da Juventude Socialista e todas as decisões que aí forem tomadas, como a eleição da candidata única, Maria Begonha. O procedimento cautelar para “suspensão de deliberações sociais da Comissão Nacional e da Comissão Nacional de Jurisdição” está assinado por um militante da JS, João Tiago Pinto, e tem como principal objetivo travar a eleição de Maria Begonha, que os promotores da providência acreditam estar assente num processo ilegal.
Na sequência deste ato judicial — que tem como testemunha Gustavo Ambrósio, militante da JS que apresentou queixa-crime contra Begonha — será entregue este sábado à tarde por um grupo de militantes descontentes um requerimento a informar o presidente da Mesa do Congresso da JS da entrada em tribunal desta providência cautelar.
Nesse requerimento, ao qual o Observador teve acesso, os militantes explicam que “a 7 de Outubro de 2018, reuniu em Albufeira a Comissão Nacional da Juventude Socialista” e que “deste encontro e nesta reunião, decidiu-se, nomeadamente, sobre os moldes em que se processa este congresso”. Segundo o mesmo requerimento, “decidiu-se fazer tábua rasa das regras” que são tidas como “válidas e orientadoras” da JS e denuncia-se que, “em clara derrogação dos Estatutos da Juventude Socialista, aprovaram-se regulamentos” e “elegeram-se comissões”.
Ora, para os militantes que não se revêem em Maria Begonha, houve várias “irregularidades graves”. No requerimento, os delegados e o presidente da Mesa são informados da providência cautelar que pretende tornar nulo todo o que for decidido no Congresso:
Saibam os presentes e o sr. presidente da Mesa que:
A 14 de Dezembro de 2018, deu entrada na secretária judicial competente um Procedimento Cautelar Especificado,
⦁ Com vista a suspensão das deliberações tomadas na reunião da Comissão Nacional, por serem manifestamente atentatórias aos Estatutos e à Lei.
⦁ E retirar qualquer validade aos atos que ocorram ao longo do presente Congresso
Nacional.
No requerimento que será entregue nas próximas horas, os queixosos avisam a Mesa do Congresso que tem de ter “bem presente, que nos termos do artigo 381.o/3 da Lei Processual Civil, a partir da citação, não é lícito à associação executar a deliberação impugnada. Sob pena de responsabilização civil por todos os danos que daí resultarem.” Ou seja: no entender dos militantes que apresentaram a providência cautelar há razão para suspender os trabalhos do Congresso de imediato. Resta saber o que fará o presidente da Mesa do Congresso.
Providência só será apreciada a partir de 2.ª feira
Em virtude da providência cautelar ter sido apresentada às 23h48m desta sexta-feira, o Tribunal Central Cível de Lisboa (que faz parte do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa) só deverá apreciar a providência cautelar a partir da próxima 2.ª feira, dia 17 de dezembro. Tudo porque as antigas Varas Cíveis não têm juiz de turno ao fim-de-semana. Os turnos só têm cabimento legal para situações urgentes relativas a menores ou à privação da liberdade dos cidadãos. Ou seja, os funcionários do Tribunal Central Cível de Lisboa, onde foi apresentada a providência, só distribuirão a ação a um juiz na 2.ª feira.
A consequência deste facto é simples: não será por ordem judicial que os trabalhos do Congresso da JS serão suspensos, visto que o mesmo terminará antes da providência ser analisada. Assim, terá de ser a própria Mesa do Congresso a decidir nesse sentido. Tudo seria diferente se o autor do requerimento tivesse apresentado o mesmo na 5.ª feira ou ao início de 6.ª feira.
Outra questão é a “suspensão da eficácia das eleições ou deliberações tomadas no Congresso Nacional, agendado para os dias 14 a 16 de Dezembro de 2018” que o requerente João Tiago Pinto pede ao tribunal que analise. Aqui, sim, o tribunal poderá tomar uma decisão urgente. Isto é, o juiz a quem for distribuída a causa poderá produzir prova (o requerente solicita a audição da testemunha Gustavo Ambrósio) e decidir em conformidade. Ou poderá rejeitar liminarmente a apreciação da providência cautelar.
