É mais um caso de uma presença-fantasma e, neste caso, na bancada do Partido Socialista. O deputado Nuno Sá passou os dias 11, 12 e 13 de junho de 2017 na sua terra, em Famalicão, mas no dia 12 marcou presença em plenário na Assembleia da República, a mais de 350 quilómetros de distância. No dia 12 ao final da manhã/início da tarde — como comprovam imagens e vídeos de ações — o então candidato à autarquia local estava a visitar a fábrica Caixiave. À noite, continuava por Famalicão, onde assistiu às marchas Antoninas. No vídeo do plenário desse dia 12, que começou às 15h02, o deputado do PS não aparece em qualquer imagem, embora tenha marcado presença. Questionado pelo Observador, o deputado diz que não se recorda “com detalhe de um dia que já foi há um ano e meio” e que a sua vida é um “vai-vem entre Lisboa e Famalicão”. Sobre se alguma vez deu a password a um colega para marcar presença, é evasivo: “Não vou responder a nada sobre isso“. Mas pode garantir que não o fez? “Não vou responder“.
Sobre o dia em questão, o deputado do PS destaca que a sua vida é “um turbilhão de cima a baixo” e diz que não tem “muitas informações” para fornecer sobre esse dia 12 a não ser o “contexto”: “Fui candidato pelo PS nas autárquicas e estamos a falar de um período de pré-campanha eleitoral, a agenda está sempre a mudar e há vários acontecimentos, por isso não me lembro. É certo que há fotografias no Facebook, mas como eu era candidato e tinha um facebook institucional da candidatura, nem sei se fui eu a colocar as fotografias no próprio dia ou se foram outras pessoas da candidatura que também tinham a password”.
Além disso, Nuno Sá lembra que “além de deputado”, é vereador e por isso anda muitas vezes entre Lisboa e Famalicão. E que, sendo uma pessoa “minimamente com inteligência política“, jamais colocaria uma fotografia onde se via que estava “num sítio público enquanto tinha presença Parlamento ao mesmo tempo”. O deputado do PS disse ainda que até vai contactar os serviços da Assembleia da República para perceber o que se passou com a presença nesse dia, mas deixa uma garantia que não ajuda a esclarecer o caso: “Digo-lhe já: vou contactar os serviços para saber o que aconteceu nesse dia, mas não lhe vou dizer o resultado desse contacto. Nem a si, nem a nenhum outro jornalista“.
As fotografias da visita, que foi no dia 12 de junho de 2017, só foram publicadas no Facebook da candidatura a 20 de junho de 2017. No entanto, há um vídeo do próprio candidato, gravado no final da visita, onde diz: “Na manhã desta segunda-feira“.
No mesmo dia 12, à noite, o deputado participou nas marchas Antoninas e tirou uma selfie. No dia seguinte, 13, participou na procissão, na tradicional distribuição do Pão de Santo António. Sendo candidato autárquico, era perfeitamente compreensível o deputado passar aquele período na sua autarquia, mas deveria ter justificado a falta como “trabalho político”. Tal como aconteceu com os três deputados do PSD apanhados nesta circunstância (Matos Rosa, Duarte Marques e José Silvano), Nuno Sá também estava a exercer, de facto, trabalho político. Não estava era no Parlamento.
Segundo relatos da própria bancada socialista, o deputado terá falhado várias reuniões plenárias durante a campanha eleitoral para a câmara municipal de Vila Nova de Famalicão em 2017. No entanto, alguns colegas deputados começaram a reparar que o deputado tinha presenças em alguma dessas circunstâncias. O dia 12 será um desses casos.
Sendo a segunda-feira, dia 12, uma ponte entre o fim-de-semana e o feriado do Santo António, as bancadas do Parlamento estiveram, genericamente, mais vazias. Tratava-se de um debate de atualidade, por marcação do PSD, sobre a retirada de três territórios da lista negra de offshore. Olhando ao registo da Assembleia da República, só faltaram à sessão 16 deputados (11 por trabalho político, um por trabalho parlamentar, dois por doença, um por motivo de força maior e um em ausência em missão parlamentar), mas na sala são dezenas de cadeiras vazias ao longo de toda a tarde. Ou seja: mesmo descontando o habitual entra e sai, o plenário esteve muito mais vazio que o habitual.
César disse que deputados fraudulentos não teriam lugar na bancada
O caso de Nuno Sá ganha particular destaque tendo em conta as últimas declarações do líder da bancada do Partido Socialista. A 6 de dezembro, Carlos César disse no final de uma reunião da bancada que caso houvesse “comportamentos fraudulentos” — como as presenças fantasma em plenário — na sua bancada, os deputados “não tinham o direito de permanecer no âmbito do grupo parlamentar do PS”.
Para Carlos César, nestes casos, que “felizmente são poucos, não pode deixar de haver alguma atitude sancionatória”. O líder da bancada parlamentar disse ainda que “uma coisa são comportamentos dolosos ou fraudulentos de deputados que falsifiquem as suas presenças ou que declarem moradas que não correspondem à realidade. Esses casos devem ter um tratamento independente.”
Esta posição dura de Carlos César até motivou uma troca de acusações com o líder da bancada do PSD, Fernando Negrão, que lidera um grupo parlamentar onde já foram registados três casos, dois deles noticiados pelo Observador. Negrão entendeu a mensagem de César como uma provocação ao PSD e respondeu com estrondo: “Se nós aplicarmos o princípio por ele enunciado, o deputado Carlos César, presidente do grupo parlamentar do PS, já não seria deputado”, afirmou, numa referência ao caso do duplo subsídio dos deputados dos Açores.
Fernando Negrão disse ainda que Carlos César falou “da vida alheia e de forma ilegítima” e acrescentou que “o próprio tem problemas no que diz respeito ao esclarecimento das viagens para o parlamento. Enquanto não esclarecer não pode falar de mais caso nenhum, muito menos de outras bancadas.”
O primeiro caso, noticiado pelo Expresso, foi o do secretário-geral e deputado do PSD, José Silvano, que teria marcado presença em duas reuniões onde não esteve. A deputada Emília Cerqueira admitiu depois que marcou presença pelo colega sem este lhe ter pedido. O caso que levou mesmo a que o Ministério Público abrisse um processo.
José Silvano. Ministério Público abre inquérito ao caso das falsas presenças
Já depois desse caso, o Observador fez uma investigação onde detetou mais dois casos de presenças-fantasma na bancada do PSD: os deputados Duarte Marques e José Matos Rosa. Não se sabe ainda quem votou no lugar destes dois deputados.
Mais dois deputados com presenças-fantasma, incluindo antigo secretário-geral do PSD
Mais tarde foi ainda noticiado, pelo Sapo24, que Feliciano Barreiras Duarte tinha votado no Orçamento do Estado para 2019 sem estar no hemiciclo.
Feliciano Barreiras Duarte votou contra o Orçamento mas não estava no Parlamento
Quem votou por Feliciano Barreiras Duarte, noticiou mais tarde o Observador, foi a deputada do PSD Maria das Mercês Borges, que acabou por se demitir de todos os cargos que tinha na bancada parlamentar do PSD.
Deputada Mercês Borges votou o Orçamento no lugar de Feliciano