Quais os argumentos da providência cautelar
A providência cautelar, à qual o Observador teve acesso, tem 56 páginas e foi apresentada pelo militante número 93.968 da Juventude Socialista, João Tiago Pinto, contra a Juventude Socialista e o Partido Socialista. A exigência da providência cautelar é a “suspensão das deliberações sociais da Comissão Nacional e da Comissão Nacional de Jurisdição da Juventude Socialista”.
Um dos argumentos da providência cautelar é que a 7 de outubro de 2018, na reunião da Comissão Nacional da Juventude Socialista — que se realizou em Albufeira e onde foi aprovado o regulamento e todos os aspetos relacionados com a realização do Congresso eletivo — não estavam na reunião o número de elementos necessários para aprovar esses atos. Na verdade, nessa reunião no Algarve estavam 52 membros, quando seriam necessários 64 membros para aprovar a realização do Congresso. Segundo os autores da providência, seriam necessários 64 membros (metade do órgão) porque a Comissão Nacional tem 126 membros (105 eleitos em congresso mais 21 membros que correspondem aos presidentes das federações e da JS/Açores e JS/Madeira).
Assim, entende o autor da providência, “a Comissão Nacional de 7 de Outubro não estava habilitada a tomar qualquer tipo de deliberação por não ter suficientes membros presentes, nem poderia ter aprovado o Regulamento do Congresso Nacional, por não ter sido respeitada a maioria prevista nos Estatutos da JS de 64 votos favoráveis”.
Para sustentar que eram mesmo precisos 64 membros, o autor da providência utiliza uma decisão do próprio Conselho de Jurisdição da JS, que decidiu não impugnar o Congresso, mas que terá dado razão aos queixosos quanto ao “quórum deliberativo da Assembleia” na resposta a um pedido de impugnação de 27 de novembro de 2018.
O Conselho Nacional de Jurisdição da JS deu razão aos argumentos utilizados para a impugnação, mas alegou que esta não tinha validade pois tinha sido “intempestivamente apresentada” pelo requerente. Ou seja: chegou tarde de mais. De acordo com os estatutos da JS, a data limite para apresentar a impugnação era o dia 6 de dezembro. Problema: o requerente alega que só lhe foi dada acessa à ata, que lhe permitia fazer a impugnação, a 10 de dezembro. Tudo isso faz parte da providência cautelar. Mas não só.
Na mesma peça judicial, o autor lembra que “está em causa a eleição de uma única moção de estratégia, encabeçada por Maria Begonha, cujo curriculum foi já colocado em causa pelos órgãos de comunicação social, inclusivamente sendo veiculadas notícias de que o Ministério Público está atualmente a investigar toda esta situação” e que “uma eventual aprovação da referida moção de estratégia colocará em causa o bom nome da Juventude Socialista e consequentemente do próprio Partido Socialista, assim como de todos os militantes.”
A peça processual cita ainda depois as declarações das militantes Ana Gomes e Gabriela Canavilhas, que apelaram à desistência da candidata, para reforçar que “fica claramente provado o perigo de ocorrência de dano para todos os militantes e para o próprio Partido, caso não seja suspenso o processo eleitoral ou a eficácia das eleições ou deliberações tomadas no Congresso Nacional, já que o mesmo é desafiador da defesa de todos os princípios democráticos constitucionalmente protegidos, que o próprio Partido sempre se assumiu como principal percursor.”
O autor adverte que “caso ocorra a eleição da única candidata, é o direito ao bom nome dos militantes, do próprio PS e da Juventude Socialista que fica colocado em causa, sendo em fase posterior muito mais difícil a anulação essas mesmas eleições”. Assim, o militante que requer em tribunal que “seja admitido o presente procedimento cautelar, sem necessidade de audição da parte contrária, requerendo-se a suspensão do processo eleitoral e da eficácia das eleições ou deliberações tomadas no Congresso Nacional, agendado para os dias 14 a 16 de Dezembro de 2018, tudo nos termos e pelos fundamentos supra expostos.”
Ao pedir que não seja ouvida a parte contrária, o autor da providência pretende ganhar tempo e conseguir a suspensão imediata do Congresso. Na mesma peça processual, o requerente anexa a decisão do Conselho de Jurisdição Nacional, a ata da reunião de 7 de outubro de Albufeira, bem como o Regulamento de Disciplina e de Processo Jurisdicional da JS.